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Menino tem perna amputada por câncer, renasce no surfe e busca patrocínio

Juan, 11, sobreviveu a um câncer ósseo. Hoje, sonha em ser surfista profissional - Arquivo Pessoal
Juan, 11, sobreviveu a um câncer ósseo. Hoje, sonha em ser surfista profissional Imagem: Arquivo Pessoal

Talyta Vespa

Do UOL, em São Paulo

08/08/2020 04h00

Faz três anos que as noites de segunda e quarta-feira são insones para o pequeno surfista Juan, de 11 anos. A mãe do atleta, Jennifer Carneiro, diz que os dias que antecedem o surfe deixam o filho tão ansioso e alegre que não há o que o acalme. Juan tem aulas de surfe três vezes por semana, por um projeto social de surfe adaptado. Ele teve a perna direita amputada em decorrência de um câncer ósseo, quando tinha apenas seis anos.

Em entrevista ao UOL, Jennifer se emociona ao relembrar do momento em que o filho soube que perderia uma das pernas —e de como foi ele quem consolou a mãe, enquanto os dois choravam no chuveiro. Juan, que era apaixonado por futebol (e passava dias inteiros jogando com os amigos), descobriu no surfe a possibilidade de se manter no esporte —por ideia e ajuda de um tio. Hoje, ele participa de campeonatos locais enquanto a família corre atrás de patrocínio.

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A mãe assume ter ficado apreensiva com a ideia de o filho surfar:

"Juan foi uma criança muito esperada, meu primeiro filho. Tive uma gravidez difícil, com pré-eclâmpsia. De médicos, ouvi que ele não poderia nascer de parto normal. E nasceu. De lá até hoje, todos os dias, é ele quem me ensina a viver de verdade, visse?

Nos dias que antecedem as aulas de surfe, ele se embola na cama e fica numa vibração tão grande que até a gente sente. A ideia de colocá-lo no surfe foi do meu cunhado, que é surfista. Um dia, ele chegou em casa e perguntou: 'Juan, sabia que tu pode surfar? Tu quer?'. E meu filho respondeu: 'Mas como? Eu não consigo'. Ele insistiu: 'Tu pode surfar. Quer?'.

'Claro que eu quero'. Na hora, subiu um calafrio, sabe? Pensei: 'meu Deus, esse menino já passou por tanta coisa'. Pensei em dizer não. Mas refleti muito, pensei no quanto ele já havia sido poupado de brincar e de viver por tudo isso que aconteceu. O Juan teve um câncer ósseo aos seis anos. Por dois anos inteiros, ele só via o sol e o mar pela janela do hospital.

juan - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Juan participa de dois projetos sociais de surfe para pessoas com deficiência
Imagem: Arquivo Pessoal

O primeiro dia no mar, tu nem imagina, foi um sucesso. Todo mundo na praia olhando admirado. Um surfista aqui do bairro, Titanzinho, em Fortaleza, viu a cena e convidou o Juan para fazer umas aulas na escolinha dele. A gente foi, pensa, ele maravilhado. Na primeira aula, apareceram sete golfinhos no mar naquele exato momento. Moça, fazia 30 anos que não aparecia golfinho no Titanzinho.

Depois desse dia, Juan olhou bem no fundo dos meus olhos e disse:

'Mãe, lá no mar, eu sinto que tô com as duas pernas. Me sinto livre. Vou te dar muito orgulho, mãe. Vou ser surfista profissional e a gente vai viver bem; a gente vai todo dia ao shopping, eu prometo. A senhora nem vai mais precisar fazer almoço porque a gente vai almoçar no shopping, eu que vou pagar'.

Foi no shopping, inclusive, que eu senti na pele, pela primeira vez, como as pessoas conseguem ser cruéis. E quando é com o nosso filho, aí que a gente sente, mesmo. Estávamos meu marido, eu e o Juan —ele de muletas— passeando pelas lojas, até que uma criança parou, encarou meu filho e disse: 'Olha só um menino sem perna. Ele não pode nem correr'.

"Juan corre tão rápido que não consigo pegá-lo", conta a mãe - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
"Juan corre tão rápido que não consigo pegá-lo", conta a mãe
Imagem: Arquivo Pessoal

Eu comecei a chorar, não me aguentei. Doeu em mim. Juan olhou para mim e disse 'mamãe, não chore porque eu não ligo'. E, logo, pegou as muletas e saiu correndo, rápido que só a peste, alegre e gritando 'olhe, mamãe, como eu posso correr'. E ele corre, viu? Eu não pego essa criança quando ela desembesta a correr, nem o pai. Ele corre muito rápido.

Juan, além de surfar, também faz capoeira. Ele é uma criança muito ativa, mais do que era antes da doença, acredita? Antes, ele jogava bola —e como gostava! Dizia que queria ser jogador de futebol. Até que um dia, brincando, um pedaço da telha caiu em cima da perna dele. Com o passar dos dias, aquilo começou a inchar, inchar...

Fomos até o hospital. Ele andava normalmente e não sentia dor, mas o calombo só crescia. Lá, fizeram um raio X e, logo no exame de imagem, o médico viu que tinha algo errado. Pediu mais um monte de exame, e a gente ficou por lá das 11h de sábado até as 2h de domingo. Pela tomografia, descobriram que o Juan tinha um câncer ósseo —e que a chance de cura era de 6%. Eu disse ao médico: 'doutor, eu quero a solução. O que eu preciso fazer?'.

E ali começou uma trajetória de cura que durou dois anos. Fizemos as malas e, na semana seguinte, nos internamos pela primeira vez com Juan. Seis meses depois do início do tratamento, o médico me avisou sobre a amputação. Passei duas semanas chorando sem parar. Eu chegava do trabalho —nos poucos dias em que ele estava em casa e, não, no hospital— e passava na minha mãe antes de entrar. Chorava tudo o que tinha que chorar para que ele não visse.

Foram duas semanas em prantos até que eu, finalmente, tomei coragem de contar a ele sobre a amputação. Foi um dos dias mais difíceis da minha vida. Estávamos no banheiro, eu comecei a banhá-lo e a falar: 'Meu filho, tem uma doença muito feia na sua perninha e a gente vai precisar tirar'. E ele disse: 'Mamãe, mas eu preciso da minha perna. Como eu vou jogar bola com meus amigos?'. E começou a chorar. Aí eu não aguentei.

juan - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Juan, aos seis anos, carequinha devido à quimioterapia
Imagem: Arquivo Pessoal

Comecei a chorar junto e o abracei, magrinho, carequinha, frágil. Meu Deus! Quando ele me viu chorando, tu nem imagina. Parou de chorar na hora e disse: 'mamãe, não chore mais, eu vou vencer. Se for preciso, eu vou tirar, mas por favor, tu me promete que vai comprar uma perninha pra mim?'.

Quando ele saiu da sala de cirurgia e o médico me mostrou, eu desmaiei. Acho que, lá no fundo, tinha uma pontinha de esperança de que, na hora, ele pudesse achar que era possível retirar o tumor sem retirar a perna. Ali, recomeçamos do zero. Passava horas mostrando a ele fotos e notícias de paratletas —e falando sobre como eles eram incríveis. Juan é torcedor do Fortaleza, é apaixonado em futebol. Nesses esportistas, ele começou a se enxergar e a ter vontade de viver o esporte de novo.

Hoje, cinco anos depois, Juan sonha em ser surfista profissional. Ele é aluno do projeto A Mar é Vida, que ensina surfe a pessoas com deficiência, lá na Praia do Futuro, aqui no Ceará. Ele adora, a gente encontrou nossa segunda família. Lá, ele sente que não está sozinho. Além desse projeto, meu filho surfa por outro, esse no Titanzinho, aqui perto de casa.

Projeto de surfe A Mar É Vida, que ensina surfe para pessoas com deficiência - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Projeto de surfe A Mar É Vida, que ensina surfe para pessoas com deficiência
Imagem: Arquivo Pessoal

Já participou de alguns campeonatos aqui perto, mas sempre quando as competições acontecem mais longe daqui, ele não consegue ir. O custo é alto, a gente não tem como bancar transporte, alimentação e tudo mais. Por isso, estamos em busca de patrocínio. Espero, de verdade, que a gente consiga logo. O surfe fez Juan renascer e, hoje, ele não se vê mais longe desse esporte. Nem ele, nem a gente."