Primeira skatista trans profissional é campeã no feminino: 'Abrir portas'
Ler resumo da notícia

Os obstáculos de uma pista de skate estão longe de serem novidades, mas quando Luiza Marchiori deslizou as rodinhas pela Trinda Times Skatepark a sensação foi diferente de qualquer outra já vivenciada. A primeira etapa do circuito brasileiro de 2025 também se tornou a estreia dela em uma competição feminina profissional, e com título. A conquista, porém, gerou diversos comentários na publicação oficial do evento que exemplificaram a luta.
As manobras foram possíveis após Luiza, primeira mulher trans do skate no Brasil, conseguir uma vitória judicial que lhe concedeu o direito de competir na categoria feminina nos torneios da Confederação Brasileira de Skate (CBSk).
Foi um processo difícil. Desde o início, sofri um boicote muito grande. À época, a CBSk estava em processo eleitoral e a gestão impôs regras sem precedentes até então. Em meio a essa polêmica, quiseram tirar meus títulos conquistados antes da transição, apontando que eu teria de competir na categoria amadora. É uma regra que o Comitê Olímpico Internacional e a World Skate [federação internacional de skate e patins] não dizem que existe.
O torneio marcou a volta dela às pistas após uma pausa de cerca de um ano, e o retorno a um torneio exclusivamente profissional. Os dois últimos dos quais participou, já depois da transição, foi na categoria "open", em que amadores também podem se inscrever.
Luiza, antes Lu Neto, competiu no masculino até 2023 — o último campeonato foi o STU São Paulo daquele ano, quando foi eliminada na primeira fase. Ao longo da carreira já tinha sido, por exemplo, duas vezes campeã brasileira. E faz questão de não apagar isso.
Cada modalidade olímpica adota critérios próprios para a inclusão de atletas trans, mas seguindo diretriz do COI de "não presunção de vantagem". A World Skate segue uma indicação feita pelo COI em 2015, em que é exigido tratamento de um ano e controle de testosterona até um máximo de 5 nmol/L.
"É uma testosterona muito abaixo de uma mulher cis, para não ter alguma diferença em questão de força e desempenho. A mulher trans tem de estar um ano nessa terapia hormonal, precisa ter retificado seus documentos e sempre mostrar os exames antes dos eventos. Eu, por exemplo, perdi 80% do que tinha antes da transição hormonal. O corpo muda, o músculo se transforma em gordura, a força vai caindo... Essas regras, os estudos dos profissionais do COI não permitem que haja algum tipo de vantagem das mulheres trans", alega.
Após a vitória na Justiça, Luiza enviou todos os exames e recebeu a aprovação da CBSk na última terça-feira. Foi então que caiu a ficha de que iria, de fato, competir. E ela acredita que sua participação pode abrir portas.

O preparo mental, hoje, se tornou muito mais importante que o preparo físico, para mim. Estou ali para abrir uma porta, não para, necessariamente, competir contra as outras meninas. O meu objetivo é mostrar para as pessoas o quanto elas têm de aprender sobre respeito, inclusão e união.
"O mundo do skate se diz muito família, mas, na hora do 'vamos ver', não é bem assim. Os comentários mostram o quão preconceituosas as pessoas são", completou.
Apesar da batalha para poder competir, Luiza admite que o foco no momento atual de vida não é mais o topo do pódio.
O meu propósito não é mais ali ser top 1, viajar para campeonatos. O meu propósito, agora, é abrir portas para outras pessoas, quebrar barreiras, preconceitos. Estou focada nisso. E quero focar no meu projeto também, que é uma marca chamada 'Enxergue-se'. A ideia é fazer as pessoas enxergarem o seu próprio valor, sua própria essência. Estou voltando a fazer shapes de skate, roupas. Quero fazer com que as pessoas que não se sintam aceitas pela sociedade se sintam bem-vindas.
"Não achei que carregaria o troféu"
Luiza Marchiori foi a campeã do Trinda Times Pro 2025 com 115.69 na somatória final O pódio da categoria teve ainda Duda Ribeiro, com 115.30 pontos e Rafaela Murbach com 92.22.
"Primeiramente, quero agradecer à Confederação Brasileira pela inclusão social. Sou a primeira mina trans a competir num Circuito Profissional. Então, a galera da Confederação me respeitou muito, me recebeu, me acolheu. O nível estava muito difícil. Não achei que ia estar carregando esse troféu de primeiro. A Duda andou demais. Estou feliz demais principalmente pela inclusão", disse.
Lei em Cuiabá proíbe trans em torneios
A prefeitura de Cuiabá sancionou, na última semana, uma lei que proíbe a participação de atletas transgênero em competições esportivas na cidade. Ela aponta que o sexo biológico passa a ser o único critério válido e prevê multa de R$ 5 mil para federação, entidade ou clube que descumprir a norma.
A lei não se limita a torneios municipais e fala que a proibição vale para competições que forem realizadas na capital mato-grossense. "Aos transgêneros fica garantida a participação apenas em equipes que correspondam ao seu sexo biológico", escreve o parágrafo único do artigo 3º. A Lei Geral do Esporte não aborda o tema de identidade de gênero.
O texto, sancionado pelo prefeito Abilio Brunini (PL), havia sido aprovado pela Câmara de Vereadores em agosto, por 17 votos favoráveis e 10 ausências. O projeto é do vereador Rafael Ranalli (PL).






















Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.