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Corinthians: Léo Figueiró combate racismo e é o único técnico negro no NBB

Léo Figueiró conta como transformou o basquete do Corinthians em um time com a sua cara - Divulgação/Corinthians
Léo Figueiró conta como transformou o basquete do Corinthians em um time com a sua cara Imagem: Divulgação/Corinthians

Do UOL, em São Paulo

30/07/2022 04h00

Léo Figueiró vai além do basquete. Sendo o único técnico negro do NBB, ele sabe da importância de abrir as portas do Corinthians para criar ambientes de transformação social. Em papo exclusivo com o UOL Esporte, ele fala não só do preconceito que sofreu e de como tenta combater o racismo com boas práticas, mas também sobre a vida de pai coruja com filhos atletas e do título que está "devendo" ao Alvinegro.

Leonardo Figueiró Alves começou a jogar basquete ainda na infância, no Botafogo, o clube mais próximo da casa em que nasceu, no Rio de Janeiro. Com os anos, construiu carreira durante uma era de ouro da modalidade e hoje, aos 47 anos, tenta transformar o esporte por dentro — esportivamente e socialmente. O Corinthians, com sua história de inclusão, talvez seja o ambiente perfeito para isso.

"Me sinto privilegiado por chegar onde cheguei sendo uma pessoa negra. Ao mesmo tempo, olho para os lados e vejo que só tem eu. Eu sou o único técnico negro do NBB. Isso tem que criar um questionamento. Se existe preconceito ou não, temos que estar atentos a isso e proporcionar oportunidades", defende.

"Existe sempre um preconceito velado, quase nunca escrachado. Temos que ter a consciência de que a corrida é a mesma para todos, mas a largada nunca é igual. A corrida é daqui para a faculdade ou para o trabalho, mas alguns largam muito na frente, e não podemos virar as costas para isso. Se realmente quisermos uma sociedade melhor, temos que criar uma largada menos desigual", afirma o técnico alvinegro, com a clareza de quem já refletiu muito sobre as injustiças de um Brasil que precisa mudar.

Da posição em que está, Figueiró tomou para si a missão de criar oportunidades para quem não as teria de outra forma. Recentemente, por exemplo, abriu as portas do Corinthians para outro técnico negro que conheceu em um jogo do sub-20 na periferia. Depois, visitou uma ONG para conversar com crianças em situação de vulnerabilidade e saiu de lá com a certeza de que é preciso fazer alguma coisa.

"Precisamos nos posicionar e aprender a amadurecer para se posicionar. O que faz sentido para a minha vida é isso. O foco que tenho hoje em dia é proporcionar ambientes. A gente sabe que não tem chance, que não tem oportunidade, que tem preconceito? a gente já sabe disso. Agora eu tenho que criar ambientes em que isso não aconteça", explica.

Não é nenhuma ambição de ser super-herói, é a consciência de contribuir com o que pode. "É uma obrigação nossa. É muito pouco o que precisamos fazer para ajudar muito na vida de outra pessoa. O segredo da vida para mim está na simplicidade, e as pequenas coisas são relevantes. Se cada um fizer um pouquinho, é um movimento que vai melhorar a vida de alguém", defende.

O técnico está em pré-temporada, e a expectativa é grande para este seu segundo ano no clube. Em que pese a dificuldade para alcançar os adversários mais consolidados do país, Figueiró valoriza a reformulação que rendeu um elenco que tem o seu DNA e quer que o time seja batalhador, intenso, veloz na transição — que jogue como Corinthians. O NBB começa só em outubro, mas o time deve ser testado já no Campeonato Paulista que começa na terça-feira (2).

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Início no basquete

"Comecei a jogar basquete em 1988, lá no Botafogo, onde fui formado. Foi uma iniciativa da minha mãe, que queria que eu fizesse algum esporte, e meus amigos de rua jogavam basquete e me levaram lá para jogar com eles. Eu tinha de 12 para 13 anos. Joguei no Botafogo até os 18, depois saí do RJ e fui ao Banespa/Jales com o Zé Boquinha, que era o técnico, e aí começou essa loucura toda e não voltei para casa nunca mais. Foram 25 anos como jogador e em seguida a transição para técnico, primeiro em escolinha em praça pública, em Rio Claro-SP, depois na base, assistente técnico do feminino, as coisas foram acontecendo, virei técnico principal em Contagem-MG, depois assistente em Caxias do Sul e aí assumi como técnico no Botafogo."

