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Histórias do Mar

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Ano acabou, o mistério não: o que aconteceu com a inglesa sumida no Caribe?

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Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

01/01/2022 04h00

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O Natal foi de tristeza na casa dos Heslop, em Essex, na Inglaterra.

E o Réveillon foi igual, sem nenhum tipo de comemoração.

Motivos para isso não faltam.

Há quase dez meses, eles aguardam, amargurados e angustiados, por notícias da filha, a ex-aeromoça Sarm Heslop, de 42 anos, que desapareceu na noite de 8 de março do ano passado, ao que tudo indica do barco no qual vivia com o namorado, o americano Ryan Bane, na ilha de St. John, no Caribe — um dos casos mais inexplicados de desaparecimento de uma pessoa no mar caribenho nos últimos anos.

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E a angústia é reforçada por um detalhe ainda mais absurdo: o principal suspeito, o próprio namorado da vítima, se recusa a prestar depoimento à polícia, além de não permitir que o interior do barco do que ela supostamente desapareceu seja examinado.

E o que é ainda frustrante para os Heslop: a lei permite que ele faça isso.

Lei protege o suspeito

Por trás deste aparente caso de escancarada omissão policial (a polícia ser impedida, pelo próprio suspeito, de interrogá-lo e de examinar o local onde uma eventual morte aconteceu) está a Quinta Emenda da Constituição dos Estados Unidos, que garante a todo cidadão americano, como é o caso de Bane, o direito de permanecer calado, a fim de evitar a autoincriminação, e também de exigir da polícia um mandado de busca expedido por um juiz, antes de examinar uma propriedade privada, como era o caso do barco onde o casal morava.

Até agora, nenhum juiz das Ilhas Virgens Americanas, a qual pertence a ilha de St. John — e que, como o próprio nome diz, tem estreita ligação com os Estados Unidos —, aceitou expedir um mandado de busca no barco, sob a alegação de que a polícia deve, primeiro, fornecer elementos que justifiquem a suspeita sobre o namorado.

Criou-se, então, um impasse: a polícia precisaria examinar o interior do barco para colher eventuais evidências que incriminassem o suspeito, mas os juízes dizem que só autorizarão isso se a polícia apresentar provas do envolvimento dele no desaparecimento da namorada.

Enquanto isso, nada acontece — para desespero dos pais da velejadora desaparecida há mais de dez meses.

O apelo da mãe

"É uma situação cruel demais", disse recentemente à TV inglesa BBC a mãe da vítima, Brenda Street. "Não é justo que não investiguem o que aconteceu com a minha filha. Eu apelo à consciência dos envolvidos. Só eles podem ajudar nisso".

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Para decepção da família Heslop, nada indica que essa situação vá mudar, apesar da pressão que até o governo da Inglaterra vem fazendo sobre a polícia das Ilhas Virgens Americanas, já que a investigação não avançou em nada, desde março passado, justamente porque falta o mais básico dos procedimentos nestes casos: interrogar o principal suspeito e examinar o local onde o suposto desaparecimento aconteceu, quase dez meses atrás — tempo, aliás, mais que suficiente para o namorado da desaparecida já ter se livrado de qualquer evidência incriminatória a bordo do barco onde o casal vivia.

Mas, no mês passado, surgiu um fato novo — que, no entanto, desanimou ainda mais os Heslop.

Ele partiu com o barco

Sem que pudesse ser impedido pela polícia, já que, tecnicamente, não há nenhuma acusação formal contra ele, Bane levantou âncora e partiu com o seu barco da ilha de St. John, onde aconteceu o desaparecimento.

Depois, durante dias, sua localização no mar se tornou desconhecida.

Até que jornalistas ingleses que acompanham o caso desde o começo descobriram o novo paradeiro do barco de Bane — um bonito veleiro catamarã de 15 metros de comprimento, chamado Siren Song ("Canto da Sereia", em português), avaliado em cerca de 200 mil dólares, o equivalente a mais de 1 milhão de reais.

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O barco foi encontrado atracado em uma marina da ilha de Granada, também no Caribe, mas já fora da jurisdição das Ilhas Virgens Americanas, já que se trata de outro país.

E com uma terrível novidade para os familiares de Sarm: foi posto à venda por Bane, que também apagou o nome do barco no casco.

Isso deixou a família ainda mais indignada e fez aumentar o sentimento de impunidade.

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Se o principal suspeito vender o barco, a polícia jamais conseguirá vistoriá-lo. E será praticamente impossível incriminá-lo.

"É revoltante", dizem os pais da velejadora desaparecida.

O que aconteceu após o jantar?

Antes disso, os amigos da ex-aeromoça já haviam oferecido uma recompensa de quase R$ 100 mil a quem desse alguma pista sobre o paradeiro de Sarm Heslop, ou sobre o que aconteceu naquela noite, entre ela e o namorado.

