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Reforma da previdência tornará aposentadoria quase impossível no esporte

Napoleão de Almeida

Colaboração para o UOL, em São Paulo

22/02/2019 04h00

Rodrigo de Lazzari foi jogador profissional de futebol por 11 anos. Passou por vários clubes do interior de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Goiás. Até jogou no exterior, em clubes de Itália e Portugal. Quando perguntado quanto tempo de contribuição para a previdência social acumulava, a resposta foi negativa. "Não sei. Preciso calcular. Eu nunca tive contratos muito longos. No máximo de um ano e meio. Mas muitas vezes eram contratos de seis meses, como a maioria dos jogadores do Brasil".

É uma situação comum no esporte brasileiro e que torna ainda mais complicada a situação dos atletas quando o assunto é aposentadoria. Ainda mais agora, que o governo tenta aprovar a reforma da previdência aumentando o tempo mínimo de contribuição para que o cidadão possa se aposentar. Com as novas regras, fica virtualmente impossível se aposentar como atleta profissional no Brasil.

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Atualmente, as regras para a aposentadoria preveem 35 anos de contribuição ou, para aposentadoria por idade (que atualmente é de 65 anos para homens), o mínimo de 15 anos contribuindo com o INSS. A proposta do Governo é subir o tempo mínimo para 20 anos e 40 anos de contribuição para ter 100% do valor de aposentadoria, durante um período de transição. O debate ainda seguirá para apreciação do Congresso.

O problema é que, em quase nenhum caso, os atletas se enquadram nessas exigências. "O atleta para de jogar aos 35 anos e fica por aí. E ainda tem o Estadual. Acabou, está desempregado, não conta a temporada toda. Só 15% tem contrato de trabalho o ano todo", analisa Alessandro Kishino, advogado ligado à área desportiva e que presta serviços para o Paraná Clube e outros clubes menores, como Aparecidense-GO e Operário-PR.

Os salários e a proporção da contribuição são outro drama vivido pela imensa maioria dos atletas. De acordo com o estudo da CBF, 82,4% dos jogadores tem rendimentos de até R$ 1 mil mensais - quando estão sob contrato. A faixa que recebe até R$ 5 mil por mês chega a 13,7%. O restante, menos de 5%, tem rendimentos acima dos R$ 10 mil mensais.

A Lei Pelé determina que atleta profissional é aquele cujo vínculo é "caracterizado pela remuneração pactuada em contrato formal de trabalho entre o atleta e a entidade de prática desportiva" - no caso, os clubes. Em 2016, o censo do futebol brasileiro da CBF apontou mais de 24 mil atletas com registro profissional em pouco menos de 700 clubes.

"Eles estão no regime normal, como qualquer trabalhador. Mas, pelo que apuramos, são poucos os atletas que conseguem se aposentar, por que eles não conseguem atingir o tempo mínimo de contribuição, especialmente em razão da dificuldade de retornarem ao mercado de trabalho após o final da carreira", comenta Kishino.

O caso é o mesmo em outros esportes. "Minha carreira profissional foi dos 16 aos 27 anos. Não fui registrada e não tinha previdência. Quando parei, comecei a trabalhar em clube em São Paulo, mas não era registrada. Trabalhei assim por 16 anos. Só tirei a carteira de trabalho há três anos, quando entrei no São Paulo. Isso é muito ruim. Eu fiz uma previdência privada e é a única coisa que eu tenho hoje nessa área", conta a tenista Dadá Vieira, ex-número 1 do Brasil.

Sindicato e Federação de Atletas costumam auxiliar na aposentadoria

Wilson Piazza, presidente da FAAP (Federação das Associações de Atletas Profissionais) - Reprodução - Reprodução
Wilson Piazza, presidente da FAAP (Federação das Associações de Atletas Profissionais)
Imagem: Reprodução
Com pouco tempo de contribuição devido à carreira curta, os ex-jogadores passam a precisar de auxílio para pedir a aposentadoria, além de buscar outra atividade profissional. A Federação das Associações de Atletas Profissionais (FAAP) é presidida por Wilson Piazza, tricampeão do Mundo com a Seleção Brasileira em 1970. Em 2010, a instituição montou um programa chamado Cidadania e Previdência, oferecendo soluções aos jogadores.

"Parte dos pedidos não se enquadram nos critérios por falta de documentação, por não possuir comprovação da condição de atleta profissional e até mesmo pelo ex-jogador já ter completado os 15 anos de contribuição", explica Piazza, via assessoria de imprensa.

Ele afirmou que a FAAP recebe cerca de 50 pedidos por ano. "Considerando o universo representativo da categoria, em relação a este projeto, realmente o número é baixo. Contudo, é intenso o atendimento dos demais benefícios disponibilizados pelo Sistema FAAP, a exemplo dos programas de bolsas de estudo (fundamental, médio, superior e profissionalizante, com mais de mil bolsas concedidas só em 2018), auxílio alimentação, auxílio saúde, auxílio aos ex-atletas que adquiriram hepatite C nas décadas de 1960,70 e 80, entre outros".

A FAAP também cobra dívidas dos clubes por conta da ausência do pagamento de percentuais entre 0,5% e 0,8% em transferências e contratações. O dinheiro é usado para auxiliar os atletas que procuram a Federação em busca de amparo das mais diversas origens.

O Sindicato dos Atletas Profissionais de São Paulo também lida com situações assim. "Nós já fornecemos o serviço de auxílio em aposentadoria por invalidez parcial, nos casos em que atletas e ex-atletas acabam adquirindo algum tipo de inaptidão por conta de acidentes de trabalho", explica Guilherme Martorelli, advogado do órgão. Ainda com as mudanças indefinidas, ele prefere esperar para analisar futuras consequências. "Precisamos esperar ver o que de fato vai ocorrer para saber como podemos auxiliar os atletas", projeta.