Último sobrevivente de naufrágio brasileiro na 2ª Guerra vai fazer 100 anos

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Ainda faltam dois meses, mas a família, os amigos e até a Marinha do Brasil já se preparam para a grande festa que pretendem fazer para celebrar os 100 anos de vida do baiano, mas há muito radicado em Aracaju, Girgazes Agostinho de Brito, nascido em 29 de agosto de 1925.
Por dois motivos.
Para os familiares, será o centenário do patriarca de uma família que hoje já soma dezenas de pessoas, entre filhos, netos e demais parentes.

Já, para a Marinha do Brasil, serão os 100 anos do último sobrevivente ainda vivo do naufrágio do único navio militar brasileiro afundado durante a Segunda Guerra Mundial, o navio auxiliar Vital de Oliveira, torpedeado pelo submarino alemão U-861 na noite de 19 de julho de 1944, na costa do Rio de Janeiro, 81 anos atrás - quando o então marinheiro eletricista de segunda classe Girgazes Agostinho de Brito tinha apenas 19 anos de idade.

Mas, de certa forma, as comemorações da data já começaram.
Gravação para a memória histórica
Recentemente, o hoje aposentado segundo tenente Girgazes - que apesar da idade avançada, ainda recorda com detalhes aquela noite pavorosa no mar do Rio de Janeiro, quando o submarino alemão disparou dois torpedos contra o navio no qual ele estava - gravou um depoimento sobre a maior tragédia ocorrida em águas brasileiras na Segunda Guerra Mundial para o Projeto Memória, da Marinha do Brasil.

E relembrou, uma vez mais, o drama que passou naquela noite.
"Às 23h30, eu estava dormindo e um colega me chamou, porque eu tinha que começar o meu turno na casa de máquinas do navio. Mas eu adormeci de novo, e só acordei com uma enorme explosão. Achei que a caldeira do navio tivesse explodido e corri para o convés. Quando cheguei lá, vi que a popa do navio já estava afundando. Daí, entrei em um barco salva-vidas, mas outro marinheiro que já estava nele, desesperado, cortou o cabo e caímos todos no mar. Menos de dois minutos depois de acordar, eu estava dentro d'água, tentando enxergar algo e me afastar do navio que afundava, para não ser sugado por ele. Mas ainda bem que não acordei quando meu colega me chamou, porque se tivesse ido para a casa de máquinas eu teria morrido, porque foi lá que um dos torpedos explodiu e ninguém sobreviveu", contou Girgazes no seu depoimento, que também incluiu mais detalhes sobre como ele se salvou naquele naufrágio, que ceifou a vida de outros 150 marinheiros.

"Quando me afastei do navio, a primeira coisa que fiz foi tirar toda a roupa, para poder nadar com mais facilidade e também não ser agarrado pelos outros marinheiros que estavam na água, porque isso podia fazer com que eu morresse afogado. Eu não enxergava nada, por causa da escuridão, mas ouvia muita gente gritando, pedindo ajuda. Em vez de gritar, eu comecei a rezar. Mas pedi, em voz alta, que o Senhor não me deixasse morrer sem rever minha mãe. Foi quando eu ouvi uma voz, chamando o meu nome. Era um colega do navio, que estava em uma balsa salva-vidas, tentando recolher pessoas no mar, mesmo sem enxergar nada. Ele ouviu aquele meu pedido à Deus e gritou de volta, dizendo para que eu continuasse falando alto, e foi seguindo o som da minha voz, até chegar do meu lado com a balsa. Depois daquele dia, nunca mais o vi. Mas gostaria de poder ter agradecido pessoalmente por ele ter salvo a minha vida".

Agradecido por estar vivo
Coincidentemente, as comemorações do 100º aniversário da única testemunha ainda viva do afundamento do Vital de Oliveira acontecerão no mesmo ano em que os restos daquele navio foram oficialmente identificados, apenas dois meses atrás, por outro navio da Marinha do Brasil, também coincidentemente chamado Vital de Oliveira - a Marinha brasileira sempre teve a tradição de manter um navio batizado com o nome do patrono da hidrografia brasileira, Manoel Antônio Vital de Oliveira.

"Quando eu soube que tinham confirmado a identidade do navio no qual estava no fundo do mar, não fiquei triste nem feliz", diz o já quase secular ex-marinheiro Girgazes. "Fiquei apenas agradecido uma vez mais por ter sobrevivido, e por ainda estar vivo".

Um caso polêmico
Naquela noite, boiando no mar aberto, a mais de 70 quilômetros da costa, até ser socorrido pela balsa daquele colega, Girgazes foi quase uma exceção entre os poucos que escaparam do torpedeamento do Vital de Oliveira - só 100 marinheiros sobreviveram, entre os 250 que havia no navio.

No dia seguinte, ele e seus companheiros de balsa foram resgatados por um pequeno navio da Marinha que foi enviado para socorrer os náufragos, já que o barco que deveria escoltar o Vital de Oliveira naquela viagem - justamente para protegê-lo contra eventuais ataques de submarinos nazistas, que já rondavam a costa brasileira -, o Javari, também da Marinha Brasileira, havia seguido em frente após o ataque, em um episódio que nunca foi devidamente explicado, como pode ser lido aqui, ou em um vídeo recém-lançado sobre este polêmico caso - clique aqui para assisti-lo.
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