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Brasileiro detentor do recorde detona mídia e medições de 'ondas de 30m'

Rodrigo Koxa pega onda gigante em Nazaré que lhe deu recorde no Guinness Book - Rafael Alvim
Rodrigo Koxa pega onda gigante em Nazaré que lhe deu recorde no Guinness Book Imagem: Rafael Alvim

Marcello De Vico

Colaboração para o UOL, em Santos (SP)

06/04/2022 10h12

O paulista Rodrigo Koxa é, desde 2017, o detentor do recorde de maior onda já surfada na história. A bomba de 24,38 metros domada em Nazaré, Portugal, rendeu ao surfista de 42 anos o título do Big Wave Awards, o Oscar de ondas grandes, e o registro no Livro dos Recordes. Desde então, ela virou referência como 'onda a ser batida', mas o recorde segue intacto.

Apesar de medições não-oficiais apontarem ondas de 30 metros surfadas nos últimos anos, a verdade é que quebrar o recorde de Rodrigo Koxa não é tão simples assim. Antes de tudo, a onda precisa atender alguns requisitos, como quebrar de maneira sólida; além disso, o surfista precisa descer a onda dentro de sua energia, indo até a base. Esses detalhes podem ser comprovados, claro, através de um registro em vídeo, e são analisados por uma banca de surfistas renomados ligados à Liga Mundial de Surfe (WSL), a entidade responsável pelo surfe mundial.

Só então é que a onda passa a valer para a WSL e fica em condições de se classificar para a final do Big Wave Awards, evento que premia os surfistas que pegarem as maiores ondas da temporada. As medições oficiais acontecem a partir daí, através de fotos em alta qualidade, e a onda vencedora é revisada por uma banca de surfistas renomados e uma equipe científica como ponto de referência crítico para a determinação dos recordes.

Rodrigo Koxa posa com certificado do Guinness Book por maior onda já surfada na história - Aline Cacozzi - Aline Cacozzi
Imagem: Aline Cacozzi

Mas o que será que Rodrigo Koxa tem achado da avalanche de matérias sobre possíveis —e até prováveis— quebras do seu recorde? Até então, o surfista paulista acompanhava o noticiário sem fazer alarde, mas, ao ser contactado pelo UOL Esporte, resolveu quebrar o silêncio.

"É sem critério, sem fundamento, sem credibilidade. Todo ano virou uma avalanche de matérias especulando as tais quebras de recorde. A vontade que eu tenho é falar 'vocês estão tudo loucos', 'cadê o jornalismo?'", questionou. "Não quero ser um atleta que fica parecendo que está gritando 'a minha é maior'. Se o cara pegar a onda maior que a minha, eu vou repostar e escrever: agora a onda referência é essa", acrescenta.

Para citar alguns exemplos, noticiou-se em 2020, na imprensa portuguesa, que uma onda surfada pelo local Tony Laureano teria 30,9 metros. Aqui no Brasil, Lucas Chumbo venceu o Gigantes de Nazaré recentemente com uma bomba estimada em 29,67 metros pelo sistema de medição estabelecido no programa da TV Globo.

Rodrigo Koxa questiona, especialmente, a abordagem que a mídia tem dado para medições não oficiais. "Estamos vivendo um mundo de fake news. Alguém tem que parar e falar: 'Peraí, quem mediu? Onde está a base da onda? As ondas estão sendo medidas por vídeo'? São medições de profissionais da área, mas é especulação, assim como a minha foi medida por 32, 38 metros...", conta o paulista de 42 anos.

"Eu quero ver depois que sair o resultado [do Big Wave Awards] se a mídia vai fazer uma nota dizendo que a onda não tinha aquele tamanho, porque das outras vezes não fizeram nada. Tá uma lavagem cerebral, e eu acho feio", complementa.

"Eu entendo, cheguei a fazer a mesma coisa"

Para Rodrigo Koxa, é preciso fazer justiça e levar em conta todos os critérios adotados pela WSL para colocar uma onda em disputa pelo recorde. Foi o que ele mesmo fez depois de surfar a bomba que, meses depois, marcaria seu nome na história do Livro dos Recordes.

"Eu cheguei a fazer a mesma coisa. Quando achei que tinha surfado uma onda maior que a do Garrett [McNamara, antigo detentor do recorde], a gente mediu, mas tentamos ser totalmente justos. Era a foto dele que venceu o XXL [Big Wave Awards] do lado da minha, em alta resolução. E outra: eu não medi frame [de vídeo] da minha onda, senão dava bem mais. Teve medição da minha que deu 38 metros. E quando me perguntam hoje qual o tamanho da minha onda eu falo 24, não falo a medição subjetiva. Eu falo a medição oficial, que é da entidade responsável pelo surfe, a WSL. Se eles [WSL] estão fazendo certo ou não, eles são os responsáveis e já servem de parâmetro há muito tempo. Você mudar um parâmetro hoje é muito complicado, porque você tem que refazer tudo que foi feito lá atrás. Ou você refaz de tudo, ou você mantém o que tá".

Tem que ter esse critério. Primeiro o vídeo mostrar a trajetória, o comprometimento e se a onda foi sólida. Depois, na foto, ver a qualidade com pixels para traçar uma medição com mais precisão. E isso que acho que não tem sido feito.

As medições estão sendo feitas em cima de vídeos, mas na verdade as ondas são medidas com fotos em alta qualidade. O vídeo comprova que a onda foi bem surfada, que teve a trajetória correta, que a onda foi sólida, que ela quebrou... Muitas ondas gigantes surfadas hoje em dia acabam nem quebrando e às vezes nem entram na final do Big Wave Awards.

Para Rodrigo Koxa, a corrida para se obter o novo recorde tem se tornado algo político e cheio de interesses, o que acaba deixando de lado a essência do esporte e do surfe. Ele cita o exemplo do que aconteceu em 2021, quando o alemão Sebastian Steudtner venceu o Big Wave Awards.

"No ano passado, todo mundo sabia que a maior onda era do Sebastian, e, mesmo assim, os atletas e mídias fazem uma medição de interesse próprio, que atenda a popularidade. Isso não é esporte, não é ciência, é política", opina.

O que interfere na medição de uma onda?

Uma resposta simples para a pergunta acima pode ser dada da seguinte forma: muitas coisas. Pedro Guimarães, professor da escola de engenharia da FURG (Universidade Federal do Rio Grande) e especialista no processamento de imagens em diversas áreas de aplicação da oceanografia, aponta uma margem de erro de metros para a medição de ondas como as de Nazaré, e cita os mais variados equívocos que podem estar embutidos nas análises: a qualidade do tamanho do pixel (o menor ponto que forma uma imagem digital), a angulação das câmeras, o efeito da distorção das lentes e as incertezas na medida da crista e da base da onda.

"Se a gente somar todos esses erros, isso te dará uma ordem de magnitude de variação entre 5 e 10 metros, dependendo de como a foto foi tirada. Se ela foi tirada num ângulo, pode ter um erro maior. Se foi tirada em outro ângulo, pode ter um erro menor", esclarece. "Se você considerar a onda do Koxa, que foi de 24,38 metros, pode ser uma onda que, na verdade, teve 29 metros ou 19. Então, em geral, se assume que a onda teve 24 metros, mas não tem como afirmar com precisão que, na verdade, ela tem 24 metros, porque tem todos esses problemas", diz.

Em Nazaré é muito difícil apresentar uma validação científica desses métodos de media por vídeo porque você não consegue colocar instrumentos tradicionais de medidas de ondas na zona de arrebentação, uma boia por exemplo. A onda de Nazaré é tão grande que vai arrebentá-la. A gente tentou medir umas ondas de 20 e poucos metros, no Noroeste da França, utilizando um outro instrumento que é ancorado no fundo, e não funcionou. O equipamento que a gente colocou, supercaro, simplesmente foi destruído e encontramos ele na rocha do outro lado da ilha na qual tinha sido colocado.

"Já medi várias ondas maiores que 24 metros"

Douglas Nemes, oceanógrafo responsável por medir as ondas do programa Gigantes de Nazaré e especialista em mecânica das ondas, cita uma margem mínima para as suas medições em Portugal e acredita que o recorde de Koxa não é quebrado por outros motivos.

"Já medi várias ondas maiores que 24 metros", afirma. "Por que isso não é oficializado no Guinness? Na minha opinião, o processo para você fazer isso é longo. Não é só você surfar, apresentar o cálculo com especialistas e pronto. Por cima, tem que provar o evento meteorológico capaz de gerar essas ondas, posicionar esse ciclone, ter instrumentos na costa registrando a altura dessas ondas, provar que essas ondas chegaram, e, logicamente, provar que o surfista surfou a partir das fotos e dos cálculos. É um processo que envolve uma equipe, então, a meu ver, os atletas não têm essa assessoria", opina.

"A técnica que estou desenvolvendo está com uma acurácia, uma representação da altura da quebra de onda mais fidedigna com um desvio padrão, esse erro associado, muito baixo, muito bem controlado no cálculo. O pessoal da universidade da Califórnia, que é o que a WSL gosta, também tem uma técnica deles e, se eles utilizarem, também vão chegar a mais de 24 metros. Nós já comparamos nossos métodos, então não tem por que já não oficializarem isso", diz.