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OPINIÃO

Virada Cultural faz 20 anos menor, esvaziada e sem relevância de antes

Show da Anitta no Vale do Anhangabaú na Virada de 2019: 200 mil pessoas Imagem: Francio de Holanda

Colunista de Nossa

22/04/2025 05h30

Faltando cerca de um mês para a edição que marca os 20 anos da Virada Cultural de São Paulo, cabe uma reflexão sobre o evento que já foi o maior festival do Brasil e um dos maiores do mundo. Capaz de reunir milhões de pessoas e representar a diversidade cultural da maior cidade do hemisfério sul, a Virada, nos últimos anos, foi completamente desfigurada, tornando-se um evento menor, com poucos palcos cercados por grades, acesso limitado, baixo interesse do público e sem uma programação 24 horas contínua em seus palcos.

Criada pela gestão Serra em 2005, inspirada nas parisienses "Fête de la Musique" e "Nuit Blanche", a Virada surgiu como consequência natural de uma cidade que não dormia e pulsava com milhares de lugares para se ir e coisas para fazer a qualquer hora do dia ou da noite.

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Concentrado prioritariamente no centro da capital, o evento manteve sua relevância ao longo dos anos seguintes. Na gestão Haddad, a partir de 2013, cresceu e se fortaleceu com edições que ampliaram o conceito de descoberta da cidade por meio do fio condutor cultural. Era delicioso flanar pelo centro e se deparar com uma surpresa em cada esquina.

Em 2019, na gestão Covas — quando tive o desafio de organizar o evento como Secretário de Cultura — a Virada teve sua maior edição, segundo o Observatório do Turismo da SPTuris — com público de 5 milhões de pessoas, 1.200 atrações, impacto econômico de cerca de R$ 400 milhões e atividades espalhadas em 250 pontos da cidade, tanto no centro quanto nas periferias, que também receberam de forma robusta grandes palcos e múltiplas expressões culturais.

Infelizmente, após a paralisação dos eventos públicos provocada pela Covid-19, a Virada — que deveria representar a retomada e o desejo de reocupação das ruas após os duros meses de isolamento social — foi descaracterizada.

Depois de anos de respeito à continuidade das políticas públicas, com gestores de diferentes partidos a mantendo viva e relevante, a Virada foi drasticamente reduzida no centro da cidade, dando lugar a uma narrativa de descentralização cultural que priorizaria atividades nas periferias.

Caso realmente tivesse ocorrido um aumento considerável no investimento e na programação, capaz de promover, em todas as regiões, a mesma experiência que se vivia no centro, a iniciativa seria digna de aplausos. Entretanto, isso definitivamente não aconteceu.

O que se constatou, além da descaracterização do evento na região central — algo que não faz sentido neste momento de esforço pela sua requalificação —, foi que não existiu aumento relevante das atividades nas demais regiões, em comparação com a ultima edição antes da pandemia.

Um efeito colateral dessa falta de relevância, são os grandes eventos privados que passaram a ocorrer no mesmo final de semana da Virada, e que em outros tempos jamais ousariam concorrer com o tradicional festival.

Hoje, a data que deveria ser de celebração da ocupação cultural pública e gratuita passou a evidenciar festivais caríssimos, pouco acessíveis à maioria da população, realizados inclusive em espaços públicos que deveriam ser ocupados pela própria Virada.

Sei do desejo dos atuais organizadores em resgatar a tradição da Virada Cultural, mas temo que isso não seja suficiente diante do crescente patrulhamento conservador, que joga contra a vida noturna, a festa e a ocupação cultural de São Paulo.

Nesse embate permanente, abrir mão de um espaço conquistado significa correr o risco de nunca mais conseguir reocupá-lo culturalmente. Sentimos essa dificuldade até mesmo em nosso carnaval de rua, que transformou a cidade para melhor, mas que ainda assim sofre ataques recorrentes e vive em constante incerteza.

Ainda torço para que nesta data comemorativa, a Virada Cultural apresente a estrutura necessária para ocupar toda a cidade, durante as 24 horas que sempre a caracterizaram, gerando cultura de qualidade para o povo, oportunidades para os artistas, giro econômico e a confirmação da reputação cosmopolita de São Paulo.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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Alê Youssef