"É hora de me expor"

Depois de oito anos à sombra de Cássio, Walter deixa o Corinthians para ser protagonista no novato Cuiabá

Brunno Carvalho Do UOL, em São Paulo Rodrigo Coca/Agência Corinthians

Walter cumpriu a mesma rotina durante oito temporadas. Treinava forte durante a semana, mas acompanhava os jogos do Corinthians no banco de reservas. Teve ano que deu para contar nos dedos de uma mão quando o caminho mudava e ele ia para o gramado.

Trabalhava cinco ou seis meses para jogar uma partida."

A missão era difícil. Durante todo esse período, Walter viveu à sombra de um dos maiores ídolos do clube. Era raro o momento em que Cássio dava um espaço para que o reserva tivesse uma sequência longa com a camisa alvinegra.

Aos 33 anos, Walter decidiu que era o momento de escrever uma nova história. Deixou a reserva de Cássio para ser titular e um dos mais experientes do elenco do Cuiabá, que disputará pela primeira vez o Brasileirão.

"Preferi sair para tentar algo a mais —mesmo que não desse certo. Pelo menos não fico com peso na consciência de não ter tentado", explica o goleiro, em entrevista ao UOL Esporte.

Rodrigo Coca/Agência Corinthians

A titularidade te deixa mais exposto e a cobrança aumenta. E é o que eu estava querendo. Vim para o Cuiabá para fazer isso: ficar exposto, errar e acertar."

Walter

Walter explica saída após oito anos de Corinthians

A hora certa

Walter viu na proposta do Cuiabá a chance de permanecer na elite do futebol brasileiro. Aos 33 anos, entendeu que se deixasse mais um bonde passar, talvez não conseguisse subir em outro. "Se eu ficasse mais um ou dois anos no Corinthians, ia chegar em uma idade que talvez não conseguisse um time de Série A."

O Cuiabá foi atrás de Walter quando a temporada de 2020 terminou. Em entrevista à revista "Placar", Cristiano Dresch, vice-presidente do clube, afirmou que o goleiro tinha outras propostas, mas acabou convencido a ir para Mato Grosso. Segundo Walter, as ofertas foram anteriores. "Quando chegou a proposta do Cuiabá, não tinham outras no meio do caminho, elas apareceram antes de eu chegar aqui. Por palavra e pela motivação que eu estava para vir para cá e fazer algo diferente, acabei optando e mantendo a minha palavra", explica.

Outros bondes, porém, passaram nesses oito anos. E Walter não subiu. Em 2017, o São Paulo chegou a sondar o goleiro, mas a possibilidade de adeus foi maior em 2019. Naquele ano, o time alvinegro decidiu que não renovaria seu contrato. "Aí os clubes começaram a vir atrás de mim."

O Fluminense chegou a avançar em negociações. Walter revela que o Ceará também fez uma proposta. A preocupação com as convocações de Cássio para a seleção brasileira, porém, fizeram o Corinthians voltar atrás e segurar seu reserva. "Eu fiz dois ou três jogos no meio daquele ano e fui muito bem. Foi meu desempenho mesmo que fez com que a diretoria optasse pela renovação", explica.

Daniel Augusto Jr./Agência Corinthians Daniel Augusto Jr./Agência Corinthians

O vai e volta de 2016

A grande chance de Walter no Corinthians foi em 2016. Era um ano turbulento para o clube, especialmente por causa do assédio do futebol chinês, que levou boa parte do elenco campeão brasileiro, somado à ida de Tite para a seleção brasileira. Naquela temporada, o camisa 27 viu Cássio ser barrado no início do Brasileirão, mas recuperar a posição quando Walter se machucou.

A lesão precisou de poucas semanas de recuperação, mas foi o suficiente para a volta do campeão mundial. "[Foram] Só quatro jogos, só duas semanas fora. A gente fica com um pouco de tristeza, mas acata", disse o goleiro à época. O período também marcou uma troca de treinadores: Fábio Carille, então interino, deu lugar para Cristóvão Borges.

A fase de Cássio seguiu irregular e, quando o Corinthians trocou novamente de técnico, Oswaldo de Oliveira foi o escolhido, Walter ganhou nova chance. O camisa 27 atuou até o fim do Brasileirão e completou 24 jogos na temporada, seu recorde com a camisa do Corinthians. Para 2017, a diretoria decidiu demitir Oswaldo e efetivar Fábio Carille. Cássio voltou ao gol e não perdeu mais a posição. Foi importante no título brasileiro e acabou convocado para a Copa do Mundo de 2018.

