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Futebol também é vítima da guerra na Ucrânia

22/02/2017 09h58

Ignacio Ortega.

Moscou, 22 fev (EFE).- O futebol tem sido uma das principais vítimas da guerra na Ucrânia, que dividiu o país, envenenou o ambiente na seleção e obrigou sua melhor equipe, o Shakhtar Donetsk, a jogar longe de sua cidade de origem.

A Ucrânia tem uma grande tradição no futebol, representada no Dínamo de Kiev, equipe que dominou o futebol soviético nos anos 60, 70 e 80, sendo nestas duas últimas décadas com Valeriy Lobanovskiy no banco.

Na verdade, as imediações do Estádio Valeriy Lobanovskiy, em Kiev, foram o epicentro dos distúrbios entre a oposição e a polícia de choque na Revolução de Maidan, que provocou a saída de Viktor Yanukovych do poder, em fevereiro de 2014.

Os coquetéis molotov e a fumaça dos pneus queimados quase destruíram a estátua em homenagem ao lendário treinador soviético, que foi salva graças a uma intervenção a tempo da Prefeitura de Kiev.

Isso foi apenas um aviso aos navegantes, já que com a explosão em abril da insurreição armada nas regiões de Donetsk e Lugansk, o moderno estádio do Shakhtar foi alvo de vários ataques, o que obrigou a suspensão das partidas do campeonato nacional.

Em seguida, o Shakhtar, clube que tinha tomado a hegemonia do Dínamo nos anos 2000 e que representa orgulhosamente as bacias pró-Rússia da Ucrânia, foi forçado a se exilar no oeste, em Lviv, berço do nacionalismo ucraniano. Cabe ressaltar que os jogadores do time e nascidos no país geralmente respondem em russo a perguntas feitas em ucraniano.

De acordo com seus torcedores, o conflito custou aos 'mineradores' (apelido dado a quem torce ou joga pelo time) dois títulos nacionais, já que eles precisaram disputar os jogos como mandantes fora de casa, inclusive nas partidas das competições europeias.

O Dínamo aproveitou para ser coroado campeão de forma consecutiva, embora na atual temporada o Shakhtar tenha voltado a ser forte e é um dos líderes da competição.

O clímax da tensão explodiu no clássico disputado em maio do ano passado, entre Dínamo e Shakhtar, depois que Taras Stepanenko comemorou a contundente vitória do Shakhtar por 3 a 0 beijando o escudo do clube.

O que os pessimistas previram - que os jogadores do Dínamo e os do Shakhtar acabariam se enfrentando dentro ou fora do campo - acabou acontecendo.

Os jogadores do Dínamo consideraram o gesto de Stepanenko como uma provocação, e Yarmolenko, seu companheiro de seleção, o agrediu sem bola, culminando em uma violenta briga entre diversos jogadores das duas equipes.

Yarmolenko foi suspenso por três partidas, mas se negou a pedir desculpas a Stepanenko, algo que seus outros companheiros de seleção, como o veterano goleiro do Dínamo, Oleksandr Shovkovskyi, o aconselharam a fazer como medida de segurança para proteger sua esposa e filhos.

Com ameaça de guerra civil dentro da seleção às vésperas da Eurocopa da França, a Federação Ucraniana encenou diante da imprensa uma paz forçada entre os dois jogadores, algo que ninguém achou sincero.

A anexação russa da Crimeia também se tornou um grave problema para o futebol ucraniano, já que dois clubes da península que disputavam a segunda divisão ucraniana - o TSK de Simferopol (antigo Tavria) e o Sevastopol - foram filiados sem autorização da Uefa à federação russa.

Ambos inclusive se enfrentaram por uma fase eliminatória da Copa da Rússia, mas a Uefa obrigou a desfiliação dos clubes pelos dirigentes russos, depois que a Ucrânia ameaçou boicotar a Copa do Mundo de 2018.

O escândalo em torno de Roman Zozulya também é uma consequência direta do conflito, já que o jogador sempre se mostrou muito participativo na hora de apoiar aos soldados e voluntários que enfrentam os combatentes pró-Rússia no leste do país.

O curioso é que Zozulya, nascido em Kiev e criado no Dínamo, teve que prosseguir sua carreira no Dnipro, equipe do leste pró-Rússia, onde jogou durante cinco temporadas e chegou à seleção nacional.

Diante das acusações feitas pelos torcedores do Rayo Vallecano, da Espanha, de que o jogador defendia ideias neonazistas, o presidente da Federação Russa de Futebol, Pavel Pavelko, classificou Zozulya como um "autêntico patriota que ajudou e ajuda os militares que rejeitam os ataques dos terroristas russos".

O técnico da seleção ucraniana, o ex-atacante Andriy Shevchenko, que na Revolução Laranja de 2004 apoiou Yanukovych, o que lhe valeu muitas críticas, defendeu Zozulya em carta aberta e provavelmente vai convocá-lo para a próxima partida, contra a Croácia.

Oleg Salenko, artilheiro da Copa de 1994 pela Rússia e que tem origem ucraniana, também saiu em defesa do jogador.

"Estou surpreso com o escândalo. Quando eu jogava na Espanha, futebol e política nunca se misturavam", disse ele à Agência Efe.

Os políticos também não conseguiram ficar alheios à polêmica, e o ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Pavlo Klimkin, não hesitou em classificar o escândalo como uma "provocação por parte da Rússia", país que com sua propaganda teria confundido os torcedores do Rayo Vallecano.