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'Meca' do atletismo queniano reza para ser poupada pela Wada

13/01/2016 17h55

Iten, Quênia, 13 Jan 2016 (AFP) - Em Iten, terra que viu nascer os maiores campeões do atletismo queniano, os fundistas preparam a temporada, mas o clima está tenso por conta da divulgação na quinta-feira de um relatório da Agência Mundial Antidoping que pode manchar para sempre o orgulho de todo um país.

O dia acabou de nascer nos morros de Iten, a 350 quilômetros ao nordeste da capital Nairobi, e centenas de atletas já correm nas pistas de laterita.

No "berço dos campeões', como indica a placa na entrada da cidade, crianças no caminho da escola continuam assistindo com a mesma admiração ao treino dos ídolos.

As suspeitas de doping e corrupção, que afastaram de suas funções vários altos dirigentes do atletismo queniano a serem suspensos, não afetou em nada o prestígio dos corredores.

Mesmo assim, os atletas do país que sonham em brilhar em agosto, nos Jogos do Rio-2016, não escondem a preocupação com a divulgação da segunda parte do relatório bombástico da comissão de investigação da Wada.

A primeira parte, publicada em janeiro, revelou um esquema de doping organizado na Rússia, levando o país a ser suspenso de todas as competições, colocando em risco sua participação nas provas de atletismo na Cidade Maravilhosa.

O Quênia, cuja supremacia nas provas de fundo é um orgulho nacional, corre risco de levar uma punição semelhante.

'Melhor não generalizar'O país africano surpreendeu a todos ao terminar pela primeira vez da história em primeiro lugar do quadro de medalhas do Mundial de Atletismo, em agosto, em Pequim, mas, por outro lado, trinta competidores do país foram suspensos por doping.

Abel Kirui, bicampeão mundial de maratona em 2009 e 2011, que treina duro duas vezes por dia para voltar ao melhor nível depois de sofrer uma lesão no tendão de Aquiles, espera que todo esse esforço não seja à toa.

"Rezo para que o Quênia não seja banido por causa de algumas pessoas que pisaram na bola", diz o fundista à AFP. "Eles deveriam atacar a Federação, não todos os atletas. Se alguém estiver escondendo algumas coisa, esta pessoa deveria ser punida, não todo mundo. É melhor não generalizar", argumenta.

Na pista de grama da escola Saint Patrick, David Rudisha, medalhista de ouro nos Jogos Olímpicos de Londres-2012 e bicampeão mundial (2011 e 2015) dos 800 m, tem um discurso semelhante.

"Não sei se os atletas russos poderão ir às Olimpíadas, o que é lamentável. Alguns foram flagrados em exames antidoping, mas é cruel para os outros, aqueles que realmente treinam duro", critica o atleta que provou ao mundo que os quenianos são capazes de brilhar em distâncias menores.

"Até os atletas que não estão envolvidos vão sofrer com isso. Quando algo assim acontece no Quênia, é muito decepcionante. O nosso país é conhecido por ter grandes atletas", completa.

'Decisões individuais'Frei Colm O'Connell, missionário irlandês que formou mais de vinte campeões olímpicos no Quênia, não acredita que o país vá conhecer o mesmo destino da Rússia.

"Eu não acho que o doping seja algo sistemático no Quênia, pelo menos, eu espero. Não vejo elementos que levem a pensar que a federação ou o governo estejam envolvidos de forma sistemática na promoção do doping", opina.

"O problema no Quênia vem de indivíduos, que, sozinhos ou com a ajuda de um treinador, de um empresário ou de um médico, decidiram se dopar", alega.

"Quero continuar achando que tratam-se apenas de decisões individuais. Saberemos apenas amanhã (quinta-feira) se houve um envolvimento mais amplo. Eu ficaria muito decepcionado se for o caso", conclui o irlandês.

Já Moses Kiptanui, ex-tricampeão mundial de 3.000 m com barreiras, já alertou há muito tempo sobre os problemas de doping no atletismo queniano, o que lhe valeu o afastamento da federação nacional, da qual aspirava ser presidente.

Como os colegas, ele espera que a Wada puna os cartolas, e não os atletas. "Os atletas seguem as orientações. Não acho que o Quênia será banido totalmente, porque aqui, as coisas são diferentes da Rússia", analisa.