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Hipnose ajuda lutadores e fortões a vencer campeonatos. Mas será possível?

Walter Rogério, o Brutus, é hipnotizado por Maurici Mariano, o Bruxo, em treino de strongman - Adriano Wilkson/UOL
Walter Rogério, o Brutus, é hipnotizado por Maurici Mariano, o Bruxo, em treino de strongman Imagem: Adriano Wilkson/UOL

Adriano Wilkson

Do UOL, em São Paulo

03/11/2019 04h00

É preciso mais que músculos para erguer barras de ferro de 150 kg acima da cabeça. Se você perguntar ao levantador de peso Walter Rogério, conhecido como Brutus, qual o segredo de sua força, ele vai levar um dedo à testa e dizer algo como: "Está tudo aqui."

Em treinos para competições do esporte conhecido como strongman, Brutus costuma levantar sem enorme esforço até 140 kg. Mas 150 kg é outra coisa. Com 150 kg, as fibras musculares de Brutus vão sofrer tantas microlesões que ele provavelmente vai precisar de alguns dias de descanso antes de voltar a treinar.

Com 150 kg, sua testa vai tremer como uma panela no fogão e pequenos vasos sanguíneos devem se romper por seu rosto. Seu abdômen e suas articulações vão sofrer sob a pressão e tentarão sair do lugar e serão contidos apenas por fitas que ele amarrará pelo corpo. Com 150 kg, Brutus vai precisar usar um protetor bucal para que seus dentes não quebrem sob a pressão da mordida no momento do levantamento.

Em uma noite recente de quinta-feira em São Paulo, Brutus contou com uma arma diferente para fazer frente ao desafio dos 150 kg: o autoengano. Quando chega a hora, o hipnoterapeuta Maurici Mariano, especializado em hipnotizar atletas para fazê-los superar os limites físicos do corpo, se aproximou de Brutus e perguntou se o fortão confiava nele.

Brutus disse que sim. E, após Maurici contar de 1 a 10 em um tom de voz aveludado, Brutus fechou os olhos. "Você está indo cada vez mais profundo", sugeriu o hipnólogo. "Cada vez mais profundo..."

Funcionário de um banco, Brutus pesa 154 kg e mede 1,93 m. Com pouco cabelo, a barba farta e a compleição de um guerreiro viking, projeta uma imagem intimidadora, exceto pela voz jovial e o sorriso desarmado. Em transe hipnótico, indo "cada vez mais profundo", ele escuta as sugestões do hipnólogo. O truque é simples: Maurici, ou Mau, ou "o Bruxo", como é conhecido entre seus clientes, vai hipnotizar Brutus para ele achar que as anilhas de 150 kg na verdade pesam 140 kg.

Assim, achando estar em seu "peso confortável", Brutus não terá dificuldade de levantar 10 kg de carga extra.

"Quando você olhar para as anilhas, não importa quanto estiver ali, você vai saber que elas pesam 140 kg", repete Mau. Brutus não se move. Sob novo comando, sai do transe, afirma estar se sentindo bem e caminha em direção à barra com as anilhas nas pontas. "Qual o peso que está aí?", pergunta o hipnológo. "140", responde o atleta.
Eram 150.

Brutus - Adriano Wilkson/UOL - Adriano Wilkson/UOL
Imagem: Adriano Wilkson/UOL

Usar a hipnose para melhorar a performance esportiva não é uma ideia nova. Há relatos de atletas soviéticos entrando em transe na preparação para Olimpíadas pelo menos desde os anos 1950.

Em 1962, o treinador Cus D'Amato fez uma inusitada demonstração com chamas de fogo e socos em voluntários inertes diante da comissão de boxe dos EUA. Ele temia que Sonny Liston pudesse ser hipnotizado para ficar imune a dor antes da luta com seu atleta Floyd Patterson. Anos depois, D'Amato se renderia à técnica e passaria a levar seu lutador Mike Tyson, até três vezes por dia, a sessões de hipnose antes de suas lutas pelo cinturão mundial de boxe.

Uma pesquisa on-line publicada em setembro pela escola OMNI Brasil, que formas profissionais da hipnose no país, apontou que 119 mil brasileiros já recorreram ao tratamento para ajudar a atingir diversos objetivos, como perder peso ou curar a insônia. Esse número confere um status diferente ao que antes era mais associado aos programas de auditório de domingo.

Mas se a hipnose ganhou fama como espetáculo de entretenimento no qual voluntários em transe imitam galinhas ou comem cebolas cruas como se fossem maçãs, sua face menos conhecida é também menos divertida, embora não menos intrigante. Treinadores e terapeutas que aplicam hipnose em atletas tentam desfazer bloqueios mentais que prejudiquem o desempenho esportivo.

