Greves, ação na justiça e protestos: como jogadoras estão conseguindo mudar a desigualdade de gênero no futebol
O futebol é o esporte mais popular do mundo, mas, quando praticado por mulheres, ainda é alvo de grande resistência em praticamente todos os países. Em vários deles, incluindo o Brasil, a modalidade chegou a ser proibida por lei.
Como consequência disso, os investimentos e a visibilidade do futebol feminino continuam raros ao redor do mundo.
Por meio de reivindicações, greves e até ações na Justiça, porém, as mulheres estão conseguindo conquistar avanços consideráveis no combate à desigualdade de gênero nesse esporte.
Listamos aqui algumas dessas ações.
Estados Unidos
Se o Brasil é conhecido como o "país do futebol", os Estados Unidos certamente podem ser chamados o "país do futebol feminino". Com três títulos mundiais e quatro ouros olímpicos, as americanas dominam o cenário da modalidade.
A maior audiência da história da TV americana no futebol veio delas - a final da Copa do Mundo de 2015, contra o Japão.
Mas mesmo com resultados muito melhores do que a seleção masculina e gerando mais lucro para a confederação americana de futebol (US Soccer) do que os homens, a seleção feminina ainda recebia bem menos do que eles.
Por causa disso, algumas das principais jogadoras entraram na Justiça para pedir igualdade de pagamentos - segundo elas, a seleção feminina ganhava quatro vezes menos do que a masculina, mesmo gerando US$ 20 milhões a mais para a confederação.
Isso aconteceu em março do ano passado, quando a goleira Hope Solo, as atacantes Carli Lloyd (eleita a melhor do mundo em 2016) e Alex Morgan e a veterana Megan Rapinoe assinaram um abaixo-assinado e processaram a US Soccer por discriminação.
"Estou nesse time há uma década e meia e estive em diversas negociações sobre salários. Sinceramente, quase nada mudou desde então", afirmou Hope Solo. "Nós continuamos ouvindo que deveríamos ser gratas só por ter a oportunidade de jogar futebol profissional e sermos pagas por isso."
Em abril deste ano, um novo acordo finalmente foi anunciado pela confederação, com consideráveis aumentos para as jogadoras americanas. Os ganhos subiram em 30% e poderão chegar a dobrar dependendo dos bônus que elas conseguirem por vitórias em partidas e torneios.
Ainda assim, o aumento não significou igualdade de pagamentos com a seleção masculina porque, segundo a confederação, as diferenças de mercado dos clubes e de pagamento de bônus pela Fifa ainda são grandes. Mas representaram um progresso.
"Estou muito orgulhosa da luta que tivemos em todo esse processo", disse a meio-campista Rapinoe.
Dinamarca
No país, as jogadoras entraram em greve para conseguir melhores condições. Na última semana, quando a seleção feminina teria de disputar um jogo das eliminatórias para a Copa do Mundo de 2019, elas boicotaram treinamentos por dois dias em protesto pedindo remunerações mais justas por parte da confederação local.
Esta, por sua vez, optou por cancelar a partida contra a Suécia e afirmou que esse havia sido um "dia ruim histórico para a seleção feminina e para o futebol dinamarquês como um todo".
"É lamentável e também grotesco que nós estejamos numa situação em que as jogadoras não compareçam em jogos internacionais importantes, mesmo que tenhamos oferecido melhores condições e que as tenhamos convidado para negociações depois das partidas", disse o vice-presidente da confederação dinamarquesa de futebol, Kim Hallberg.
Segundo a entidade, o aumento prometido no investimento para o futebol feminino do país teria chegado a 2 milhões de coroas dinamarquesas (mais de R$ 1 milhão), passando para 4,6 milhões de coroas (R$ 10,9 milhões) por ano, para serem utilizados em salários, bônus e outros.
A negociação tem se estendido desde novembro de 2016 e se intensificou depois do bom resultado que a seleção feminina conseguiu na Eurocopa - elas ficaram com um inédito vice-campeonato no torneio.
Depois disso, a confederação anunciou ter chegado a um acordo parcial com as jogadoras para que elas ao menos disputassem o segundo jogo previsto das eliminatórias, que aconteceu na última terça-feira, contra a Croácia. As dinamarquesas venceram por 4 x 0.
As atletas ainda não se pronunciaram oficialmente sobre qualquer acordo.
Noruega
Vizinho da Dinamarca, o país foi além e conseguiu algo inédito no futebol mundial: a igualdade de pagamentos para as seleções feminina e masculina. Isso porque os próprios jogadores do país optaram por abrir mão de parte de seus vencimentos para que as mulheres pudessem receber o mesmo que eles.
