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Quarentena mexe com canais boleiros do YouTube como Desimpedidos e Zico 10

Kaká foi convidado do "Por Trás" do Desimpedidos na quarentena - Reprodução/Instagram
Kaká foi convidado do "Por Trás" do Desimpedidos na quarentena Imagem: Reprodução/Instagram

Thiago Tassi

Colaboração para o UOL, em São Paulo

22/04/2020 04h00

A pandemia do novo coronavírus também afeta os produtores de conteúdo na internet. Em tempos de quarentena, e sem futebol, canais boleiros de YouTube precisam alterar a grade, criar produtos alternativos, pensar em pautas diferentes, adaptar gravações. Tudo para não perder trabalhos de anos e consagrados entre o público das mídias sociais.

Como tem sido a rotina desses canais? O UOL Esporte conversou com quem está por trás de algumas das principais marcas e percebeu que há diversas maneiras para não baixar o ritmo da produção, ainda que seja preciso abrir mão de programas que exijam encontros, equipe de gravação e deslocamentos.

No caso do Desimpedidos, um dos maiores do segmento esportivo no Brasil, a quarentena deu espaço para a criação de novos quadros — alguns com potencial para entrar de vez na grade depois da pandemia. Para o Canal Zico 10, as coisas mudaram (e para melhor) quando Zico não pôde retornar ao Japão e permaneceu no Rio de Janeiro depois do Carnaval. Já o Futirinhas, ante a paralisação dos jogos, aposta em conteúdo mais elaborado e curiosidades. Os três, portanto, tiveram de promover mudanças na grade.

"Acho que o legal da quarentena tem sido isso, a gente poder mostrar um pouquinho do nosso canto, de dentro de casa também no Instagram, nos quadros do Desimpedidos", afirmou à reportagem Ale Xavier. A apresentadora está com um quadro de entrevistas no Instagram do canal em que analisa a situação do futebol feminino durante a pandemia.

Companheiro de Xavier no canal, o apresentador Chicungunha acredita que a qualidade do conteúdo já é diferente de quando começou o confinamento. "A cada semana, o nosso produto está ficando melhor. Se pegar do começo da quarentena e agora, já tem uma evolução gigante. A gente vai aprendendo fazendo, e a audiência também já está se acostumando com a nova pegada neste período."

No canal do ídolo do Flamengo e atual diretor técnico do Kashima Antlers (Japão), o fato de a grande estrela ter ficado no Brasil serviu de inspiração e facilitou a adaptação do conteúdo.

"Por incrível que pareça, está ótima [a quarentena]. Não estamos fazendo externas, obviamente, só que o que aconteceu? Ele [Zico] veio para cá no Carnaval e não pôde voltar. Então estamos com o Zico aqui no Brasil, livre, para gravar a hora que quiser. Estamos gravando muitas entrevistas, inventando quadros novos", destacou Bruno Torelly, editor de conteúdo e apresentador do canal.

Vegeta, como é conhecido, pontuou que diversas entrevistas foram feitas neste período, uma vez que o recurso da chamada de vídeo foi normatizado e 'encurtou distâncias'. Lucas Moura, Taffarel, Galvão Bueno, Neto, Alex (ex-meia com passagens por Coritiba, Palmeiras e Cruzeiro), Bruno Guimarães e Muricy Ramalho são atrações da quarentena.

Zico entrevista Galvão Bueno por chamada de vídeo para o seu canal no YouTube - Reprodução - Reprodução
Zico conversou com Galvão Bueno por chamada de vídeo
Imagem: Reprodução

Produzido pela dupla Eduardo Araujo e Rafael Clerici, o canal Futirinhas recorreu a uma prática que o fez crescer no passado para não parar: produção de pautas atemporais, mais elaboradas e que requerem pesquisa.

"[O canal] Cresceu com curiosidades. As pautas quentes entraram faz mais ou menos uns oito meses. Antes era curiosidade e história. Sem pauta quente, a gente começou a focar de novo no que a gente já fazia. A gente já tinha o produto. O que mudou é que agora são histórias mais curtas", disse Eduardo à reportagem.

O que mudou, na prática, na grade dos canais?

  • Desimpedidos

Sem rodada para debater futebol às segundas-feiras, o canal criou o programa "Quarentena", apresentado por Bolívia e Chicungunha, para analisar notícias do período. Um dos quadros da nova atração coloca frente a frente alguém que tenha criticado uma personalidade do futebol no Twitter e a própria personalidade. A dinâmica tem gerado bons debates, de acordo com Chicungunha, e pode virar um programa pós-quarentena. Vai depender se o público seguirá aceitando a ideia.

"A gente tinha pensado nisso [de dar sequência à ideia pós-quarentena]. Tanto que ficamos na dúvida de deixar o nome 'quarentena'. Mas não é algo tão ruim, se virar talvez só mude o nome depois", disse.

Outra novidade durante o período é o vídeo em que o apresentador recupera arquivos e conteúdos marcantes do Desimpedidos. A ideia substitui o quadro em que ele fazia pegadinhas na produtora do canal e entrava às sextas-feiras.

A nova série da marca, em que o apresentador Fred vira jogador profissional de futsal, passa a compor a grade nos próximos oito domingos, no lugar do "Desafio do Fred", e será analisada de terça-feira pelo próprio protagonista da produção. "Fred + 10" e "Bolívia Talk Show", atrações famosas, seguem, agora por chamada de vídeo, às quartas e quintas-feiras, respectivamente.

