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No grupo de risco, paratletas se isolam e improvisam treino para Tóquio-20

Jane Karla treina tiro com arco na sala do seu apartamento em Lisboa - Arquivo Pessoal
Jane Karla treina tiro com arco na sala do seu apartamento em Lisboa Imagem: Arquivo Pessoal

Beatriz Cesarini e Karla Torralba

Do UOL, em São Paulo

19/03/2020 04h00

Os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Tóquio têm seu calendário oficial mantido mesmo com a pandemia do novo coronavírus que se espalha pelo mundo. Com a orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS) de que pessoas devem evitar sair de casa, é impossível não se perguntar principalmente como os paratletas, com grande parte no 'grupo de risco' estarão seguros.

Com o Centro de Treinamento Paralímpico fechado por tempo indeterminado por causa do vírus, os atletas tentam se proteger como podem e ao mesmo tempo continuar com os treinamentos sem ir à rua ou com o mínimo de contato possível com outras pessoas. Afinal, "uma medalha de ouro não vale a vida do atleta", como ressalta Verônica Hipólito, do atletismo paraolímpico, classe T37.

Com 23 anos, Verônica faz parte do grupo de risco. A atleta não tem o intestino grosso e seu corpo não produz nenhum hormônio sozinho. Ela precisa de reposição hormonal constante e tem a imunidade baixa. "Se eu pego o Covid-19, eu vou precisar ser hospitalizada e se eu for para o hospital, a chance de piorar é maior ainda. Nenhuma medalha de ouro vale a vida dos atletas. Ou a gente joga o ciclo olímpico e paralímpico no lixo ou vamos colocar em risco nossa vida", alerta.

O Centro de Treinamento Paralímpico, em São Paulo, é o principal local de treinamento dos atletas brasileiros e sem o espaço, eles ainda conversam com seus treinadores para saber a melhor opção para adaptar o trabalho. Há semanas que o número de atletas treinando no local passa de mil.

O diretor técnico do Comitê Paralímpico Brasileiro, Alberto Martins da Costa, aponta quais paratletas estariam em maior risco. "Atletas com traumatismo raquimedular, tetraplegia, com alguma deficiência respiratória, paralisia cerebral, esses que preocupam mais. Esses com maior propensão, temos orientado mais próximo. Um dos atletas perguntou se iríamos ou não (para Tóquio). Não temos condição de responder hoje, porque nós não sabemos em que condições e quando serão realizados", comentou.

O UOL Esporte conversou com atletas que fazem parte do chamado grupo de risco do coronavírus para saber como é possível se proteger e manter a rotina de treinamentos. Isolamento e até mesmo a compra de um terreno para manter as atividades estão entre as alternativas adotadas.

Campeã de tiro com arco quer comprar terreno para treinar

Campeã de tiro com arco no Para-Pan de Toronto, Jane Karla mora em Lisboa, Portugal. Ela não tem o movimento das pernas por causa de poliomielite, que teve quando criança. Na capital portuguesa, Jane busca de um terreno para continuar sua preparação para Tóquio-2020 e, enquanto não encontra esse campo, improvisou.

"Estou tentando até comprar um terreno para manter meu treino em um local com tamanho oficial de competição. Mas como ainda não consegui, eu improvisei um pequeno espaço aqui na sala do meu apartamento e coloquei um anteparo para fazer o tiro com arco. Sei que não é a preparação ideal para as Paraolimpíadas. Mas a ideia é não desistir e usar o que tem para preparar da melhor forma possível nesse momento. Porque o grande sonho de um atleta é participar desta grande competição", contou Jane.

Susana Schnarndorf  - Divulgação/Comitê Paralímpico Brasileiro  - Divulgação/Comitê Paralímpico Brasileiro
Susana, atleta da natação paralímpica, treina sozinha em piscina
Imagem: Divulgação/Comitê Paralímpico Brasileiro
Treino sozinha na piscina e ficar longe das pessoas

Atleta da natação paralímpica, classe S4 [com limitação físico-motora], Susana Schnarndorf tem Síndrome de Shy-Drager, uma doença degenerativa que causa danos progressivos no sistema nervoso. Susana não conseguiu competir ainda em 2020 por causa dos cancelamentos pelo Covid-19. No grupo de risco, ela se isola e continua a treinar.

"Tenho uma doença degenerativa e eu tenho baixa capacidade respiratória. Meu pulmão já é bem mais delicado que o normal. Eu fico com medo, mas tento me precaver bastante, lavar as mãos o tempo todo e não fica em lugar fechado com muita gente dentro", explicou.

"Eu treino em uma piscina só eu e tento não ficar muito perto das pessoas. Minha alimentação é super saudável para ajudar no sistema imunológico. E quando eu faço musculação fico passando álcool em gel o tempo todo. Essas precauções são diárias, porque pra mim é perigoso até pegar gripe comum.

Ficar em casa e contato direto com o técnico

Parte do grupo de risco, Verônica Hipólito ainda não sabe como vai continuar treinando, mas está tranquila e mantém contato diário com o treinador. "Se eu precisar sair, quem vai são meus pais e meu irmão. Até ontem eu estava treinando com muito cuidado, a maioria dos atletas não estavam se cumprimentando, muito banho, álcool em gel. Ontem eu fiquei com dor de garganta e já fiquei em alerta. Se os jogos não forem cancelados, a gente tem que treinar. Eu estou em casa, não pretendo sair, sei que a máscara é pra quem tem risco, mas se precisar, eu vou com máscara. Estamos conversando se decidimos treinar na rua, adaptando, mas treinar adaptado não é treinar 100%", disse.