|   | Fernando Meligeni tira o seu circo de campo
Tenista anuncia sua aposentadoria em São Paulo e deixa as quadras do circuito profissional sem o seu carisma e sua irreverência; "quero um pouco de paz; eu quero ser só um sujeito normal"
Por Régis Andaku Em São Paulo
Colaboraram Lello Lopes, Marcos Pereira e Murilo Garavello
 |  |  Divulgação |  | Meligeni faz das suas: veja fotos |  | |  Cena 1: Paris, sábado nublado, 2 de junho de 2001. Fernando Meligeni está em Roland Garros. Disputa o terceiro set de um jogo equilibrado contra Andre Agassi, valendo vaga nas oitavas-de-final. A torcida tem seu preferido: "Andre, Andre!", ouve-se das arquibancadas no início da partida.
Perdendo o terceiro set, 0-2, Meligeni corre de um lado para outro, atrás da bola, no ponto mais disputado daquele dia. Agassi, impiedosamente, desfere sete bolas seguidas em cantos opostos. Meligeni resiste. Com poucas chances de ganhar o ponto, encontra uma brecha e arrisca subir à rede. Agassi tenta a passada; Meligeni pula, voa em direção à bola, mas não a alcança. Cai no saibro e só levanta segundos depois, sujo, dolorido.
A CARREIRA, ANO A ANO | 1989 | Faz o 1º jogo como profissional | Vence 1º jogo como profissional | 1990 | Disputa dois torneios Challenger -cai na segunda rodada de ambos | 1991 | Bate Cássio Motta no Guarujá e obtém 1ª vitória em torneios ATP | 1992 | Estréia em Grand Slams com uma derrota no Aberto dos EUA | 1993 | Ganha dois Challengers em São Paulo e um em Campinas | Vai às oitavas em Roland Garros; cai diante do campeão Bruguera | Estréia na Davis contra a Bélgica | 1994 | Semifinal em Coral Springs (EUA) | Ganha o Challenger de Ribeirão Preto; vice em Natal e Campinas | 1995 | Final do Torneio do México | Campeão em Bastad (Suécia) | 1996 | Semifinal do Torneio do México | Campeão em Pinehurst (EUA), batendo Rafter e Wilander | Acaba em 4º na Olimpíada | Ganha Challenger do Cairo (Egito) | 1997 | Derrota Michael Chang (segundo no ranking mundial) em Atlanta | Vai à 3ª rodada do Aberto dos EUA | 1998 | Campeão em Praga (TCH) | Cai nas oitavas em Roland Garros | Campeão do Challenger de SP | 1999 | Vai às quartas em cinco torneios | Faz 6-3 e 6-1 em Pete Sampras | Vai à semifinal de Roland Garros | Melhor posição da carreira: 25º | 2000 | Bate Karol Kucera e leva o Brasil para as semifinais na Copa Davis | Ganha Challenger de Guadalajara | 2001 | Ganha 1º jogo em Wimbledon | É vice do Aberto do Brasil | Vai às quartas em três torneios | 2002 | Vice em Acapulco, no México | Semifinal em Estoril | Derrota Andy Roddick | 2003 | Obtém em Houston, contra Vince Spadea, última vitória da carreira | Perde no quali de Roland Garros | | Meligeni não bateu Agassi naquele dia; conseguiu uma proeza maior: roubou para si toda a torcida que estava na quadra central. Nem Agassi resistiu: aplaudiu sinceramente Meligeni. Desde então, ele coloca o brasileiro na lista de tenistas com quem tem mais prazer em jogar. "Fernando faz do jogo de tênis um dos espetáculos mais bonitos de se ver. Se você ganha dele, é sinal de que jogou um tênis de verdade."
Cena 2: Rio, tarde de domingo, 9 de abril de 2000, sol forte. A arquibancada cheia de brasileiros na Barra da Tijuca acompanha, incrédula, a derrota de Gustavo Kuerten para o eslovaco Dominik Hrbaty, adiando para o quinto e último jogo a definição do confronto pela segunda rodada da Copa Davis.
"Agora, f...", solta um torcedor. "Vamos depender do Meligeni no quinto jogo. Se a gente for embora, dá tempo de pegar uma praia ainda", diz, às 13h. A arquibancada, cheia durante o jogo de Kuerten, começa a apresentar buracos quando Meligeni saca. Quando ele perde o primeiro set, a arena esvazia.
Ao virar o jogo e ficar perto de fechar a partida e classificar o Brasil para as semifinais da Copa Davis, lá pelas 16h, Meligeni vê a arquibancada encher novamente. Muita gente que tinha ido embora voltou. Alguns da praia, outros que bebiam cerveja por perto. "As coisas nunca vêm fáceis para mim."
Não é pequena a lista de conquistas de Meligeni no tênis: três títulos em seis finais de ATP Tour, sete títulos de Challenger, uma semifinal de um Grand Slam, quarto lugar em uma Olimpíada, atuações brilhantes, várias partidas inesquecíveis no circuito e na Copa Davis. "É mais do que eu imaginava quando estava começando a carreira."
Maior, porém, é a dimensão que sua figura ganhou no circuito profissional nestes 14 anos em que jogou. Com atuações cheias de raça, acrobacias e brincadeiras, Meligeni ganhou mundo afora uma fama muito maior do que permitiriam as conquistas em quadras.
A habilidade para entreter torcedores, sua aplicação e a garra exibidos em todos os torneios fizeram do brasileiro um jogador reconhecido pelos seus pares, do primeiro ao ducentésimo colocado no ranking. Se são poucas as vezes que seu nome foi precedido pela palavra "campeão", perdem-se a conta das vezes em que vieram juntos as palavras "genial", "show-man", "irreverente", "talentoso", "raçudo".
Meligeni abandona as quadras quando seu corpo começa a não suportar o tranco das competições e o ritmo dos novos jogadores. Como pano de fundo, a falta de ânimo, principalmente para suportar os treinos físicos, cada vez mais importantes no tênis atual. "Eu não estava conseguindo mais treinar forte como antigamente e também não conseguia ter mais a mesma dedicação na parte mental. Não queria continuar jogando o circuito apenas para conhecer novas cidades ou só para encontrar amigos."
Daqui para a frente, Meligeni continuará ligado ao tênis, mas sem aquela obrigação de manter uma vida de atleta profissional. "Vocês vão me encontrar bem mais nas baladas", sorri. "Já faz tempo que não comemoro uma data importante com a minha família, e tem uma hora que a gente sente falta disso", relata, agora já sério. "Quero um pouco de paz."
A decisão de Meligeni, pensada e repensada por quase dois anos, não tem volta. Agora, ele já não é mais jogador profissional de tênis. "Sempre disse que, no dia que não pudesse mais dar 110% de mim, deixaria as quadras. Essa hora finalmente chegou. Agora, quero ser um cara normal."
O site oficial de Meligeni está no UOL. Clique aqui para entrar. Publicado em 05 de junho de 2003 | |