OPINIÃO
Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
O doentio fetiche por fila de restaurantes que tanto encanta os paulistanos
Colunista de Nossa
21/05/2025 05h30
Estive recentemente na tradicional pizzaria Speranza — a original, no Bixiga. Era domingo à noite (mas também quem manda??), justamente o dia semanal da muvuca nas pizzarias paulistanas.
Nem sei por que fui justo neste dia, sendo que sempre defendi que a boa pizza é boa em qualquer dia da semana — e em qualquer refeição. Aliás, pizza é provavelmente melhor no almoço (outra de minhas teses ignoradas solenemente), já que uma bomba de carboidrato no jantar não é o melhor trato que se pode fazer à saúde — e à silhueta.
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Mas já que nós, paulistanos, estamos condicionados à pizza no jantar de domingo, lá fui eu.
Não tenho queixas da refeição em si, que foi no caso, após o inevitável pão de linguiça, a margherita, que ali é de lei (e se pretende prová-la, nem tente pedir uma pizza de dois sabores — a margherita ali é sagrada, uma cobertura indivisível).
A chateação aconteceu antes da refeição. Chegando de táxi, perguntamos ao porteiro da casa se havia espera. Dez minutos, disse ele. Ok. Dispensado o táxi, atravessada a área de espera, coloquei nosso nome na lista da atendente. Não demora, certo?, perguntei. A resposta: a espera é de quarenta minutos; talvez menos.
Verdade seja dita: foi menos. Mas pela milésima vez me pergunto: por que a antipatia de anunciar lá fora um tempo de espera irreal? Por que simplesmente não brindar os clientes com a verdade? Imaginei a resposta, mas evitei enunciá-la para não estragar a refeição que se seguiria.
Mas a espera levanta também outro ponto que para mim é misterioso.
Naquele dia resolvi ficar, porque meu acompanhante estava com problemas de locomoção e recomeçar a aventura de buscar outro restaurante pareceu desanimador.
Mas as demais pessoas, que ali ouviram que passariam 40 minutos mofando antes de comer, em nada se abalaram. Mais do que conformadas, estavam tranquilas e até contentes por saber que cedo ou tarde (em geral, mais tarde que cedo) chegaria seu lugar ao sol.
O mistério é: por que cargas d'água o paulistano tem esta relação amorosa com as filas em restaurantes?
Eu detesto fila em qualquer lugar. Mas em restaurantes elas me parecem especialmente cruéis: se você foi até ali é porque está com fome, quer comer; qual é a graça em ficar uma hora se embebedando de caipirinha, se empanturrando de amendoim e azeitona, maltratando os joelhos e a lombar, para depois sentar já alterado, exasperado com o tempo que foi maior que o anunciado, e com o apetite comprometido?
Não vejo sentido. E no entanto... é o que as pessoas enfrentam com jovial galhardia. Até com entusiasmo, vai entender.
O hábito de fazer reservas em restaurantes até hoje não colou no Brasil. Mesmo que os horários de reserva sejam restritos, seguramente vale mais a pena comer num momento alternativo do que penar horas numa espera que raramente corresponde aos anunciados "vinte minutinhos" (quase sempre é esta a cifra fictícia).
Mas parece que isto não é um incômodo geral, é somente meu. Você passa em frente ao Le Jazz, ao Z Deli e ao A Casa do Porco e está todo mundo feliz esperando, na chuva ou no sol (ok, a comida e os preços valem a pena).
No Famiglia Mancini não são pessoas sozinhas ou casais, são famílias mesmo, inteiras, conformadamente animadas (ok, as porções são também tamanho família, compensam). No Paris 6 as mocinhas ricas do interior não arredam pé, esperançosas de ver lá dentro os artistas que dão nome aos pratos (mas nem isto verão).
Diz uma lenda que o paulistano tem certeza de que se o lugar não tem fila não deve ser bom. E daí teria vindo este doentio fetiche desenvolvido na população da cidade. De minha parte, prefiro não esperar para conferir.
Há tempos adotei a disciplina de fazer reservas, e com reserva ou não, ir a restaurantes em horários de calmaria. Topo comer cedo, ou tarde: desde que possa comer com tranquilidade, consumir a caipirinha e as azeitonas no meu ritmo, sem cair no conto dos "vinte minutinhos" de espera.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL