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Não repita Piquet: expressões cotidianas com teor racista para evitar

O ex-piloto Nelson Piquet, tricampeão da F1 - Joe Portlock/Getty
O ex-piloto Nelson Piquet, tricampeão da F1 Imagem: Joe Portlock/Getty

Do UOL, em São Paulo

29/06/2022 13h54

O ex-piloto de F1 Nelson Piquet usou uma expressão racista para se referir a Lewis Hamilton e foi duramente criticado nesta semana. Em entrevista em novembro de 2021, mas que repercutiu agora, o brasileiro chamou o britânico de "neguinho", ao comentar sobre um acidente envolvendo Max Verstappen. A expressão, quando usada de maneira pejorativa ou com a intenção de ofender, é considerada racista. Mas o vocabulário brasileiro está repleto de termos do tipo, que reforçam o racismo e devem ser evitados (veja mais abaixo).

Pelo Twitter, Lewis Hamilton pregou uma "mudança de mentalidade arcaica", ao responder Piquet. "É mais do que linguagem. Essas mentalidades arcaicas precisam mudar e não têm lugar no nosso esporte. Eu fui cercado por essas atitudes e fui alvo delas minha vida toda. Houve muito tempo para aprender. Chegou a hora da ação", escreveu o heptacampeão.

Nesta quarta-feira, Nelson Piquet se desculpou por meio de nota, dizendo "que não quis ofender" o britânico e que o termo é "um daqueles largamente e historicamente usados de forma coloquial no português como sinônimo de 'cara' ou 'pessoa' e nunca com intenção de ofender."

Por que a expressão "neguinho" é considerada racista?

A mestre em psicologia Ivani Francisco de Oliveira diz ao UOL que ao chamar Hamilton de "neguinho", Piquet "reduziu toda magnitude dos feitos e capacidades" do britânico, inferiorizando-o, em uma "tentativa de excluí-lo".

Esse evento me fez pensar numa famosa frase de [Frantz] Fanon [psiquiatra, militante e filósofo político, influente nos campos dos estudos pós-coloniais], que diz que o homem negro não é um homem, é sempre um homem negro. Chamar Lewis Hamilton de neguinho, é uma tentativa de excluí-lo da humanidade, reduzir toda magnitude de seus feitos e capacidades. Essa atitude de desmerecimento advém do fato de que pessoas brancas que não são alvo de tratamento tão desumano começam a acreditar numa pseudo-superioridade passando a desenvolver sua segurança psico-emocional na humilhação e inferiorização dos outros".

Ivani Francisco de Oliveira, mestre em psicologia

"Embora exista uma dificuldade de compreensão geral no campo do direito sobre racismo ou injúria racial, em outras áreas o racismo é facilmente percebido como preconceito, ignorância ou esteriotipação racista. Evidentemente, referir-se a um automobilista adjetivando-o pela sua cor no diminutivo, é racismo", continua.

Ivani Francisco de Oliveira reitera que apesar dos registros diários de violências racistas, ainda "ainda existem pessoas que negam a existência do racismo". "Por isso é importante que a gente possa discutir seriamente sobre preconceito e discriminação para entendermos que falas e atitudes racistas podem ter origem em outros processos sociais e psicológicos que extrapolam o preconceito, como por exemplo o desejo de manter o próprio privilégio branco. Precisamos falar sobre branquitude e o papel das pessoas brancas na perpetuação do racismo na sociedade."

Segundo Thiago Amparo, professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas), em entrevista à BBC, a expressão é utilizada para inferiorizar pessoas negras. "O uso da palavra 'neguinho' é uma forma comum de racismo no Brasil porque é empregada em especial para ressaltar algo de errado que se pensa que alguém fez, como quem diz que tal pessoa só poderia ter feito aquilo por ser negra. É uma palavra que, no diminutivo e no contexto, serve para reduzir de forma paternalista pessoas negras a inferiores intelectualmente", afirmou o advogado.

