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Alpaca, porquinho-da-índia e testículos: a gastronomia alternativa no Peru

Alpaca e porquinho-da-índia - Reprodução
Alpaca e porquinho-da-índia Imagem: Reprodução

Adriano Wilkson

Do UOL, em Lima (Peru)

07/08/2019 04h00

Considerada uma das mais ricas e diversificadas do mundo, a cozinha peruana está em alta. No centro de imprensa dos Jogos Pan-americanos de Lima, a organização costuma oferecer degustações de ceviche, o prato peruano mais conhecido, como uma forma de celebrar a premiada gastronomia local.

Mas a capital peruana esconde riquezas mais exóticas do que peixe cru marinado no limão, e a reportagem do UOL Esporte resolveu testar alguns pratos diferentões servidos em restaurante premiados ou não tão premiados assim. Esse guia da culinária alternativa revela pratos como medalhão de alpaca (prima da lhama), porquinho-da-índia frito (que aqui não é pet), espetinho de coração e refogado de testículos de boi, um prato bastante apreciado na periferia de Lima.

Os preços estão convertidos em reais de acordo com cotação de 05 de agosto de 2019.

Medalhão de alpaca

Medalhão - Adriano Wilkson/UOL - Adriano Wilkson/UOL
Imagem: Adriano Wilkson/UOL

Um viajante distraído talvez confunda lhamas com alpacas, mas a verdade é que, enquanto as alpacas são dóceis e ouvem comandos humanos, as lhamas cospem na sua cara e só ouvem heavy metal norueguês. Mais gentis que suas gêmeas más, as alpacas têm a carne macia, suculenta e com baixo teor de gordura.

O adorável animal marca presença nos cardápios de restaurante andinos, geralmente na forma de bife. Também é popular o charque, carne seca de alpaca. No Huaca Pucllana, o medalhão de alpaca (R$74) vem com molho de mostarda, ervas andinas e legumes refogados. Um prato respeitável.

Porquinho-da-índia frito

Cuy - Adriano Wilkson/UOL - Adriano Wilkson/UOL
Imagem: Adriano Wilkson/UOL

É possível se chocar ao descobrir que animais de estimação também são comestíveis, mas a verdade é que na região de Arequipa, no sul do Peru, cuys (o nome local para porquinho-da-índia, preá ou guinea pig) não são criados porque são fofos, mas sim porque são carne.

No El Characato de Oro, um restaurante frequentado principalmente por velhinhos saudosistas, o cuy frito (R$ 76,30) chega à sua mesa te observando agressivamente. É preciso lutar contra o bichinho para encontrar a carne. Quando deixei parte da carcaça e toda a cabeça intactas, Aurélio Chávez, o dono do restaurante, apareceu para bater um papo e reclamou: "O certo é deixar só os ossinhos."

Alguns chefs mais requintados oferecem releituras do prato feitas especialmente para gringos. Mas para comer o roedor à moda arequipenha, é preciso ter experiência ou ter nascido e crescido em Arequipa. Recomendo apenas aos mais aventureiros. No final, seu Aurélio ofereceu uma dose de pisco com anis "para limpar a gordurinha da boca".

Rins de boi

Rins - Adriano Wilkson/UOL - Adriano Wilkson/UOL
Imagem: Adriano Wilkson/UOL

O ser humano aprendeu a amar algumas partes do corpo do boi, mas para não jogar o resto fora, resolvemos cozinhar também seus órgãos vitais. Não sou fã de miúdos. Mas quando vi na primeira linha do cardápio do Isolina as palavras Rinones al vino (R$ 49,30) e descobri que essa é uma receita afetiva do famoso chef peruano Gastón Acúrio, me perguntei: por que não?

O Isolina foi eleito um dos 50 melhores restaurantes da América Latina em 2016, então se há um lugar seguro para comer pela primeira vez rins de boi, talvez seja lá. Os rins vieram fumegando em uma panela. A textura lembra cogumelos, mas o gosto não nega que essa carne saiu diretamente das entranhas de um bovino.

O rim do boi adulto é duro, então o que eu comi era provavelmente o órgão de um bebê, o que é triste. Não é ruim, mas também não é gostoso. Na metade do prato, já estava comendo só para não permitir que o novilho tivesse morrido em vão. Mesmo assim, deixei um terço na mesa. Perdão pelo vacilo.

Testículo de boi refogado

Refogado - Adriano Wilkson/UOL - Adriano Wilkson/UOL
Imagem: Adriano Wilkson/UOL

Em uma rua pouco movimentada da periferia de Lima, o restaurante Ena se confunde com as casas e mercadinhos do bairro de San Luís. Mas não se engane: a cozinheira Ena Bazalar é famosa na região por servir há mais de 30 anos a tripulina, um refogado com miúdos de boi (rins, intestino e testículo) comprados diretamente de um matadouro ali na frente. Nas paredes do lugar, diversas páginas de jornal mostram que Ena e seus miúdos são conhecidos da imprensa local e inclusive do renomado e onipresente chef Gastón Acúrio.

Como tinha pulado o café da manhã, me achei capaz de provar um prato ainda mais exótico: o cebiche de criadillas. A bondosa atendente Carol resolveu intervir: "Você sabe o que são as criadillas, certo?" Criadillas é como os peruanos chamam os testículos bovinos, eu sabia. "É que esse é um prato frio, cru, talvez a textura gelatinosa não seja tão agradável para você." Fez sentido.

Aceitando o conselho de Carol, escolhi uma opção menos radical, a salsa de criadillas (R$ 30), que são os testículos refogados com cebola e pimenta. Mandioca acompanha, assim como um grão local que lembra feijão. Não é um prato amigável, mesmo não sendo exatamente ruim. Para saborear talvez seja preciso esquecer o que aquela carne foi antes do cozimento. Não ajuda haver imagens de touros por todo lugar no restaurante.

No final, mesmo deixando mais da metade do prato intacto, comprovei que a iguaria é realmente apreciada na região. "Venho aqui pelo menos uma vez por mês. As criadillas e a tripulina desta senhora são uma delícia", disse Jorge Chávez, que levava para casa uma marmita com o que sobrou do almoço.

Espetinho de coração de boi

Anticuchos - Adriano Wilkson/UOL - Adriano Wilkson/UOL
Imagem: Adriano Wilkson/UOL

Para finalizar o tour da alimentação alternativa em Lima, uma opção realmente democrática, acessível aos paladares mais conservadores. Comer coração de boi talvez não seja tão comum no Brasil, mas no Peru os anticuchos são uma instituição popular, o protagonista de festas conhecidas como anticuchadas bailables, aonde as pessoas vão para comer corações e dançar. Poético. Os espetinhos são tão populares que podem ser encontrados com facilidade até mesmo em restaurantes peruanos no Brasil.

No Ají Seco, pedi espetinhos de coração e de frango com bacon (R$ 30). Eles vieram acompanhados de batata, milho e uma saladinha. A carne de coração é terna e suculenta. Não tem muito o que falar, só sentir.