Alê Youssef

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Opinião

Políticas públicas ignoram dados e hábitos culturais da população

A frase genial da música Rep de Gilbeto Gil que diz "o povo sabe o que quer, mas o povo também quer o que não sabe", está sendo utilizada apenas parcialmente pelos órgãos públicos responsáveis pela cultura no país.

Os hábitos e gostos culturais da população brasileira, não são levados em conta para formulação das políticas públicas culturais.

O gestor público gasta praticamente todos seus recursos focado no "povo também quer o que não sabe", e isso é perigoso, porque faz secretários e ministros confundir o papel de gestor com uma espécie de curador do seu próprio gosto cultural.

A pesquisa inédita "Cultura nas Capitais", realizada pela JLeiva Cultura & Esporte, com patrocínio do Itaú e do Instituto Cultural Vale, e parceria da Fundação Itaú, lançada essa semana, é o maior levantamento sobre hábitos culturais nas capitais já realizado no Brasil. Foram 19,5 mil entrevistas presenciais em todas as capitais e no Distrito Federal.

Segundo João Leiva, consultor e pesquisador que coordenou a pesquisa, enquanto na maioria dos países esses estudos são feitos por estruturas governamentais, no Brasil nunca tivemos uma pesquisa de hábitos culturais, conduzida pelo setor público em âmbito nacional. Para Eduardo Saron, Presidente da Fundação Itaú, a análise de dados e evidências, oferece insights valiosos sobre o fazer cultural, sendo fundamental para a constituição de políticas públicas. A realidade é que falta aos governos — em todas as esferas — a produção estruturada de dados sobre acesso à cultura.

Alguns resultados da pesquisa alertam para questões que estão fora da pauta dos governos, como a óbvia importância do cruzamento entre educação e cultura e a escolaridade como fator decisivo para estimular o acesso à cultura. Isso vale para todas as atividades, das gratuitas e mais populares às mais caras.

A pesquisa mostra também que boa parte das políticas públicas de cultura são voltadas para os jovens, enquanto a faixa etária de menor acesso é a de 60 anos ou mais. Nos países desenvolvidos o acesso cai a partir dos 65/70 anos, já no Brasil essa queda começa uns 20 anos antes, por volta dos 45/50.

Outro dado crucial é sobre a distribuição dos espaços culturais nas cidades, ou seja, por onde se da o acesso à cultura.

Foi perguntado qual o espaço as pessoas mais frequentam, o local que de fato faz parte de sua "vida cultural" e se constatou uma enorme diversidade de lugares nas respostas.

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Só em São Paulo por exemplo, onde foram feitas 3.000 entrevistas, 470 espaços diferentes foram citados.

Praças e parques apareceram com grande destaque, tendo o Ibirapuera como campeão. Mas também notou-se muitas citações que vão de bairros e ruas especificas até a grande Avenida Paulista. Os 32 CEUs foram citados por um público que em sua grande maioria já está fora da escola.

Sobre os eventos mais importantes da capital paulista, a Virada Cultural, o Carnaval e a Festa Junina aparecem em primeiro lugar, mas foram citados outros 270 eventos diferentes, muitos de caráter local.

Além disso, 90% dos paulistanos concorda que o governo deve dar atenção prioritária ao setor cultural, 87% consideram arte e cultura essenciais para vida e bem-estar e 76% preferem a arte e cultura brasileiras do que estrangeiras.

De um modo geral, quase todas as capitais pesquisadas, apresentaram essa ampla diversidade de espaços e eventos citados.

Além disso, desmistificando o barulho dos ataques vindos da polarização radicalizada, repetem em todo o país o lindo apoio à arte e à cultura.

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Isso reforça a necessidade de uma articulação das Secretarias de Cultura locais não apenas com outras secretarias que cuidam de outros espaços e equipamentos públicos, mas também com áreas como a coordenação política, gestão e planejamento urbano.

A política pública cultural precisa ser atualizada e complementada com outras ações que levem em conta o gosto cultural da população e compreendam essa pluralidade de percepções e entendimentos detectadas na pesquisa sobre o que é a cultura para as pessoas, o que elas de fato querem e onde deve acontecer a ação e o acesso cultural.

A economia criativa, através do crédito pada o micro e pequeno empreendedor cultural local, pode ser um importante passo complementar nesse sentido.

Devemos tratar a cultura com a mesma importância e cuidado que outras área sociais fundamentais para a vida e o bem-estar.

Educação, Saúde e Assistência Social, por exemplo, são pautadas constantemente por dados que apontam para ações que buscam universalizar e descentralizar nos territórios o atendimento público.

Para que o setor cultural tenha a relevância que merece os governos precisam acreditar na importância dos dados, atualizar suas políticas culturais em benefício do povo que quer a valorização da cultura e da arte por parte do poder público — como mostrou a pesquisa.

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Chegou a hora de prestar atenção também à primeira parte da música de Gil, " O povo sabe o que quer".

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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