Josimar Melo

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Opinião

De volta à moda, beef Wellington vira 'arma' na Austrália e mata a sogra

A receita ganhou este nome há mais de 200 anos. Virou coisa chique no Brasil — junto com o estrogonofe — há 60 anos, lá pela década de 1960. E agora está voltando à voga por aqui: o beef Wellington. Não só por aqui: na Inglaterra é uma das receitas mais conhecidas do chef-celebridade Gordon Ramsay.

Mas é na Austrália que ele virou o prato do momento. Porque em 2023 matou os sogros de uma dona de casa que o preparou, Erin Patterson, caso que está agora em julgamento pela Justiça do país.

Vamos por partes.

Na receita mais popular, o beef Wellington leva uma camada de cogumelos picados
Na receita mais popular, o beef Wellington leva uma camada de cogumelos picados Imagem: Getty Images

A receita, em sua versão mais comum hoje em dia, é composta por um naco de filé mignon recoberto por duxelles (cogumelos picados), presunto cru, e embrulhado em massa folhada para ir ao forno. Teria sido nomeada (mas não necessariamente criada) em homenagem ao duque de Wellington, comandante britânico que derrotou Napoleão Bonaparte na Batalha de Waterloo em 1815.

O célebre Gordon Ramsay, britânico como o duque, recuperou a receita e hoje a oferece em quase todos os seus inúmeros restaurantes pelo mundo. No Brasil ela também renasceu das cinzas.

Depois de ter virado cafona e caído no esquecimento, hoje pode ser encontrada nos mais diversos tipos de restaurante — em São Paulo figura nos cardápios de casas tão diferentes como Carlota (de Carla Pernambuco), Ça Va e Steak Bife de Érick Jacquin (veja no vídeo abaixo como ele é servido no Ça Va), Cantaloup, Miró, Bistrô de Paris ou Casa de Antônia. Na TV e na internet está em todo lugar, com direito a receita preparada por Rodrigo Hilbert, e a variações com carne de porco ou salmão.

No passado, foi um prato mais caro e requintado: no lugar de presunto, tinha foie gras; e no lugar do mix de cogumelos, levava trufas. Isto mudou. E é aí que mora o perigo. Pelo menos no caso do morticínio australiano.

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Pois ao servir seus ex-sogros (e dois familiares deles), a dona de casa Erin Patterson, no lugar de trufas incluiu na duxelles, voluntariamente ou não (a Justiça vai decidir), aquele que é considerado o mais mortal dos cogumelos venenosos do mundo, o Amanita phalloides, ou chapéu-da-morte,

Conhecido como chapéu-da-morte, o Amanita phalloides é um dos cogumelos mais perigosos do mundo
Conhecido como chapéu-da-morte, o Amanita phalloides é um dos cogumelos mais perigosos do mundo Imagem: Getty Images

Ela preparou o beef Wellington de um jeito diferente: no lugar de uma peça só a ser fatiada para servir, ela fez porções individuais. Os quatro convidados se envenenaram (só um sobreviveu, depois de semanas hospitalizado).

Ela ficou aparentemente ilesa. Seu ex-marido, que talvez a conhecesse bem demais, preferiu não aceitar o convite para o almoço — e está bem. (Se quiser ver detalhes do julgamento, é só fazer uma busca pelo nome da acusada. Está em todos os jornais da Austrália, e também da Inglaterra, já que ambos são parte da mesma Commonwealth e adoram acompanhar as fofocas mútuas. Nem os Estados Unidos ficaram de fora, com longa matéria até no Washington Post.)

Erin Patterson vem sendo conhecida como a 'assassina dos cogumelos' e o caso tem enorme repercussão em programas como o da rede SBS News (imagem)
Erin Patterson vem sendo conhecida como a 'assassina dos cogumelos' e o caso tem enorme repercussão em programas como o da rede SBS News (imagem) Imagem: Reprodução

No Brasil é raro o hábito de sair na natureza para colher cogumelos silvestres para comer (algo mais comum entre quem busca aqueles que são menos gastronômicos e mais alucinógenos). Sabe-se que são raríssimos os cogumelos venenosos — mas os poucos que o são podem ser mortais.

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A literatura policial sabe disso, e romances que mencionam tal tipo de envenenamento (como os das também britânicas Agatha Christie e Dorothy L. Sayers) em geral têm como arma justamente o tipo encontrado no beef Wellington servido agora na Austrália, o Amanita phalloides.

Seu nome refere-se ao gênero Amanita, que inclui espécies letais, e o sobrenome, phalloides, bem, é isso mesmo que você pensou — quando pequeno, antes de parecer um chapéu de sol, ele tem o formato de um falo. E ferrou a família de australianos.

Nos romances ele costuma aparecer como ingrediente de singelos omeletes assassinos, preparados em poucos minutos. Na vida real, ele agora se infiltrou no mais complexo e trabalhoso beef Wellington. Que, como eu disse, voltou à moda: todo cuidado é pouco.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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