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NFL chega ao Super Bowl com acusação de racismo e falta de diversidade

Técnico Brian Flores entrou com um processo contra a NFL alegando racismo no processo de contratação - Cliff Hawkins/Getty Images/AFP
Técnico Brian Flores entrou com um processo contra a NFL alegando racismo no processo de contratação Imagem: Cliff Hawkins/Getty Images/AFP

Rafael Belattini

Colaboração para o UOL, em Los Angeles (EUA)

13/02/2022 04h00

Apesar do sucesso e da expansão das últimas décadas, a NFL continua a ser um ambiente de falta de diversidade racial em cargos importantes e enfrenta acusações de racismo. O Super Bowl LVI, entre Cincinatti Bengals e Los Angeles Rams, neste domingo, às 20h30 (de Brasília), marca o fim de temporada da maior liga de futebol americano do mundo, mas que evolui timidamente no campo da igualdade, principalmente em cargos de liderança.

Das 32 equipes que disputam o campeonato, nove terão novos treinadores em 2022, sendo que apenas um dele é negro: Lovie Smith, do Houston Texans. Com Mike McDaniel, que assume o comando do Miami Dolphins e se declara como multirracial, serão cinco treinadores negros ou latinos. Isso dentro de uma liga em que 70% dos jogadores não são brancos.

Depois de anos tentando lidar com a repercussão negativa do caso Colin Kaepernick, que alegou ter sido boicotado por proprietários de franquias após ter protestado contra a desigualdade e a violência policial, a liga foi parar nos tribunais por uma acusação de preconceito racial.

Demitido do Miami Dolphins, o técnico Brian Flores entrou com um processo contra a NFL e três de suas franquias alegando discriminação racial nos processos de contratação para cargos diretivos dos quais participava.

Brian Flores entrou com um processo contra a NFL e três de suas franquias - REUTERS/Paul Childs - REUTERS/Paul Childs
Brian Flores entrou com um processo contra a NFL e três de suas franquias
Imagem: REUTERS/Paul Childs

Flores terminou seu terceiro ano no comando dos Dolphins sem conseguir levar o time aos playoffs, mas havia sido o primeiro treinador da franquia a ter duas temporadas seguidas com mais vitórias do que derrotas neste século. Mesmo assim, foi tirado do cargo.

Ele foi um dos seis treinadores demitidos após o fim da temporada regular. E, após a saída de David Culley, que dirigiu o Houston Texans por apenas um ano, Mike Tomlin, do Pittsburgh Steelers, manteve-se como o único técnico negro empregado da NFL.

"Acho que nos temos que continuar a olhar, procurar, dar um passo atrás, e dizer: 'Não estamos fazendo um trabalho bom o bastante aqui'", admitiu Roger Goodell, comissário da NFL, em pronunciamento na última quarta-feira.

"Temos que achar soluções melhores e conseguir melhores resultados. Vamos encontrar políticas mais efetivas. Vamos ter certeza de que todos entendam. Vamos mostrar que estamos procurando por diversidade e incentivando isso para todos", completou.

Falta de diversidade em números

Enquanto 70% dos jogadores da NFL não são brancos e apenas cinco dos 32 técnicos pertencem a um tipo de minoria, a situação é ainda pior nos andares mais altos da hierarquia. De acordo com levantamento do Instituto de Diversidade e Ética no Esporte, perto de 85% dos gerentes-gerais e diretores das franquias são brancos. Entre os 31 proprietários (já que o Green Bay Packers não tem um dono), apenas Shahid Khan, paquistanês-americano que é dono do Jacksonville Jaguars, e Kim Pegula, asiática que é coproprietária do Buffalo Bills, não são brancos.

"Essas pessoas que estão comandado os clubes, elas geralmente são pessoas que já estavam lá, que algum parente já está no clube há muitos anos. Que tem esse entendimento, né? Que as pessoas negras não têm a capacidade para estar nesses lugares. E isso vai passando de quem deixou o clube para quem está assumindo. Então eu acho que uma das coisas que a gente precisa fazer é provocar a diversidade", analisou Marcelo Carvalho, idealizador e diretor executivo do Observatório da Discriminação Racial no Futebol,

"Por que isso? Porque se eu tiver profissionais negros decidindo, talvez esses profissionais deem mais chances para pessoas negras. Enquanto a decisão for sempre de pessoas brancas para escolher, vai acabar que elas vão escolher sempre seus pares. Pelo racismo, pelo preconceito, pela história de que essas pessoas negras não conseguem", completou.

NBA mais inclusiva

Em comparação com a NBA a liga de futebol americano parece estar vivendo em uma outra era. No basquete, dos 30 times 14 são comandados por treinadores negros, além de outros dois membros de minorias. Nomes da bola laranja se pronunciaram também sobre os acontecimentos, cobrando ações da liga e ameaçando boicote.

"Ver a forma que a NFL está tratando os treinadores negros me irritou. Simplesmente isso. Até que eles consertem isso, eu não consigo passar meus finais de semana apoiando esta liga", criticou Chris Bosh, ex-jogador da NBA, em suas redes sociais.

"Quer poder assistir o Super Bowl com minhas crianças, sabendo que eles verão pessoas que parecem com elas no campo e na lateral. Quero que eles saibam que a próxima grande mente estrategista pertence a um treinador que não necessariamente é branco", continuou.

"Pois eu sei que eles estão por aí, futuros (Bill) Belichicks, (Vince) Lombardis, e (John) Maddens que não são brancos. O futebol precisa promover esses homens que se provaram", completou.

Um dos exemplos pode estar na liga neste momento. Eric Bieniemy é o coordenador ofensivo da equipe do Kansas City Chiefs nos últimos quatro anos, período em que o quarterback Patrick Mahomes surgiu e comandou um dos melhores ataques da atualidade. Mesmo este currículo não tem garantido grandes chance muitas chances para Bieniemy.

Andy Reid, treinador da equipe do Missouri não perde uma chance de demonstrar sua insatisfação pela falta de oportunidade para seu "pupilo", enquanto nomes questionáveis seguem ganhando chances e mais chances.

Kliff Kingsbury, do Arizona Cardinals, chegou na NFL depois de deixar o futebol universitário com mais derrotas do que vitórias. Já Matt Rhule voltará para uma terceira temporada no Carolina Panthers mesmo com apenas 10 vitórias em 33 jogos.

"Todas essas coisas são parte disso. Vamos conversar com outras pessoas, ter analistas independentes vindo e ajudando-nos a avaliar, porque as vezes é difícil avaliar nossas próprias políticas e procedimentos e ter a certeza de que estamos fazendo o que podemos para criar oportunidade para todos, ter certeza de que somos uma liga inclusiva e termos os resultados que queremos", completou.

A lei ajuda?

Em 2003 foi criada a Rooney Rule, uma regra que exige que ao menos um membro de grupos considerados minoritários seja entrevistado para vagas de comando da liga, seja para treinador ou gerente-geral.

Batizada em homenagem a Dan Rooney, então presidente do Comitê de Diversidade e também dono do Pittsburgh Steelers, a regra é vista hoje como pouco efetiva. Brian Flores, por exemplo, alega que sua entrevista no New York Giants foi apenas para que tal exigência fosse cumprida, já que a decisão pela contratação de Brian Daboll, que seria anunciado logo depois, já estava tomada.

A prova da ineficiência da regra Rooney aparece nos números: eram três os técnicos não brancos em 2003; hoje, são cinco.

Anthony Lynn, que foi treinador do Los Angeles Chargers por quatro anos e hoje é assistente do treinador principal do San Francisco 49ers, entende que já se beneficiou da regra, mas acha que as coisas precisam ser revistas.

"Eu não quero ser uma entrevista simbólica. Eu realmente acredito no espírito da Rooney Rule, mas eu vi como as pessoas estão abusando dela e não quero fazer parte disso", disse Lynn em entrevista à Associated Press.

Roger Goodell afirmou que vai reavaliar o regulamento, sendo que não descarta a possibilidade de eliminar tal exigência.

"O que vamos fazer é dar um passo atrás e olhar tudo o que estamos fazendo hoje em dia, reavaliar tudo desde a Rooney Rule e ver quais mudanças devemos fazer nela, ou se devemos extingui-la, como algumas pessoas já sugeriram", disse o comissário.

Roger Goodell, comissário da NFL, não descartou extinção da "Rooney Rule" - Kirby Lee/USA Today Sports - Kirby Lee/USA Today Sports
Roger Goodell, comissário da NFL, não descartou extinção da "Rooney Rule"
Imagem: Kirby Lee/USA Today Sports

Acabar com a regra é uma boa?

Para Marcelo Carvalho existem muitas semelhanças entre a realidade do futebol americano e do futebol brasileiro. Em sua avaliação, a Rooney Rule é capaz, sim, de criar oportunidades.

"Eu até vejo como algo extremamente positivo, porque a lei em si, sua proposta, é incentivar que profissionais negros entrem no mercado", disse, comparando também com a política de cotas que existe no Brasil.

"Uma parte da sociedade é contra as contas, mas ela trouxe vários benefícios, não só para as pessoas negras. Penso que no futebol uma lei nesse sentido também traria incentivos para outros profissionais negros também entrarem no mercado", disse.

O Super Bowl LVI acontece neste domingo, às 20h30 (de Brasília). A partida será transmitida pela ESPN, Star+ e pela RedeTV.