  • Canal Zico 10

Sem o fuso horário que separa o Brasil e o Japão, as produções estão 'a todo vapor' para o Zico 10. A agenda mais flexível com o futebol paralisado e a disposição do ex-craque permitiram até a criação de conteúdo para pelo menos os próximos dois meses — geralmente, o cronograma é mensal.

"Ele [Zico] é muito workaholic [gíria em inglês para alguém viciado em trabalho], ninguém é melhor do mundo à toa, né? Ele trabalha bastante, apesar de já ter chegado à terceira idade, é bem ativo. Então, quando está aqui, a gente grava muito", explicou Vegeta. Antes da pandemia, Zico vinha em média três vezes por ano ao Brasil e gravava os programas em grande escala. Agora, com ele aqui, o canal mudou os planos e pode até "segurar" as gravações feitas antes do isolamento.

"Nos programamos para só usar coisa do período de quarentena, porque é o clima do momento, fazer as coisas online. Em média, 90% da programação agora é de conteúdo feito na quarentena", destacou o editor.

Foi desta forma que surgiram os quadros "Zico Analisa", em que o Galinho convida alguém para falar sobre algum fundamento do futebol (assistência, drible, gols), e o "Papo 10", uma live no Instagram entre Vegeta, o humorista Magno Navarro, o narrador Bruno Cantarelli e um convidado. O quadro de futmesa é o único desafio a permanecer na grade neste momento pois tinha um bom número de gravações realizadas antes do confinamento.

  • Futirinhas

Rafael Clerici (esq.) e Eduardo Araujo, donos do canal Futirinhas no YouTube - Reprodução/YouTube - Reprodução/YouTube
Rafael Clerici (esq.) e Eduardo Araujo, donos do canal Futirinhas
Imagem: Reprodução/YouTube

Diferentemente dos outros canais, o Futirinhas faz pouco conteúdo externo, mas tem diretrizes para compor os vídeos — exploram causos, montam minibiografias. O desafio tem sido manter o ritmo de publicação de dois a três vídeos por dia, e a saída é pesquisar e trabalhar bastante.

Sem as longas biografias do começo do canal, histórias curiosas e mais curtas ganham espaço na grade. "Tem que pesquisar mais tempo, produzir mais coisa. O roteiro tem que ser melhor, porque quando é um assunto mais quente você consegue falar mais rápido sobre aquilo e desenvolver ele melhor, porque está fresco na sua memória. Mas a quantidade não diminuiu, continuamos a fazer de dois a três vídeos por dia."

Recentemente, o canal reviveu uma história envolvendo o Santos e Zico de 1º de abril de 1984, comparou Gabigol e Gabriel Jesus e analisou movimentações de mercado da carreira de Neymar, por exemplo.

Assim como conteúdo, hábitos mudam na quarentena

Ainda que o trabalho ocupe boa parte do dia a dia dos youtubers, ficar em casa fez com houvesse mudanças de comportamento. Ale Xavier pôde voltar à cidade natal, Piracicaba (interior de SP), onde revisitou a coleção de camisas de futebol e exibiu nas redes sociais pessoais. A ideia, que fez sucesso, de acordo com a influenciadora, é parecida com uma saída encontrada pelo próprio canal. "O canal está tentando mostrar coisas 'de casa'. O Fred está com um vídeo novo na grade que chama '10 coisas do Fred'. Ele mostra dez coisas legais que tem na casa dele, e não necessariamente só de futebol."

Apresentadora do Desimpedidos Ale Xavier exibe coleção de camisas de futebol - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Imagem: Reprodução/Instagram

Chicungunha, por sua vez, viu-se obrigado a aprender a manusear uma câmera trabalhando sozinho. Ele também voltou a fazer exercícios físicos agora que está em casa, algo que não tinha tempo.

"Um tempinho a mais sempre tem, não tem nem como, porque estamos em casa. Por exemplo, eu estou conseguindo fazer exercício agora, todo dia. Para a minha saúde, a quarentena tem sido ótima. Eu estava pesando 126 kg. Com a pausa, estou fazendo dieta, exercício em casa e estou com 112 kg."

Por outro lado, a queda de audiência (14% no período) e o corte de patrocínios preocupam Eduardo Araujo. O apresentador do Futirinhas diz ter crises de ansiedade e se distrai com filmes e séries para aliviar a pressão. "A gente fica no paradoxo de: 'E se diminuir [a quantidade de conteúdo] e cair ainda mais?' Então a gente não quer arriscar. Mas isso está me causando problema de saúde. Eu estou tendo taquicardia corriqueiramente."

Criatividade até quando?

A adaptação tem 'prazo de validade'? Os canais vão se virando, alguns mais otimistas e com maior estrutura, outros nem tanto assim. Enquanto o Desimpedidos e o Canal Zico 10 permanecem com os patrocínios em dia, a situação é de alerta para o Futirinhas, que perdeu dois patrocinadores, viu outros dois serem congelados e a receita cair 60%. "Por enquanto, sim [deu para adaptar o conteúdo]. Vamos ver daqui um mês, dois", afirmou Eduardo Araujo.

Na visão de Ale Xavier, o segredo está em fazer o que gosta. "A gente vem ocupando todas as plataformas que a gente tem de uma maneira geral. Cada um fazendo onde está conseguindo, o que gosta de fazer", demonstrando uma perspectiva mais positiva para o canal. Entre uma live e outra, a criatividade vai se provando uma grande aliada dos produtores de conteúdo de futebol da internet durante a quarentena.