O Cássio voltou um monstro, pegando tudo. Não tem nem o que falar, meu respeito por ele é imenso."

Rodrigo Coca/Agência Corinthians Rodrigo Coca/Agência Corinthians

Líder fora de campo

Walter era visto como uma peça importante no Corinthians. A avaliação era de que o goleiro conseguia exercer liderança sobre o elenco apesar de não ser titular. E, nas vezes em que era preciso, entrava e resolvia dentro de campo.

Nunca entrava na hora boa, né?"

"Sempre era quando estava brigando para não cair, ou era uma situação que tinha que ganhar de qualquer jeito. Mas eu sempre dava conta do recado", diz, sorrindo.

As boas atuações serviram por anos como argumento para quem pedia sua titularidade. O assunto era pauta constante nas redes sociais e em programas de televisão. Em outubro do ano passado, quando Cássio vivia má fase, os blogueiros do UOL se dividiram sobre quem deveria ser o titular.

"Eu ficava feliz com esse reconhecimento. Sempre fui muito concentrado no meu trabalho, sempre procurei evoluir primeiro e depois ajudar meus companheiros. E sabia que não estavam querendo desmerecer o Cássio quando falavam isso".

Walter encerrou sua passagem pelo Corinthians com 91 partidas em oito temporadas. Ele sofreu 73 gols, uma média de 0,80 gol por jogo. O eterno titular Cássio tem uma média quase igual: 0,81 gol/jogo, com 511 partidas e 416 gols sofridos.

Reprodução Reprodução

Acesso Total

Essa liderança fora de campo de Walter pôde ser vista no documentário "Acesso Total", feito pelo SporTV, que acompanhou a reta final do Corinthians no Brasileirão do ano passado. Era comum ouvir o goleiro incentivando ou orientando os companheiros no vestiário antes ou no intervalo das partidas. A experiência de ser filmado o tempo todo foi comparada com o Big Brother Brasil pelo goleiro.

Na série, ele chega a dizer que a única diferença é que no reality show as cenas de nudez eram editadas. "Você acaba esquecendo totalmente da câmera, cara. Você entra no vestiário, vê aquelas câmeras e nem liga mais. E vai pelado mesmo, entra pelado, sai pelado, a câmera sai... e vida que segue", brinca.

A série foi alvo de críticas do atacante Mauro Boselli, que se disse incomodado com a exposição da reunião em que foi avisado de que seu contrato não seria renovado. Já Walter diz não ter se importado quando a conversa que selou sua ida para o Cuiabá apareceu no documentário. "Ela foi feita para o documentário, mas foi bem tranquilo. Eu vi que estavam as câmeras ali, a gente sabia como seria o tom da conversa. Era uma situação que estava no finalzinho da série e eu falei: 'ih, vai passar, quer ver?'. Aí não deu outra".

"É igual BBB, você ignora as câmeras"

Divulgação/Cuiabá Divulgação/Cuiabá

Velhos conhecidos

Walter vive uma realidade no Cuiabá diferente da que estava acostumado no Corinthians. Em seu primeiro ano na elite, o clube ainda busca se modernizar para fazer frente aos concorrentes. "Sabe aquela coisa de ser o simples, mas tudo bem organizado? É assim. A cada dia tem coisa mudando aqui: um aparelho novo na academia, uma situação nova no clube. Isso é muito gratificante, porque mostra que vai ter essa evolução."

O processo de adaptação ao clube mato-grossense ficou mais fácil com os reforços que chegaram. Seis contratações feitas pelo Cuiabá são de jogadores que passaram pelo Corinthians enquanto Walter estava lá: o zagueiro Marllon, o lateral Uendel e os atacantes Clayson, Jonathan Cafú e Elton.

"Isso com certeza ajuda na adaptação. São jogadores que a gente sabe como lidam com o trabalho. Espero que deem liga com os outros atletas que estão aqui, porque temos um bom elenco. Tem uns meninos que já estavam aqui e podem dar respaldo pra gente. Vai dar tudo certo."

Walter mantém os pés no chão ao falar sobre a temporada. O grande objetivo da equipe é conseguir permanecer na elite. "Temos que ir ponto a ponto. Se depois que conseguirmos a pontuação necessária pudermos buscar outras coisas, show. Mas a permanência é o principal."

Divulgação/Cuiabá Divulgação/Cuiabá

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