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Ex-juiz federal recebeu propina para liberar obra de VLT em Cuiabá, diz MPF

O ex-juiz federal de MT Julier Sebastião da Silva, acusado de vender decisões judiciais - Reprodução
O ex-juiz federal de MT Julier Sebastião da Silva, acusado de vender decisões judiciais Imagem: Reprodução

Vinícius Segalla

Do UOL, em São Paulo

03/02/2015 19h48

Um ex-juiz federal de Mato Grosso recebeu propina de empreiteiras para liberar a obra do VLT (Veíulo Leve sobre Trilhos) de Cuiabá, projeto de R$ 1,47 bilhão inserido no plano de mobilidade urbana do Brasil para a Copa do Mundo de 2014, mas que ainda se encontra em obras. 

É esta a conclusão a que levaram investigações conduzidas pelo Ministério Público Federal e pela Polícia Federal. As autoridades identificaram um conluio de empresas do ramo da construção civil com interesses em contratos com o Governo do Estado de Mato Grosso que influenciou decisões judiciais de um membro da magistratura federal que atuava em Mato Grosso. O ex-juiz nega as acusações (veja abaixo).

Uma ação penal proposta pelo MPF, no dia 30 de janeiro de 2015, denunciou, pelos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção ativa e passiva, o empresário Osvaldo Alves Cabral, e também o ex-juiz federal Julier Sebastião da Silva, por atos funcionais praticados enquanto magistrado, cargo que ocupou até o dia 2 de abril de 2014, quando foi publicada a exoneração dele do cargo, a pedido, para se dedicar às pretensões políticas.

A investigação por meio de monitoramento telefônico, quebra de sigilo bancário, busca e apreensão, colheita e análise de informações e oitiva de pessoas comprovou que Julier Sebastião da Silva cometeu crimes funcionais quando exerceu a titularidade da 1ª Vara da Justiça Federal de Mato Grosso atuando em processos de interesse do grupo representado por Osvaldo Cabral, que atuava como lobista de empresas na área de construção civil. Em troca, o então juiz federal recebia uma mesada e tinha despesas ligadas ao seu projeto pessoal e político pagas com dinheiro vindo de empresas beneficiadas por decisões dele enquanto juiz e que mantinham contratos diretos ou indiretos com o Governo do Estado.

A investigação demonstrou que a relação entre o empresário Osvaldo Cabral e Julier Sebastião da Silva vai muito além da alegada amizade entre ambos. O empresário era um dos principais articuladores políticos de Julier, sendo também um homem de confiança que arcava com diversas despesas do magistrado, além de transferir mensalmente dinheiro a ele, emprestar veículo de luxo em troca de “favores judiciais”.

Uma das empresas representadas por Osvaldo Cabral era a Planservi Engenharia Ltda, que almejava um contrato com o Consórcio VLT Cuiabá, vencedor da licitação para executar o projeto do VLT entre Cuiabá e Várzea Grande.

A Planservi assinou contrato com o Consórcio VLT Cuiabá no valor de R$ 46,9 milhões, para prestar o serviço de consultoria e supervisão da obra. O contrato foi firmado logo após as obras do VLT serem liberadas por uma decisão do juiz Julier Sebastião da Silva, que atuou poucos dias no caso em substituição ao juiz titular da causa. O juiz titular, que nesse período estava de férias, havia atendido ao pedido liminar da ação civil pública dos Ministérios Públicos Federal e Estadual, em agosto de 2012, e suspendeu a obra por uma série de irregularidades indicadas pelos procuradores da República e promotores de Justiça.

O dinheiro oriundo do contrato do consórcio VLT Cuiabá, que já havia sido empregado no pagamento do contrato com a Planservi, segue o seu caminho em direção aos denunciados pelo MPF. 

Segundo os procuradores federais, o dinheiro que saiu dos cofres públicos para o pagamento do Consórcio VLT Cuiabá, que está executando a obra do veículo leve sobre trilhos, seguiu pelas contas da construtora Planservi e foi parcialmente distribuído a Osvaldo Cabral, que custeava despesas do então juiz Julier Sebastião da Silva.

Os documentos e anotações de Osvaldo Cabral, apreendidos durante a investigação, mostram a contabilidade detalhada feita por ele e que tem Julier como beneficiário de várias despesas relacionadas ao projeto político dele.

Entre os anos de 2012 e 2013, a investigação apontou que Julier Sebastião da Silva recebeu ao menos R$ 135 mil, em pagamentos mensais que variavam entre R$ 15 mil e R$ 20 mil, além de ter despesas pagas na ordem de R$ 57 mil relacionadas às articulações do juiz para dar seguimento ao seu projeto pessoal de entrar na vida política.

Em nota divulgada nesta terça-feira, Julier nega todas as acusações:

"Reafirmo a confiança nas instituições envolvidas e a minha surpresa e indignação em face das notícias em questão, consignando que sempre pautei minha conduta pessoal e profissional com a mais absoluta ética, imparcialidade e seriedade, como é do conhecimento de toda a sociedade mato-grossense."


UOL denunciou obra em 2012

Em agosto de 2012, o UOL Esporte publicou, com exclusividade, a denúncia de um então assessor especial do governo de Mato Grosso, Rowles Magalhães Pereira da Silva, de que as empreiteiras líderes do Consórcio VLT Cuiabá pagaram uma propina de R$ 80 milhões ao governo estadual do então governador Silval Barbosa para vencer a licitação.

Depois da reportagem, o MPF pediu e obteve uma liminar na Justiça Federal para paralisar a obra. Dias depois, o então juiz federal Julier voltou a liberar a obra. O UOL Esporte, então, publicou uma reportagem informando as ligações que Julier tinha com membros da Secopa-MT, pasta do executivo estadual responsável pela obra.

A obra do VLT cuiabano, orçada, em 2012, em R$ 1,47 bilhão, fazia parte da Matriz de Responsabilidade da Copa, que continha todas as obras que as autoridades brasileiras julgavam necessárias para a realização do Mundial de 2014. O sistema de transporte público, porém, ainda não está pronto e nem deverá ser concluído neste ano.

O atual governo mato-grossense (que tomou posse em janeiro deste ano) ainda estuda se dará conclusão à obra, que está parcialmente construída e já consumiu recursos públicos, mas somente na semana que vem poderá dar mais detalhes sobre a situação em que encontrou o projeto, após a conclusão de uma auditoria interna que está sendo executada em todas as obras da Copa.