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Repórter da Globo pede calma a Gabigol e coroa cobertura ufanista da final

Gabigol entrevistado pelos ídolos flamenguistas Petkovic e Júnior - Reprodução/TV
Gabigol entrevistado pelos ídolos flamenguistas Petkovic e Júnior Imagem: Reprodução/TV

Chico Silva

Colaboração para o UOL, em São Paulo

23/11/2019 20h13

Dos 210 milhões de brasileiros, 41% dizem não ter interesse algum por futebol. Os dados são de uma pesquisa realizada pelo Datafolha no início de 2018. São cerca de 86 milhões de pessoas que não sentem nenhum amor por bolas, chuteiras e bandeiras. Somados aos 84 milhões que torcem por outros times ou pela seleção brasileira, 170 milhões de brasileiros, mais de 80% de toda a população, não eram Flamengo na decisão da Libertadores contra o argentino River Plate.

Mas esses números foram solenemente ignorados por Globo e Fox Sports, os canais que transmitiram a partida que deu ao Flamengo o bicampeonato continental. Os dois trataram o clube carioca como se fosse a Pátria de Chuteiras rubro-negra.

Ninguém pode negar a importância do jogo. E obviamente não se esperava um tratamento equilibrado e isento. Mas um pouco de distanciamento crítico não faria mal a ninguém. Mas com a dramática e inesquecível vitória do Flamengo, com dois gols de Gabigol no final do jogo, ninguém mais vai se lembrar disso.

Copa do Mundo ou Libertadores?

Mas se um marciano desembarcasse hoje na Terra e sintonizasse na Globo poderia até ser induzido a acreditar que aquele time de vermelho e preto era a nova versão da seleção brasileira. Luís Roberto, locutor escalado para substituir Galvão Bueno, narrador que se recupera de um infarto sofrido na quinta-feira em Lima, abriu a transmissão global com um entusiasmo acima do habitual dizendo: "Atenção, Brasil. Um dia mágico. Será o capítulo final dessa história".

Logo na sequência iniciou um giro de repórteres pelo país similar aos que a emissora promove em dias de jogos da Seleção Brasileira na Copa do Mundo. Havia equipes de reportagem em São Paulo, no Museu do Futebol, em Fortaleza e no estádio Mané Garrincha, em Brasília. Ressalte-se que a torcida do Flamengo talvez seja a única do país que consiga organizar uma mobilização de tal porte, pois está presente em praticamente todas as regiões do Brasil. Mas a Globo não mediu esforços e investimentos para dar visibilidade ao tsunami rubro-negro. Enviou até as repórteres Mariane Santos à casa da família do zagueiro Rodrigo Caio, em Dracena, interior de São Paulo, e sua colega Isabela Scalabrini à do atacante Bruno Henrique, em Belo Horizonte.

Outro detalhe que chamou a atenção na transmissão global foi o número de ações comerciais exibidas durante a partida. A equipe formada pelo narrador e os comentaristas Júnior e Casagrande anunciaram celulares para Casas Bahia e anunciaram os serviços do aplicativo de delivery Ifood. No final da partida, depois da virada rubro-negra, o repórter Eric Faria passou do ponto e pediu calma para Gabigol após o artilheiro da Libertadores ser expulso e deixar o campo esbravejando.

Interação do repórter Eric Faria, da TV Globo, com o atacante Gabigol, do Flamengo - Reprodução - Reprodução
Interação do repórter Eric Faria, da TV Globo, com o atacante Gabigol, do Flamengo
Imagem: Reprodução

A Fox enviou uma equipe de 50 profissionais para Lima. Passou a semana inteira produzindo reportagens com a torcida do Flamengo pelas ruas da capital peruana. Não foram poucas as vezes em que se ouviu durante a programação que havia, "por baixo", quatro rubro-negros para cada torcedor do River na cidade. Pois bem. Porém, à medida que o público chegava ao Estádio Monumental foi se constatando que a conta não era bem essa.

A torcida do River compareceu em peso e praticamente dividiu as arquibancadas com os rubro-negros. O fato deixou a turma da Fox meio desconcertada, a ponto de o apresentador Eduardo Elias buscar uma explicação para o fenômeno. "Ou eles chegaram hoje a Lima ou estavam escondidos em suas casas, pois não foi isso que vimos nas ruas da cidade nesses dias antes do jogo".

Com o jogo rolando, a equipe do canal Fox 1, formada por Nivaldo Prieto na narração, Edmundo e Paulo Vinícius Coelho, o PVC, nos comentários, parecia um pouco mais ponderada que os colegas globais. Após o gol de Borré, PVC explicava porque a bola não conseguia chegar aos pés de Gabigol e Bruno Henrique, a dupla de ataque com maior número de gols no ano no futebol brasileiro. "O meio-campo flamenguista não existe. Gerson e Arrascaeta sumiram. Com isso Gabigol e BH não conseguem jogar".

Pouco tempo depois, Edmundo dava a informação de que Gabigol teria tido uma indisposição estomacal antes do jogo. Essa poderia ser a razão da pouca mobilidade do atacante durante o primeiro tempo. Se estava mal ou não o atacante seguiu em campo e decidiu o jogo.

A transmissão mais emotiva da Fox foi feita na sua segunda plataforma, o canal Fox 2. Até aí faz sentido. Com narração de João Guilherme e comentários de Zinho e Osvaldo Pascoal, foi a transmitida para milhares de flamenguistas nos telões do Maracanã na fan fest organizada pelo clube no Rio de Janeiro. No clima do oba-oba antes do jogo, a emissora levou os ex-jogadores do time multicampeão do fim dos anos 70 e 80 aos seus estúdios na Barra da Tijuca. Estiveram lá ídolos rubro-negros como Raul, Lico, Rondinelli, o Deus da Raça, e o técnico campeão do mundo Paulo César Carpegiani. Eles e os 40 milhões de flamenguistas espalhados pelo mundo puderam mais comemorar, 38 anos depois, o bi da Libertadores.

Festa Global

E um desses flamenguistas, o ex-lateral e hoje comentarista da Globo Júnior, desceu para o campo e com uma camisa do time no ombro, que lembrava a branca usada na final 1981, comandou as entrevistas com os jogadores no pós-jogo ao lado de outro ídolo rubro-negro, Petkovic, hoje seu colega de emissora. Se bem que de entrevista tiveram pouco. Foi o final sonhado pelas TVs e pelos 40 milhões de rubro-negros espalhados pelo mundo. E em dezembro tem mais. Liverpool vem aí.