Durante toda esta trajetória, um nome surgiu para criar um cisma ainda maior em torno da possibilidade de criar filmes decentes a partir de games. Seu nome é Uwe Boll, um alemão com doutorado em literatura, gosto por pugilismo e ótimo faro para negócios. Ele fundou sua própria empresa, a Boll KG, que utilizou em um esquema complicado de financiamento para seus projetos.
Boll foi notado pela primeira vez quando "House of the Dead" chegou aos cinemas dos EUA, em 2003. O resultado foi simplesmente desastroso, tanto no que diz respeito aos comentários da crítica quando dos fãs. A bilheteria foi fraca, mas como o projeto custou pouco, o desempenho não gerou maior repercussão. O que chamou atenção mesmo foi o anúncio que veio logo em seguida, de que o diretor estaria trabalhando em várias outras adaptações simultaneamente, de jogos que iam de "Alone in the Dark" a "Bloodrayne".
Normalmente alguém que fracassa em Hollywood perde cacife para continuar em projetos similares, mas o caso inverso de Boll chamou a atenção de especialistas no assunto. Foi revelado então que a Boll KG se beneficiava de um grande esquema de financiamento envolvendo leis de incentivos fiscais na Alemanha. Ainda que realmente ajudassem para cineastas sérios, tais leis continham muitas brechas que permitiram a ação de picaretas e especuladores. Boll conseguiu isenção total de impostos para captar recursos, produzir e vender direitos de distribuição mundial e só precisaria pagar taxas em cima de possíveis lucros nas bilheterias.
Os "estragos" de Uwe Boll começaram a ser notados no filme de "House of the Dead",... |
... ganharam força na adaptação de "BloodRayne", que recebeu sequência... |
... e, mais recentemente, chegaram a "Postal", tão trash quanto o jogo. |
Ele e seus parceiros ganharam dinheiro especulando com o dinheiro captado e com os pagamentos dos distribuidores internacionais, e logo se isentavam de tributos depois que todos os filmes se revelaram verdadeiras bombas nos cinemas. Parece bizarro, mas era mais lucrativo trabalhar em um fracasso do que em um sucesso.
Aos poucos o governo alemão assinalou mudanças nas leis, obrigando Boll a correr. Ele então bateu nas portas de todas as produtoras de games que conseguiu para acumular direitos de adaptação e inscrevê-los logo no programa de incentivo, antes das alterações. Como a maioria dos filmes de games era fracasso, as licenças eram baratas e muitas companhias simplesmente não se importaram com o que poderia sair dali.
Para gerar um pouco mais de interesse na hora de vender os projetos para os distribuidores, ele passou a gastar um pouquinho mais na contração de atores conhecidos, mas até nisso foi esperto. A idéia foi contratar profissionais em períodos de férias ou entre trabalhos maiores, para pouquíssimos dias de filmagens. Mesmo sujeitos como Jason Statham, Burt Reynolds ou Ray Liotta pagam contas no fim do mês e o cachê era bom para pouco trabalho. Assim Boll conseguiu reunir nomes reconhecíveis rapidamente para dar um ar legítimo a seus empreendimentos disfarçados de filmes, que no fim das contas foram feitos de qualquer jeito. Só quem perdeu com o esquema foram os distribuidores, que amargaram bilheterias sofríveis, e os fãs, que viram alguns jogos queridos serem humilhados nas telas.
Ainda na Europa, em paralelo, foram criadas as adaptações de "Resident Evil" e "Silent Hill", bem mais respeitáveis. Paul Anderson, aquele mesmo de "Mortal Kombat", ficou a cargo do filme inspirado na franquia de terror da Capcom e, mesmo depois de alterar severamente a história dos games, conseguiu retorno nas bilheterias para a produtora alemã Constantin Films - que bancou o filme com as mesmas leis que beneficiaram Boll. O sucesso comercial rendeu duas continuações ainda mais distantes dos jogos, mas com muitas doses de ação, e um relacionamento amoroso entre o cineasta e a estrela Milla Jovovich.
Aparentemente "Far Cry" foi o último videogame a ser explorado por Uwe Boll. De acordo com o site IMBD, o seu único projeto envolvendo jogos para os próximos anos é uma segunda continuação de "Bloodrayne". |
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ACABOU? |
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Já a da série da Konami, que aqui se chamou "Terror em Silent Hill", foi bancada pelo executivo Samuel Hadida e dirigida por Christophe Gans, ex-crítico muito famoso na França. Os nomes eram de peso no velho continente e tudo parecia correr bem, já que Gans teve apoio da empresa japonesa e confeccionou a história ao lado do roteirista oscarizado Roger Avary, ex-parceiro de Quentin Tarantino.
As coisas só desandaram um pouco quando a Sony comprou os direitos de distribuição ao redor do mundo e o diretor foi obrigado a trabalhar com prazo apertado, justamente para se adequar à data de estréia imposta pelo estúdio. Muitas idéias acabaram descartadas, alguns trechos não ficaram prontos a tempo foram alterados e Gans teve que montar tudo em cima da hora. Mesmo assim, é palpável o respeito de Gans pelo material original - caso raro em projetos do tipo - e por isso o filme é considerado por muitos fãs e críticos como um dos mais fiéis e honrados baseados em games desde aquela equivocada aventura dos encanadores da Nintendo.