Tudo o que se sabe é que os dois haviam jantado em um restaurante da ilha, bem próximo ao local onde o barco estava ancorado.

Depois disso, mais nada.

Nem mesmo se Sarm retornou ao barco, o que levantou a hipótese de ela ter desaparecido quando os dois ainda estavam em terra firme.

Isso, no entanto, contraria o que disse o namorado ao ligar para a polícia, ao meio dia do dia seguinte (portanto, muitas horas depois), para avisar sobre o desaparecimento da inglesa.

Perguntas sem resposta

Sarm Joan Lillian Heslo está desaparecida desde domingo (7) - Divulgação/Departamento de Polícia das Ilhas Virgens Americanas  - Divulgação/Departamento de Polícia das Ilhas Virgens Americanas
Imagem: Divulgação/Departamento de Polícia das Ilhas Virgens Americanas

Por que Bane só relatou o desaparecimento da namorada tanto tempo depois?

E por que não permitiu que a polícia examinasse o barco, em hipótese alguma?

Estas são apenas algumas das perguntas ainda sem resposta neste estranho caso.

"Acho que ela caiu no mar"

De acordo com o que Ryan Bane disse à polícia, pelo telefone, quando ele acordou no meio da noite a namorada "não estava mais no barco".

"Acho que ela caiu no mar", disse às autoridades, sem maiores detalhes.

Segundo ele, todos os pertences da namorada, inclusive o celular e passaporte, continuavam a bordo do veleiro, o que, ao menos a princípio, descartava a hipótese de ela ter simplesmente fugido.

Por que demorou tanto?

Uma das hipóteses para a demora de Bane em contatar a polícia seria a de que ele precisara de tempo para ocultar eventuais provas que havia no barco, ou se recuperar fisicamente, já que o casal poderia ter consumido drogas na noite anterior, o que, inclusive, poderia explicar uma eventual queda involuntária de Sarm ao mar, durante a madrugada.

Se foi um acidente, por que o namorado demorou tanto para dar o alarme?

"Meu cliente segue devastado com o desaparecimento da namorada", diz apenas o advogado de Bane, que, no entanto, desde a noite do desaparecimento, segue morando normalmente no barco e sendo visto em passeios em terra firme com seu cachorro, como aconteceu quando foi flagrado por jornalistas ingleses na nova ilha para onde levou o veleiro, com o intuito de vendê-lo.

"Se ele vender o barco, será como destruir a única evidência de um eventual crime", analisou um dos jornalistas.

Não confia na polícia

Segundo o advogado de Bane, que, no passado, chegou a ser preso por agressão a ex-esposa, ele não permitiu a vistoria do barco "por não confiar na polícia e temer que fossem ´plantadas` provas contra ele a bordo".

Já a justiça das Ilhas Virgens Americanas pouco tem feito para ajudar no caso.

Sem um mandado de busca, nós simplesmente não podemos entrar no barco", explicou, na ocasião, o porta-voz da polícia local.

"Isso é ultrajante", diz a mãe da desaparecida. "A única pessoa que poderia fornecer detalhes sobre o que aconteceu com minha filha não permite ser interrogada pela Polícia, vai embora da ilha e a justiça concorda com isso".

Só ela ainda tem esperanças

Apesar de tudo, Brenda Street ainda acredita que a filha possa estar viva, quase dez meses depois.

"Se ela já tivesse partido desse mundo, eu sentiria isso", garante, desconsolada, querendo demonstrar algum otimismo em algo que ninguém mais acredita.

2021 terminou e o destino da velejadora inglesa permanece ignorado. Mas só os pais da vítima ainda acreditam que ela possa estar viva.

Mesmo desfecho trágico?

Hoje, quase dez meses depois, o destino da inglesa desaparecida no Caribe se parece cada vez mais com o da jornalista sueca Kim Wall, que, quatro anos atrás, também sumiu após embarcar para fazer uma reportagem em um submarino particular na Dinamarca, que havia sido construído por um inventor local, chamado Peter Madsen — e nunca mais foi vista com vida.

Mas, ao contrário do caso caribenho, a polícia dinamarquesa agiu rápido e com firmeza, fazendo com que Madsen confessasse ter cometido um crime mais que bárbaro, que incluiu o esquartejamento do corpo da vítima e arremesso de partes do cadáver ao mar — clique aqui para ler esta dramática história.

Madsen foi preso e condenado à prisão perpétua.

Já o principal suspeito do desaparecimento da inglesa no Caribe sequer foi ouvido pela Polícia e, agora, tenta se livrar até do barco que testemunhou algo que ninguém sabe exatamente o que possa ter sido.