A judoca Bárbara Timo, que nasceu no Rio de Janeiro, mas se naturalizou portuguesa no começo de 2019, conquistou em agosto o vice-campeonato mundial de sua categoria no Japão. Ela credita a melhora significativa de sua luta a sessões de hipnoterapia com "o Bruxo".

"A hipnoterapia que fiz não tem nada a ver com essa parte mais midiática", afirmou ela em uma entrevista por telefone de Lisboa, onde treina e compete pelo Benfica. "Com a hipnose, eu entrei em camadas do meu subconsciente que eu não conhecia e pude descobrir que tinha diversos medos, traumas, frustrações e situações mal resolvidas na infância que me travavam."

"E também me ajuda visualizar meus objetivos. Já me vi campeã olímpica várias vezes ali", afirma a portuguesa, que já chegou a defender a seleção brasileira.

Barbara Timo - IJF - IJF
A judoca luso-brasileira Bárbara Timo
Imagem: IJF

A também judoca Vitoria Andrade, da equipe sub-21 do Pinheiros, em São Paulo, e da seleção brasileira de base, diz que as sessões de hipnose a levam a visualizar o agarre que precisa fazer durante as lutas.

"Ele me faz enxergar um ponto e perceber o que falta, entender qual é o meu problema. Se eu preciso pegar mais firme, ele me faz imaginar pegando mais firme. Ali você está trabalhando sua mente pra depois concretizar o movimento no treino."

"No começo achei estranho, mas realmente funcionou. Antes eu não conseguia ganhar, só ficava em segundo e em terceiro. Depois comecei a ganhar", afirma ela, que em julho levou o ouro na Copa Europeia sub-21, em Berlim (no mês passado, Vitoria acabou ficando em sétimo lugar no Mundial júnior de judô, no Marrocos). Outra atleta do judô que usa técnicas de hipnose esportiva é Larissa Pimenta, campeã pan-americana em Lima, em agosto.

Antes parte de espetáculos circenses, a hipnose começou a ser estudada seriamente pela ciência em meados do século 19, quando foi utilizada por figuras importantes como o francês Jean-Martin Charcot, considerado o pai da neurologia, e pelo próprio Sigmund Freud, pai da psicanálise. A partir de 1997, neurocientistas começaram a publicar artigos em periódicos relevantes sugerindo a possibilidade de hipnotizar pacientes em diversos tratamentos.

Hoje, ela é usada também no combate a dores crônicas, ansiedade, depressão, tabagismo e outros transtornos psíquicos.

A judoca Bárbara Timo garante que sessões de hipnose diminuem também a sensação de dor e auxiliam na recuperação de lesões. De acordo com Maurici, o bruxo, é possível driblar os receptores de dor no cérebro para aumentar o conforto do atleta.

"Você não consegue eliminar a dor, mas amenizá-la de uma maneira muito eficiente. No parto da minha mulher, por exemplo, eu fiz hipnose nela e ela não teve a mínima percepção de dor", afirma o terapeuta, que também atua como coach.

Larissa - Abelardo Mendes Jr/ rededoesporte.gov.br - Abelardo Mendes Jr/ rededoesporte.gov.br
Larissa Pimenta, campeão pan-americana em Lima, também é cliente do hipnoterapeuta Maurici Mariano
Imagem: Abelardo Mendes Jr/ rededoesporte.gov.br

O levantador de peso Walter Brutus conheceu o trabalho de Mau em uma imersão de sua clínica Hyper Focus, na qual atletas de crossfit, surf, MMA e judô vão para tentar alcançar uma "mente blindada".

Após blindar a mente de Brutus e fazê-lo acreditar que uma carga de 150 kg era apenas 140 kg, o hipnoterapeuta temeu que o atleta não pudesse erguê-la por medo de decepcionar os amigos e o jornalista do UOL Esporte que foram vê-lo treinar.

"Faça por você, não por nós", pediu o bruxo, enquanto Brutus se preparava para seu maior desafio. Só após duas tentativas, o levantador conseguiu erguer a barra de 150 kg acima da cabeça e fazer um movimento completo, que seria validado em um torneio. Depois do treino, ele afirmou que só depois do movimento ele se daria conta do peso real que acabar de levantar.

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Imagem: Adriano Wilkson/UOL

"Passei o tempo todo achando que eram 140 kg e fiquei irritado porque 140 kg eu estou acostumado a levantar tranquilamente", disse.

No fundo, nunca será possível saber se a hipnose ajudou Brutus a levantar um peso além do seu habitual ou se ele conseguiria de qualquer forma. Ele afirmou não se lembrar de nada que o hipnoterapeuta lhe disse durante o transe, mas garantiu ter se sentido melhor, mais confiante e relaxado quando abriu os olhos.

De qualquer forma, para se preparar para os próximos campeonatos, Brutus continuará pegando pesado no treino, físico e mental, com a ajuda dos truques do bruxo.