OPINIÃO
Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
'Insistem em diminuir tradição do samba de São Paulo, mas ele resiste'
Colunista de Nossa
26/02/2025 05h30
A constante falta de atenção para as tradições culturais de São Paulo cria um ambiente de apagamento histórico de personagens e territórios estruturantes para a prática cultural e contribui para manter uma estranha sensação de incerteza sobre a continuidade das festas, rodas, desfiles e cortejos, apesar de suas tradições e raízes inquestionáveis.
A destruição da tradicionalíssima quadra do Vai-Vai na Bela Vista para construção da nova linha de metro, com a dificuldade de reconhecimento histórico do sítio arqueológico da comunidade quilombola que habitou o local, e a recente ameaça que a construção do Parque Campo de Marte na Zona Norte vem representando ao Grêmio Recreativo Cruz da Esperança, onde acontece o Samba do Cruz desde a década de 1970, são dois exemplos do momento.
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A partir do Rio de Janeiro, no final do século 19 — quando surgiu — o samba foi se ramificando e crescendo em outras regiões.
Assim surgiu o chamado samba paulista ou samba de bumbo, originais da região do Largo da Banana, na Barra Funda — marco zero do samba em São Paulo e grande reduto de sambistas, ao lado do Bixiga.
As escolas de samba de São Paulo vieram da tradição do Carnaval de rua que era representando pelos cordões carnavalescos e pelo samba de bumbo. Em 1914, Dionísio Barbosa — que tinha seu retrato grafitado em muro da Rua Barra Funda sob o Viaduto Pacaembu — criou o Grupo Carnavalesco da Barra Funda, que se tornaria mais tarde a Camisa Verde e Branco. Barbosa era apaixonado pelos antigos ranchos carnavalescos e confrontou o Carnaval da época, todo voltado para a elite, uma folia exclusiva de brancos e ricos.
Nas décadas seguintes, os cordões se multiplicaram e se espalharam pelas outras regiões da cidade. Em 1930, surgiu o cordão carnavalesco e esportivo Vai-Vai, a partir de um grupo de dissidentes do grupo de Carnaval e várzea Cai-Cai. Em 1937, a Lavapés, já com o título de escola de samba, e, nas décadas seguintes, a Nenê de Vila Matilde, em 1949, e a Unidos do Peruche, em 1956.
Em 1968, em pleno AI-5, Ato Institucional que representava o auge da repressão da ditadura militar, seis integrantes de grupos carnavalescos ficaram conhecidos como os Cardeais do Samba Paulista, por pressionar — e conseguir! — o então prefeito Faria Lima por melhorias no Carnaval paulistano: Xangô da Vila Maria, Pé Rachado do Vai-Vai, Madrinha Eunice da Lavapés, Inocêncio Mulata da Camisa Verde e Branco, Nene de Vila Matilde e Carlão do Peruche. Seu Carlão, último cardeal, nos deixou recentemente, aumentando a urgência do reconhecimento histórico e da valorização dessa história tão rica.
Muita gente não sabe de toda essa história e, infelizmente, é comum o preconceito de algumas tradicionais cidades carnavalescas do Brasil que insistem em diminuir a tradição e força do samba e do Carnaval na paulicéia desvairada. Reagem até de forma infantil e provinciana quando alguma notícia positiva da folia paulistana ecoa.
Tenho um orgulho danado de, como Secretário da Cultura da cidade, ter dado a todas as comunidades do samba contemporâneo as placas de memória paulistana em cerimônia no Theatro Municipal. As placas também estão no local onde era o Largo da Banana, e nos principais marcos carnavalescos da cidade, como a que faz referência à fundação do Bloco Esfarrapado do Bixiga, mais antigo de São Paulo. Também conseguimos fazer as estátuas da Madrinha Eunice e do mestre sambista Geraldo Filme.
O samba de São Paulo resiste nas casas dos paulistanos, na tradição que se mantém nas escolas de samba, nas rodas espalhadas na cidade inteira, nos blocos de Carnaval, casas de cultura, bares e praças.
Resiste com sua história e sob as bençãos de seus cardeais e de todas as lideranças desse magnífico movimento de raízes profundas, parte da múltipla e diversa identidade de São Paulo.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL