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Como dono do Chelsea ajudou a financiar colonos judeus em áreas ocupadas por Israel

Dono do Chelsea, Roman Abramovich - JEAN-CHRISTOPHE BOTT/AP
Dono do Chelsea, Roman Abramovich Imagem: JEAN-CHRISTOPHE BOTT/AP

Uri Blau - Em parceria com a BBC News Arabic

22/09/2020 16h19

A Elad, uma organização de colonos israelenses que opera na Jerusalém Oriental ocupada, chama Silwan de "Ir David", a "Cidade de David" em hebraico.

Desde sua fundação em 1986, a Elad estabeleceu famílias judias em cerca de 75 casas em Silwan. A organização também administra os sítios arqueológicos da Cidade de David, que são uma grande atração turística na área, visitada por mais de um milhão de pessoas por ano.

O ex-diretor de marketing da Elad, Shahar Shilo, disse à BBC que a estratégia da Elad é usar o turismo "para criar uma realidade política diferente na Cidade de David".

A Elad depende de doadores para financiar seu trabalho. Quase metade das doações que recebeu de 2005 a 2018 vieram de quatro empresas das Ilhas Virgens Britânicas.

A pessoa por trás dessas empresas permaneceu anônima até agora.

Arquivos FinCEN

Os nomes das quatro empresas das Ilhas Virgens Britânicas doadoras também aparecem em um conjunto de documentos bancários conhecido como Arquivos FinCEN.

Nesses documentos, os bancos relatam informações sobre transações financeiras e propriedade de empresas. Eles foram vazados para o BuzzFeed News, que os compartilhou com o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos e a BBC.

E lá aparece o nome Roman Abramovich como proprietário beneficiário final de três empresas que fizeram doações para a Elad e controlador de uma quarta empresa.

As contas da Elad mostram que essas empresas doaram mais de US$ 100 milhões na taxa de conversão atual. Isso significa que o dono do clube de futebol Chelsea foi o maior doador individual da Elad nos últimos 15 anos.

Sítio arqueológico

As escavações arqueológicas no território ocupado são regidas por leis muito debatidas, e Israel pode estar infringindo a lei internacional ao permitir que a Elad realize trabalhos exploratórios em Silwan.

Além disso, considera-se que Israel viole o direito internacional ao permitir a atividade de assentamento na área.

Mas Israel não considera a área como ocupada e contesta essas visões. A Elad diz que é necessário fazer o trabalho arqueológico para proteger o patrimônio cultural judaico.

A Elad disse à BBC que cumpre as leis e regulamentos de Israel estabelecidos para organizações sem fins lucrativos, inclusive em termos de requisitos de transparência.

E a respeito da questão sobre se Roman Abramovich é um doador para a Elad, eles responderam que sua política é respeitar a privacidade de seus doadores.

Um porta-voz de Abramovich disse à BBC que o "sr. Abramovich é um apoiador comprometido e generoso da sociedade civil israelense e judaica e, nos últimos 20 anos, doou mais de quinhentos milhões de dólares para apoiar a saúde, ciência, educação e comunidades judaicas em Israel e em todo o mundo".

Sem esses recursos, a Elad não teria sido capaz de seguir com tanta rapidez e sucesso seu objetivo de fortalecer a presença judaica neste bairro palestino.

Lei de propriedade

Algumas das casas onde vivem os colonos da Elad foram compradas de seus antigos proprietários palestinos. Mas, em outras, famílias palestinas foram expulsas, com base em uma polêmica lei israelense chamada de "A Lei de Propriedade Ausente".

A lei permite que Israel se aproprie das propriedades dos palestinos que, segundo Israel, deixaram ou fugiram de suas casas durante o conflito.

No centro de um desses casos está a casa da família Sumarin, localizada ao lado do centro de visitantes da Elad. Atualmente moram lá 19 membros da família, sendo que o mais novo tem menos de dois meses.

"Quando me casei, me mudei para cá. Meu marido estava morando aqui com seu tio Haj Moussa Sumarin", diz Amal Sumarin, mãe da família.

Depois que a esposa dele morreu, Amal Sumarin lembra: "Comecei a cuidar dele, cozinhar e alimentá-lo. Meu marido costumava ajudá-lo no chuveiro e levá-lo ao médico. Ele costumava me dizer: 'esta casa é sua, menina. É para você e seu marido'."

Moussa Sumarin faleceu em 1983, e sua casa foi reivindicada pelo Estado de Israel sob a lei de ausência em 1987. Ela foi então vendida para a Hemnutah, uma subsidiária do Fundo Nacional Judaico (JNF, na sigla em inglês).

Um dos objetivos declarados do fundo é comprar e desenvolver terras em nome do povo judeu.

Em 1991, Hemnutah pediu ao tribunal que despejasse os Sumarins de sua casa. Com o apoio e financiamento de ONGs e da Autoridade Palestina, a batalha legal da família Sumarin vem desde aquela época.

Mohammed Dahle, advogado da família Sumarin há 10 anos, disse à BBC que "a probabilidade de sobrevivência de uma propriedade palestina, depois que foi declarada que é uma propriedade judaica ou israelense... é provavelmente zero."

E, de fato, em agosto a família perdeu seu recurso para o tribunal distrital de Jerusalém. Eles agora estão apelando para a Suprema Corte de Israel, que vai analisar o caso em abril de 2021.

Batalha legal

A BBC News Arabic apurou que a Elad tem estimulado o despejo ao concordar em pagar todos os custos legais associados ao caso, em uma carta enviada a Hemnutah em 1991, junto com os casos de despejo de várias outras famílias na área de Silwan.

A Hemnutah não respondeu a perguntas sobre o caso e a Elad não confirmou se continuou a financiar o caso.

A Elad disse que todas as suas propriedades foram adquiridas de forma justa e legal. "Nenhum palestino jamais foi removido de sua casa na Cidade de David sem o devido processo, sem tribunal, sem um caso, sem que eles pudessem apresentar seu caso de qualquer um dos lados", disse Doron Spielman.

Mohammed Dahle, por outro lado, disse: "É uma situação em que um grupo étnico faz leis para seus próprios interesses e outro grupo étnico sofre com essas leis."

A influência da Elad cresceu junto com seu financiamento. O embaixador dos EUA em Israel, David Friedman, é um forte defensor dos assentamentos israelenses e participou de uma cerimônia de abertura na Cidade de David.

Friedman foi um dos patronos do reconhecimento americano de Jerusalém em 2019 como a capital de Israel.

E em 2020, quando o presidente Trump anunciou seu plano de paz, ele nomeou muitos dos locais de Elad como locais históricos ou espirituais que precisam de proteção. Todos em território ocupado.