O anúncio foi feito ainda no início deste mês pela confederação norueguesa de futebol.
A remuneração das mulheres, que era de 3,1 milhões de coroas norueguesas no ano (R$ 1,2 milhões), praticamente dobrou, passando para 6 milhões de coroas (R$ 2,4 milhões). A dos homens caiu de 6,5 milhões para 6 milhões - a redução corresponde ao valor de acordos de publicidade doado pelos jogadores para complementar os salários delas.
"A igualdade de gênero é muito importante na Noruega, então acho que isso é muito bom para o país e para o esporte", disse o presidente da federação norueguesa, Joachim Walltin. O acordo começa a valer a partir de 2018 - a seleção feminina do país é a 14ª do ranking da Fifa, enquanto a masculina é a 58ª.
Austrália
Lá, a conquista foi para todas as jogadoras que atuam no país.
A federação australiana de futebol anunciou um novo acordo com o sindicato das atletas em que estabelece o pagamento mínimo mensal para elas: 10 mil dólares australianos (cerca de R$ 25 mil). Com isso, a média salarial da liga de mulheres passará de 6,9 mil para 15,5 mil dólares australianos (de R$ 17,2 mil para R$ 37,5 mil) a partir do próximo ano.
Antes desse acordo, muitas jogadoras que atuavam em clubes do país eram tratadas como amadoras, e muitas vezes nem sequer recebiam salário - tinham apenas uma ajuda de custo.
O chefe executivo da Federação Australiana de Futebol, David Gallop, disse que esse é "o início de uma nova era no futebol feminino do país".
"As jogadoras da liga merecem esse aumento salarial. Elas são pioneiras no esporte feminino da Austrália e estão prestes a estrear a décima temporada do torneio", pontuou o dirigente.
"Nós estamos determinados a atingir a igualdade de gênero no nosso esporte e oferecer o melhor para as nossas atletas australianas."
Além do aumento no pagamento, as jogadoras terão também mais visibilidade. Acordo fechado pela federação com a Fox Sports prevê a exibição de mais jogos na TV nesta temporada - foram 17 no último ano e serão 27 a partir de agora.
As conquistas são consequência de reivindicações das jogadoras e dos últimos resultados em campo - a Austrália é atualmente a sexta colocada no ranking da Fifa. Em julho, venceu um torneio amistoso, derrubando as poderosas seleções de Estados Unidos, Japão e Brasil.
Brasil
No chamado "país do futebol", elas têm lutado por seu espaço desde a época em que eram proibidas por lei de praticar o esporte - foram quase quatro décadas, mais precisamente entre os anos de 1941 e 1979.
Apesar de algumas conquistas em campo - duas pratas olímpicas em 2004 e 2008 e um vice-campeonato mundial em 2007 - e outras individuais - Marta foi eleita por cinco vezes a melhor jogadora do mundo pela Fifa -, a seleção feminina tem vivido a maior crise de sua história.
No mês passado, após a CBF ter demitido Emily Lima do comando da seleção e anunciado o retorno do técnico Vadão (o mesmo que havia sido tirado do cargo para a entrada de Emily em 2016), cinco jogadoras anunciaram que não vestiriam mais a camisa do Brasil: a atacante Cristiane, as meio-campistas Fran, Rosana e Maurine e a zagueira Andreia Rosa.
Diante disso, as ex-jogadoras da seleção fizeram uma carta em protesto contra a CBF exigindo que mulheres ocupassem cargos de decisão na gestão do futebol feminino na entidade.
O documento repercutiu internacionalmente, e as ex-atletas conseguiram uma reunião com o presidente da confederação, na qual conseguiram aprovar a formação de um comitê com ex-jogadoras e outras pessoas envolvidas com o futebol feminino para que elas possam trabalhar com a CBF pelo desenvolvimento da modalidade.
O que é o #100Mulheres?
A série #100Mulheres, da BBC (100 Women), indica 100 mulheres influentes e inspiradoras por todo o mundo anualmente. Nós criamos documentários, reportagens especiais e entrevistas sobre suas vidas, abrindo mais espaço para histórias com mulheres como personagens centrais.
Neste ano, a BBC está desafiando mulheres ao redor do mundo a proporem soluções para quatro problemas globais relacionados ao sexismo.
No Brasil, o tema trabalhado será "sexismo no esporte", focado principalmente no futebol. Desde a segunda-feira, o #TeamPlay sediado no Rio terá uma semana para inventar, desenvolver e entregar um protótipo - uma solução em tecnologia, um design inovador ou uma campanha - para apoiar as mulheres nos esportes e combater as atitudes sexistas que podem impedir o seu avanço.
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