10 anos depois, navio que afundou e matou 5.000 bois no Pará ainda perturba

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Dez anos atrás, no dia 6 de outubro de 2015, logo após completar o embarque de 4.920 cabeças de gado que seguiriam para a Venezuela, o navio libanês Haidar, um ex-porta-conteineres adaptado para o transporte de animais vivos, começou a adernar quando ainda estava atracado no porto de Vila do Conde, na cidade paraense de Barcarena, às margens do Rio Pará.
E seguiu inclinando, até que tombou de vez na água e afundou, menos de duas horas depois.

Todos os 28 tripulantes do navio foram salvos e desembarcaram sem maiores problemas, já que o navio estava encostado ao cais.
Mas a mesma sorte não tiveram os animais que estavam dentro dele.
Caçados e mortos no rio
Confinados nos porões, que naquele velho navio haviam sido transformados em estábulos flutuantes, e apavorados com a água que entrava, os bois começaram a se mover, em busca da sobrevivência, o que acelerou ainda mais o emborcamento do navio.

Pouquíssimos animais conseguiram escapar vivos. E os que sobreviveram ao naufrágio foram caçados em seguida, na próprio rio, pela população da cidade, atraída ao porto pela possibilidade de obter carne de graça.
O que se seguiu foi uma barbárie, com os animais sendo abatidos na água, ou puxados até a margem e mortos a facadas pelos moradores - um horror, que deu contornos ainda mais dantescos a um acidente causado pela má distribuição do peso, durante a operação de embarque dos animais no navio.
Nunca se soube ao certo (até porque jamais se soube quantos bois foram saqueados e trucidados pelos moradores de Barcarena), mas na época estimou-se que praticamente todos os bois morreram naquele dia, no desastre, sendo que muitos deles afundaram com o navio e suas carcaças só reapareceram dias, contaminando ainda mais o rio - que também foi atingido por 700 toneladas de óleo diesel que o Haidar transportava.
Corpos decompostos e óleo no rio

A poluição do rio - pelos corpos decompostos dos animais e pelo óleo diesel - foi um dos problemas causados pelo naufrágio do "Navio dos Bois", como o caso ficou conhecido, e que até hoje, dez anos depois, ainda não foi totalmente resolvido, porque não houve a responsabilização e indenização pelos prejuízos causados, sobretudo aos pescadores das comunidades ribeirinhas, que tiveram que parar de pescar por meses a fio.
A poluição deixou um rastro de contaminação que se estendeu até a região metropolitana de Belém, a mais de 50 quilômetros de distância, e durante dias o fedor dos animais mortos no rio impregnou toda a cidade de Barcarena.

Na época, a empresa dona dos animais, a Minerva Foods - que sempre alegou que a responsabilidade pelo transporte dos bois não era dela e sim da companhia marítima contratada para isso -, fez um acordo com o Ministério Público, mas a indenização não cobriu todos os prejuízos.
A começar pelo maior de todos: a remoção dos restos do navio do fundo do rio, o que nunca aconteceu.
Navio continua no mesmo lugar

Até hoje, o casco tombado do Haidar segue semi-afundado junto a um dos cais do porto de Barcarena, como uma espécie de monumento ao mórbido desastre, e impedindo que aquele espaço seja utilizado por outros navios, o que gera prejuízos diários ao porto.
Anos atrás, o Governo Federal abriu uma concorrência para a remoção do navio, mas a empresa vencedora da licitação embolsou boa parte do dinheiro e não executou o serviço. Desde então, tem prevalecido o jogo do empurra-empurra.
A empresa dona dos bois alega não ter responsabilidades sobre o navio, enquanto o governo do Pará diz que a remoção dele é problema das autoridades do porto de Barcarena, numa lenga-lenga que mais parece conversa pra boi dormir.
Manifestações a favor dos animais
O assunto voltou à tona no último fim de semana, por conta dos dez anos do acidente, com manifestações que aconteceram em São Paulo, Belém e Barcarena.
Em São Paulo, houve um pequeno protesto na Avenida Paulista, feito por um grupo de defensores dos direitos animais, e em Belém e Barcarena, aconteceu o seminário "10 anos depois: o naufrágio do navio Haidar", além da exibição pública do documentário "Elias: o boi que aprendeu a nadar" (clique aqui para assisti-lo, mas com o alerta de que contém cenas fortes).
O documentário foi produzido pela entidade protetora dos animais Mercy For Animals e sua exibição pública foi proposital, porque o motivo principal dos protestos não foi o descalabro na remoção nunca feita do navio, nem a indenização pífia dada às vítimas da poluição do rio, e sim a questão da exportação de animais vivos por via marítima - algo tão cruel quanto desnecessário, já que os animais passam semanas confinados em navios decrépitos e insalubres, como era o Haidar, sob condições pavorosas.
E isso já gerou outras tantas tragédias, também ambientais. Como estas:
Outras tragédias com animais no mar
- Em 2009, um navio que transportava 17000 bois afundou na costa do Líbano e matou, além dos animais, toda a tripulação.
- Dez anos depois, em 2019, outro navio transportador de animais vivos afundou no litoral da Romênia, com 14000 ovelhas, que foram abandonadas enquanto ele afundava. Todas os animais morreram afogados.
- No ano seguinte, 2020, o navio Gulf Livestock naufragou no Mar da China por causa de um tufão, e matou, além de seus 40 tripulantes, todos os animais que havia a bordo: 6000 cabeças de gado.
- Em fevereiro de 2024, um navio carregado de gado, que partiu do Brasil com destino ao Iraque (e com animais da mesma empresa dona dos bois que morreram no naufrágio do Pará), fez uma escala na Cidade do Cabo, na África do Sul, mas o mau cheiro que vinha do navio - uma mistura de fezes e urina dos animais confinados há semanas -, impregnou o ar da cidade de tal forma que ele foi expulso do porto.
Proibir a exportação no Brasil
Por essas e outras, alguns países, como a Nova Zelândia, já proibiram o transporte de animais vivos pelo mar.
Agora, tenta-se implantar isso também no Brasil, apesar de o país ser um dos maiores exportadores mundiais do gênero, o que dificulta o andamento da proposta que está sendo discutida neste momento, no Congresso Nacional (se você concorda com o fim deste sofrimento desnecessário aos animais, clique aqui para assinar um abaixo-assinado, pedido o fim da exportação de gado vivo do Brasil).
Às vésperas da COP30, Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, que acontecerá justamente no Pará, no mês que vem, o fantasma do casco naufragado do Navio dos Bois, no porto de Barcarena - e a consequente tragédia ambiental que ele causou -, não deixa um tanto constrangedor para o país anfitrião do encontro, uma vez que ele simboliza o descaso, não apenas com o meio ambiente, mas também com a questão animal, até porque - por incrível que pareça - os bois do Haidar foram considerados os causadores do naufrágio do navio e não vítimas dele, como você pode conferir clicando aqui ou assistindo um vídeo recém-lançado sobre este repugnante caso.





























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