Também à BBC, Daniela Gomes, professora em estudos da diáspora africana na San Diego State University, nos EUA, mostrou um entendimento similar. "O racismo brasileiro é diferenciado, é um racismo tido como velado, embora de velado não tenha nada. Mas ele tem entonações. E ali o que vimos é o Piquet usando uma entonação no diminutivo, mas que não era uma entonação de carinho, mas de menosprezo", diz Gomes. "A questão ali é o desdém com o qual ele se dirigiu a um piloto que é alguém da mesma categoria profissional que ele. Lewis Hamilton tem um nome e não é amigo pessoal de Piquet. No nosso racismo à brasileira, foi uma forma de inferiorizar, de tratar como se fosse um moleque".

Outras expressões que devem ser abolidas

Mas assim como "neguinho", usada por Piquet, há outras expressões racistas no cotidiano e que não devem ser usadas. A começar pelo termo escravo, que pressupõe que esta era uma condição inerente à pessoa, quando, na verdade, ela foi submetida, contra a sua vontade, à escravidão. Neste caso deve ser usada a palavra escravizado.

Ainda hoje é comum ouvir e falar expressões que são resquícios da herança escravocrata, que não devem ser mais utilizadas, como a dar com pau. De origem histórica, a expressão descreve a forma como escravizados que faziam greve de fome nos navios negreiros eram alimentados forçosamente com uma colher. O termo pode ser substituído por em excesso ou mais do que necessário.

Já a expressão meia tigela, usada normalmente para se referir a algo sem valor, tem origem no trabalho de escravizados em minas de ouro, que recebiam meia tigela de comida quando não alcançavam suas metas.

Mulato, usada para designar pessoas fruto de relacionamentos inter-raciais, é outra expressão usada cotidianamente e que também é considerado racista. A palavra, que vem do latim "mulus", cujo significado é mulo, e é usada para designar "animal híbrido, estéril, produto do cruzamento do cavalo com a jumenta, ou da égua com o jumento". Nesse sentido, é preconceituosa. Troque mulato por negro ou pardo.

Utilizada até mesmo como nome de novela, em 2004, a expressão Da Cor do Pecado não deve ser usada porque associa a pele mais escura ao pecado, em tom racista.

Outro aspecto do racismo no nosso vocabulário é relacionar o branco a coisas boas e o preto a coisas ruins. Exemplos disso são expressões como magia negra, inveja branca, serviço de preto, dia de branco, a coisa está preta e ovelha negra. Troque por termos como magia do mal, inveja leve, serviço malfeito, dia de trabalho, a coisa está difícil e rebelde, respectivamente.

Também não devem ser usadas expressões como negro ou preto de traços finos, pois elas destacam os aspectos fenotípicos da pessoa como se os traços finos devessem ser valorizados por se aproximaram de um padrão de beleza europeizado e branco.

Ainda na lista de eufemismo, a palavra moreno não deve ser usada para designar pessoas negras pois há uma tentativa de desassociá-las da negritude. Outro exemplo é pessoa de cor, que qualifica dessa forma apenas pessoas negras, ignorando o fato de que brancos também têm cor. Nestes casos, a melhor opção é falar pessoas negras ou pretas.

Denegrir é uma palavra que costuma ser muito usada para dizer que uma pessoa está sendo difamada ou injustiçada, mas, de acordo com o dicionário Aurélio, a sua definição é "tornar negro, escurecer", ou seja, usar esta palavra pejorativamente é extremamente racista.

Em contraposição a cabelo bom, usado para se referir aos fios lisos, em contraposição a cabelos crespos ou cacheados como ruim. As palavras bom e ruim não devem ser usadas para adjetivar os cabelos.

Crioulo e seus derivados são termos pejorativos usados para se referir a filhos de escravizados. O correto é usar pessoas pretas ou negras. Também não devem ser utilizadas as suas derivações como samba do crioulo doido, que reforçam o racismo em relação a manifestações culturais de pessoas negras. Use bagunça ou confusão nesses casos.