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Entre glórias e dívidas, John Textor vive saga no comando do Botafogo

John Textor desembarcou no Brasil em 2022 e, até o ano passado, viveu um conto de fadas.

Por R$ 400 milhões, o gringo comprou o Botafogo, levantou as taças do Brasileiro e da Libertadores e virou xodó da torcida carioca.

Os feitos lavaram a alma da experiência mais traumática de sua carreira: a falência da Digital Domain em 2012, uma das maiores empresas de efeitos especiais de Hollywood, da qual foi presidente.

"Vivi momentos muito humilhantes, mas eu sabia que tinha construído um negócio sólido. E que eu era uma boa pessoa. Isso me deu uma armadura", declarou ao UOL o cartola, de 59 anos, também dono do Lyon, na França, e do RWD Molenbeek, na Bélgica.

Textor tem precisado dessa armadura mais do que nunca.

Se em 2024 viveu a glória pelo alvinegro do Rio, agora encara a entressafra - e com ela, os problemas. O Botafogo caiu de produção e foi eliminado na Copa do Brasil e na Libertadores.

No Brasileiro, a briga é para estar no G4, não pelo título.

Mas a maior tempestade acontece fora dos gramados: uma disputa judicial com acionistas da Eagle (empresa da qual é sócio majoritário e que controla seus times de futebol).

Eles acusaram Textor de querer aportar novos parceiros à sociedade do Botafogo para tentar diluir o controle da Eagle sobre o clube. E também de ter feito uma série de negócios vinculando receitas futuras da SAF carioca à sua empresa nas Ilhas Cayman.

Desde maio, ele já não toma todas as decisões na Eagle, que está sob intervenção de um diretor independente, nomeado pelos demais acionistas. Christopher Mallon ocupava esse cargo, mas renunciou nesta semana.

A reportagem ouviu de fontes ligadas às operações que a renúncia não tem relação com as disputas em andamento, e aconteceu por motivos pessoais. O substituto será escolhido por Textor, a partir de uma lista tríplice apresentada pelos outros acionistas.

Textor afirma que criou uma empresa nas Ilhas Cayman "como parte do projeto para abertura de capital na Bolsa de Valores de Nova York".

"Eu estava movimentando mecanismos para tentar levantar dinheiro para o Botafogo, usando essa empresa nas Ilhas Cayman. Eles não entenderam o que eu estava fazendo", diz.

A abertura de capital da Eagle, que esperava captar mais de R$ 5 bilhões, não ocorreu.

Há um mês, Textor assinou documentos desfazendo todas as operações envolvendo o time e as Ilhas Cayman e garante ter feito um acordo para encerrar as disputas judiciais.

Mas a permanência do Botafogo na Eagle ainda é dúvida.

O balanço da SAF divulgado em agosto, com três meses de atraso, mostra um prejuízo de R$ 300 milhões.

O documento aponta ainda que o clube tem R$ 558,6 milhões a receber da Eagle, a maior parte referente a empréstimos que teriam sido feitos ao Lyon, que chegou a ser rebaixado pela Liga Francesa em junho.

"Meu objetivo é que a Eagle permaneça esse ecossistema de clubes. Queremos ganhar campeonatos sendo capazes de prometer aos jogadores um caminho para a Europa, como fizemos com Almada, Luiz Henrique, Adryelson e Lucas Perri", diz.

Do cinema ao futebol

John Textor, dono da SAF do Botafogo, em jogo contra o São Paulo pela Libertadores
John Textor, dono da SAF do Botafogo, em jogo contra o São Paulo pela Libertadores Imagem: Jorge Rodrigues/AGIF

Para lidar com a pressão por resultados e a briga judicial com acionistas sob os holofotes da mídia, Textor sempre revisita o que viveu em 2012.

A Digital Domain chegou a trabalhar com diretores como James Cameron para megaproduções como "Titanic", mas sucumbiu depois de tomar empréstimos para uma expansão que previa criar uma indústria cinematográfica na Flórida.

O processo foi chamado nos EUA de "espiral da morte de dívidas".

A falência da Digital Domain foi bombástica. A empresa tinha entre seus parceiros o diretor de cinema Michael Bay e Dan Marino, lenda da NFL.

O caso foi parar nos tribunais: no final, Textor saiu com direitos sobre a tecnologia da empresa e um pagamento de US$ 8,5 milhões.

O fiasco cinematográfico levou o americano mergulhar no futebol.

Eu tinha, desde 2005, como um projeto secundário, uma academia de futebol para jovens na Flórida. Todos os meus grandes amigos desapareceram, minha riqueza passou a ser questionável. Quando vi, eu estava me dedicando a isso, dirigindo o ônibus, levando esses moleques a torneios John Textor

O projeto, segundo Textor, oferecia a jovens imigrantes sul-americanos a chance de entrarem em universidades por meio do futebol.

Ali, segundo ele, se solidificou uma relação tanto com o esporte quanto com o Brasil. Por isso, quando recebeu uma mensagem no Linkedin de dois brasileiros desconhecidos no final de 2021, ele respondeu.

Um dos brasileiros era Thairo Arruda, hoje CEO da SAF Botafogo. Na época, ele era da Matix Capital, e ofereceu a ideia de investir no alvinegro.

Em março de 2022, o americano se tornou dono de 90% das ações da SAF Botafogo.

Naquele momento, era só uma oportunidade de negócios. "Eu entendia a escala, pesquisei a história, mas eu não sabia espiritualmente o que era", afirma.

