Há 50 anos, Pelé deixou bola e chuteiras e virou articulista da Agência Efe
Já ídolo mundial, o então craque do Santos e da seleção brasileira entrou na mira da Efe em agosto de 1969, pouco depois da classificação para a Copa do Mundo. Os então comandados por João Saldanha passaram com tranquilidade pelas Eliminatórias com seis vitórias, em seis jogos, 23 gols a favor - seis de Pelé - e apenas dois sofridos.
ALVO DA EFE.
A agência de notícias espanhola havia inaugurado em 1968 o escritório no Brasil, mais precisamente no Rio de Janeiro, sob a coordenação de Eleuterio Romero. No ano seguinte, o diretor-geral da empresa, Carlos Mendo, sugeriu que se buscasse a colaboração do astro do futebol, que circulava entre chefes de Estado, estrelas de cinema e era chamado de "Rei".
"Quando ele veio jogar no Rio, fui até o hotel e disse na recepção que queria falar com Pelé. Ele veio, e pedi uma entrevista. Respondeu que cobrava US$ 1 mil", contou o primeiro delegado da Agencia Efe no Brasil, hoje aposentado, com 94 anos e que mora em Madri, na Espanha.
Romero, então, foi além da proposta de entrevista e fez o convite para que o então atacante mudasse de posição e atuasse como articulista para a agência de notícias.
"Disse para ele que um jogador com tanto prestígio, certamente, não sabia apenas chutar uma bola, mas que também pensar. Propus que escrevesse cinco artigos para a Efe sobre a Copa do Mundo de 1970", lembrou.
Pelé prometeu falar com seus representantes e, dias depois, fez contato com a agência para aceitar a oferta, embora tenha feito duas condições: receber US$ 1 mil por texto produzido, mais o pagamento de impostos sobre o valor.
Romero considerou a pedida do jogador alta e rejeitou no primeiro momento, mas Carlos Mendo insistiu para que o delegado da Efe no Brasil continuasse negociando.
"Fui com minha mulher e meu filho de cinco anos para Santos e me instalei na sede do clube. Dormimos na entrada, para que Pelé não escapasse", narrou.
Na manhã seguinte, o astro apareceu e fez o possível para se desvencilhar da investida do responsável pela Efe no Brasil, dizendo que estava com pressa e nervoso, porque estava fazendo algumas aulas e tinha uma prova de matemática.
As frações estavam tirando o sono do Rei, segundo contou Romero.
"Você entende de matemática? Poderia me ajudar?", disparou Pelé para o delegado da agência de notícias, que não perdeu tempo para oferecer uma aula particular para o maior jogador de futebol de todos os tempos.
Os dois, então, se sentaram diante de uma mesa, na sede do Santos, e Romero começou a elaborar problemas matemáticos para o notório "aluno".
O astro, que na época tinha 29 anos, acompanhou atentamente as explicações e partiu para fazer a prova. Voltou três horas depois, com cara de satisfação. Aproximou-se do delegado da Efe, estendeu a mão e disse, com um sorriso: "Fui aprovado".
Romero comemorou com o Rei do Futebol, mas não perdeu tempo e lembrou da proposta da elaboração dos cinco textos. Dali, foram diretamente para um cartório, onde assinaram um contrato.
CRAQUE-ARTICULISTA.
De fato, Pelé cobrou US$ 1 mil por cada um dos artigos, em que analisava as seleções classificadas para a Copa de 1970, na qual o Brasil acabaria encantando o mundo.
Os textos do camisa 10 da seleção brasileira foram publicados durante o torneio e foram vendidos pela Efe também por US$ 1 mil a cada um dos 40 veículos de 40 diferentes países que os publicaram com exclusividade.
"A agência pagou US$ 5 mil no total, e lucrou US$ 35 mil. Um sucesso", disse Romero.
Quando assinaram o contrato, o então delegado da Efe no Brasil fez mais um pedido para Pelé: para que ele posasse para uma foto, sentado diante de uma máquina de escrever, uma Remington Rand.
"Sugeri para que escrevesse uma mensagem para a Agência Efe como forma de comemorar o acordo. Disse que, se quisesse, ele próprio poderia datilografar esse texto", lembrou.
Romero então pegou um papel e escreveu: "À grande agência de notícias espanhola Efe, agradeço de coração pela oportunidade que me oferece de me encontrar pela primeira vez com o trabalho do jornalismo escrito na língua de Cervantes, que é acompanhado por atletas de todas as parte do mundo".
Pelé leu o texto, olhou para o jornalista que o havia escrito e disparou: "De jeito nenhum. Eu que dou a oportunidade à Efe".
O Rei, então, sentou-se diante da máquina de escrever e disparou: "Aos amigos da Efe...", sem qualquer complemento.
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