Era de ouro do basquete brasileiro

"Lá no Rio, quando joguei, era uma época maravilhosa do basquete carioca porque os quatro times do Rio estavam jogando basquete. Então era Maracanãzinho lotado com Botafogo x Vasco, Flamengo x Fluminense, todos os clássicos, e com a cultura de a torcida lotar o ginásio, fazer um caldeirão. Os campeonatos cariocas já eram verdadeiras batalhas, e no Brasileiro os times se cruzavam de novo, o tempo todo. Era uma coisa louca: o Maracanãzinho lotado duas horas antes do jogo, o que já não vemos mais hoje."

Léo Figueiró, técnico do basquete do Corinthians - Divulgação/Corinthians - Divulgação/Corinthians
Treinador foi campeão pelo Botafogo contra o Corinthians e agora é cobrado até por funcionários do clube
Imagem: Divulgação/Corinthians

Dívida de um título com o Corinthians

"Foi uma coisa que fiquei espantado. Eu ganhei um título com o Botafogo [a Liga Sul-Americana de 2019, na final sobre o Corinthians], mas a vida seguiu. Saí de lá para ser técnico no Bauru e caí aqui. Quando vim para cá, a primeira vez que apareci no clube, o segurança já me falou 'você era o coach do Botafogo né? Está devendo um título'. Foi impactante porque não imaginei que o pessoal lembrasse tanto, os funcionários, porteiro, segurança, roupeiro de outras categorias chegavam, no meio do almoço, dizendo que eu precisava devolver. É um prazer eles colocarem essa responsabilidade, com todo carinho e a expectativa positiva com a minha vinda para cá. O Corinthians é gigante, me espantou. Claro que todo mundo sabe, mas no dia a dia no clube é realmente muito grande, e conseguir um resultado positivo aqui seria uma honra. Estamos trabalhando para isso."

Expectativa com o novo elenco

"Na minha carreira, os anos em que as coisas foram bem foram os que eu tive muita diligência em relação ao perfil dos jogadores e das contratações. Nos anos que foram mal, eu não tinha conseguido ou não tive a oportunidade de fazer. No ano passado, aqui, eu tive algum acesso a isso, mas não foi total. Neste ano, quando o Corinthians me chamou para renovar lá atrás, vi esta chance de a gente ir mais cedo para o mercado e buscar um perfil. É um elenco que tem identidade com o clube e com o que penso. São jogadores que querem se desenvolver, mudar de nível, comprometidos com intensidade, entrega e que vão representar a camisa do Corinthians e a ideia que tenho de basquete. É o início ainda, uma expectativa, mas o primeiro passo a gente conseguiu. Vamos ser uma equipe diferente do ano passado: mais intensa, com mais velocidade."

Relação umbilical dos filhos com o Corinthians

"O Corinthians me abraçou com todo o carinho e me sinto muito em casa aqui. Sou pai divorciado, e meus filhos moram comigo. Ambos são atletas: a Manuella na seleção brasileira, o João joga aqui no sub-14 do Corinthians. Para mim é muito bom: eu moro aqui no bairro, meus filhos vivem aqui no clube até no final de semana. É uma qualidade de vida muito boa, venho trabalhar a pé, meus filhos treinam aqui e se sentem super bem recebidos. Para um pai, ver os filhos bem adaptados já é metade do caminho, me dá tranquilidade."

A dupla função de pai-técnico

"Como pai de atleta, sou um vexame [risos]. É muito complicado; não é fácil. Às vezes vejo eles errarem, não marcando? Cobro muita atitude dentro de quadra, de correr atrás, não desistir. Cobro muito, então às vezes sou chato. Tem vez que dou bronca neles pelo jeito que estão sentados no banco, desleixados, porque não é postura de sentar. Eles gostam de treinar comigo, mas tem dia que sai arranca-rabo e eles vão embora no meio do treino dizendo que sou muito chato."

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