Textor entendeu onde havia se metido em maio de 2022, após uma vitória contra o Fortaleza, quando chorou ao ser ovacionado em campo.

"Ali, bateu: isso é mais especial do que eu pensava. É muito diferente do que eu tenho na França, na Bélgica, na Inglaterra. E foi um momento embaraçoso para mim", recorda-se.

Chorar em cadeia nacional. Algo ali mexeu profundamente comigo. Ali percebi porque eu, o gringo, vim ao Brasil: pra mostrar isso para o mundo John Textor

Scouting e reconciliação

Pessoas que trabalham no Botafogo brincam que, quando há necessidade de falar com Textor, o lugar mais provável de encontrá-lo é a sala de "scouting" (análise de dados técnicos e táticos para encontrar talentos em potencial).

O americano foi responsável pelas chegadas, em 2022, do olheiro-chefe Alessandro Brito e do diretor André Mazzuco, que já deixou o clube.

Textor também criou o que chama de "pathway" (caminho, em inglês): uma estrutura aberta dentro da Eagle, com um circuito de desenvolvimento e circulação de atletas entre os clubes da rede, alimentado por estatísticas e ferramentas de análise.

"Ter a rede de clubes é muito importante. Um par de olhos pode se enganar sobre um jogador. Os outros olham sob uma perspectiva diferente, campeonatos diferentes. Se nosso cara no Brasil gosta do atleta, o da Bélgica também, o da França também, o da Inglaterra também, não tem como os quatro estarem errados."

O chefe tem seu próprio papel na rede: observar a velocidade da tomada de decisão e a taxa de acerto dos jogadores na distribuição do jogo. E, por vezes, agir diretamente para convencer os potenciais reforços e suas famílias.

"É importante que o dono ligue para a família. Importa que eu viajei para a Espanha, me sentei na cozinha do Luiz Henrique. Importa que eu fui conhecer a noiva do Thiago Almada. Essas coisas são importantes no futebol, as pessoas esquecem."

De frente com Leila e o futebol brasileiro

John Textor e Leila Pereira antes de Palmeiras x Botafogo, pelo Mundial de Clubes
John Textor e Leila Pereira antes de Palmeiras x Botafogo, pelo Mundial de Clubes Imagem: Reprodução

Esse envolvimento em todos os fronts ajuda a explicar algumas reações de Textor.

A derrocada no Brasileiro de 2023, quando o Botafogo perdeu uma vantagem de 13 pontos e viu o Palmeiras ser campeão, lançou o americano em uma cruzada.

Com base nos relatórios da empresa de análise de imagens Good Game, o empresário passou a fazer acusações de manipulação de resultados no Brasileirão.

Ele acabou processado pelo então presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues, ficou na mira de uma suspensão de cinco anos pela Justiça Desportiva e ganhou em Leila Pereira, presidente do Palmeiras, uma poderosa arqui-inimiga.

Quando você erra, tem que ser humilde sobre isso. Eu fui quente demais em relação ao Palmeiras John Textor

Ele disse que Thairo Arruda foi fundamental para a reconciliação com Leila, que ocorreu no camarote do duelo entre Botafogo e Palmeiras pela Copa do Mundo de Clubes.

"Nos olhamos, acenamos, sorrimos, eu perguntei 'como vai, Leila?'. As pessoas, no final de tudo, são seres humanos. Nos abraçamos, e eu acho que foi genuíno, sabe?", disse.

Hoje, Textor diz que ele e Leila estão alinhados. Na Justiça Desportiva, ele contou com o advogado Michel Assef Filho para selar em fevereiro um acordo no STJD por R$ 1 milhão. Pagou e teve seu processo encerrado.

O futuro do Botafogo

John Textor, dono da SAF do Botafogo, antes de jogo contra o Corinthians
John Textor, dono da SAF do Botafogo, antes de jogo contra o Corinthians Imagem: Thiago Ribeiro/AGIF

Em meio ao momento de pressão e incertezas no Botafogo, Textor conversou com o UOL por mais de uma hora, e se defendeu dos questionamentos sobre seu planejamento de 2025.

"Não é falta de planejamento perder o seu treinador quando ele explode sua vida pessoal no meio da temporada e decide sair", diz Textor, referindo-se ao adeus de Artur Jorge, técnico campeão da Libertadores, em janeiro.

O americano relata enormes dificuldades na busca pelo substituto.

Antes de chegar a Renato Paiva, já demitido, ele diz ter tentado André Jardine, Tite, Tata Martino e Rafa Benítez, entre outros.

Hoje o cargo está com o italiano Davide Ancelotti, filho de Carlo Ancelotti, técnico da seleção brasileira.

"Eu nunca disse isso publicamente, e não podia falar sobre isso na época porque seria danoso à marca do clube, mas ninguém queria o cargo! As pessoas conhecem o Brasil, né? Um trabalho depois de ter conquistado o país, a Libertadores. É de alto risco", conta.

Dentro do Botafogo, há a ideia de que o fim da crise no clube passe pela capacidade de o americano controlar narrativas e encontrar soluções inusitadas -mesmo que essas resultem em novos problemas.

"Ele sempre tem uma saída criativa, fora do convencional, para tudo", diz ao UOL uma fonte que convive com o empresário, conhecido pela agressividade nos negócios e afeição ao risco.

Mas, com ou sem Eagle, Textor estará presente no futuro do Botafogo?

Eu já disse que queria morrer no Botafogo, mas olha, acho que alguns torcedores podem me matar caso eu não vença a Libertadores todo ano (risos). Eu quero continuar fisicamente vivo! John Textor

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