Fora de campo

Sem ir a estádios, torcedores violentos de Corinthians e Palmeiras disputam o domínio de uma avenida em SP

Adriano Wilkson Do UOL, em São Paulo Reprodução

Na última quarta-feira, enquanto Corinthians e Palmeiras disputavam o primeiro jogo da final do Campeonato Paulista em um estádio vazio de Itaquera, dezenas de torcedores organizados se preparavam para uma batalha a 26 km dali.

Na Av. Inajar de Souza, na zona norte de São Paulo, eles marcharam colados uns aos outros, e sua beligerância levou os moradores da região a puxar os celulares e gravar. As imagens mostram os membros da torcida Mancha Alviverde cantando um de seus gritos de guerra:

"Ei, filha da put*!
Vem correr de novo, seu cuzã*!
Nós queremos gavião
Nós queremos gavião"

Reprodução

Trata-se de uma referência aos rivais da Gaviões da Fiel. Os torcedores percorreram a avenida e foram dispersados pela Polícia Militar, que depois informou ter encontrado pedaços de pau e pedras em suas mãos. Nos vídeos, também é possível ouvir explosões de fogos de artifício, que são tradicionalmente usadas como armas em brigas de torcida.

Aquele jogo em Itaquera terminou 0 a 0. Nas redes sociais, os beligerantes palmeirenses, que não encontraram nenhum rival da Gaviões pela frente, cantaram vitória por W.O.

"Disposição é pra quem tem, não pra quem quer. Mais um W.O, já pode pedir música", escreveu um membro da Mancha, ao comentar um dos vídeos da caminhada. Foi a terceira vez em um mês que torcedores do Palmeiras tomaram as ruas para enfrentar corintianos, em brigas que são combinadas provavelmente pelo WhatsApp.

"Não nos convidem para uma festa, se não forem comparecer. Somos uns convidados muito indigestos", escreveu um palmeirense no dia 23 de julho, após outro encontro frustrado.

A escolha do local dessas marchas não é fortuita. A Av. Inajar de Souza foi o palco de uma das brigas mais lembradas na rixa entre as duas torcidas. Em 2012, dois palmeirenses foram mortos ali, em uma suposta vingança pelo assassinato de um corintiano no ano anterior. O caso segue em aberto. E desde então as duas torcidas disputam o "domínio" da avenida.

Antes do jogo da volta da final do Paulista, que seria vencida pelo Palmeiras, circularam em grupos de WhatsApp, no Facebook e no Twitter fotos de corintianos que estariam indo à Inajar. Nesse dia também não houve encontro entre torcedores rivais.

Reprodução

As diretorias de Mancha e Gaviões dizem não incentivar essas reuniões. Em anúncios oficiais, tentam convencer seus membros a ficarem em casa, respeitando o isolamento social. Mas nem todos os organizados seguem a orientação, como mostram fotos, vídeos e anúncios de reuniões em suas redes sociais.

Com a volta do futebol e sem poderem estar fisicamente nos estádios, os torcedores tendem a encontrar formas de extravasar sua torcida e suas rivalidades em outras áreas da cidade. Na maioria das vezes, a rivalidade se apresenta na forma de provocações bem-humoradas e tirações de sarro no ambiente virtual ou nas ruas. Torcedores têm estendidos faixas em pontes e viadutos, fazendo referência a vitórias em campo ou fora dele.

Mas em algumas situações, a rivalidade vira ameaça de violência e caso de polícia.

Robson Ventura/Folhapress

Duas mortes ainda não esclarecidas

A disputa pelo controle da Inajar de Souza entre torcedores de Corinthians e Palmeiras teve início após o assassinato de André Alves Lezo e Guilherme Vinícius Jovanelli Moreira em 25 de março de 2012. Naquele dia, Corinthians e Palmeiras se enfrentaram no Pacaembu, mas horas antes, organizados da Gaviões atacaram rivais da Mancha na Inajar.

Na denúncia feita à Justiça, o Ministério Público narra que um grupo de torcedores do Corinthians alugou dois ônibus e saiu pela cidade buscando "correligionários" para a briga, que havia sido combinada pela internet. Ainda segundo a denúncia, os corintianos foram à Inajar não apenas com a intenção de fazer uma "batalha campal", mas sim para matar os rivais e vingar a morte de Douglas Karim da Silva no ano anterior.

Douglas havia sido morto em outra briga com palmeirenses e seu corpo foi encontrado no rio Tietê.

Quando os corintianos chegaram à Inajar, encontraram uma Fiorino abastecida com cabos, enxadas e pás, além de barras de ferro. As armas foram retiradas do carro na avenida momentos antes da emboscada. Na briga, os dois palmeirenses morreram, um deles com um tiro na cabeça. Desde então, antes e depois de clássicos com o Palmeiras, membros da Gaviões costumam entoar uma paródia da canção "Whisky a Go Go" que relembra o feito:

"Foi numa festa na Inajar de Souza
Que a sua fama porco acabou
Os porco imundo correu rapidinho
Tanta barrada que vocês tomou
Meu coração pulou de alegria
Quando mandei o Lezo pro caixão
O porco imundo morreu num segundo
Eu vi seu sangue escorrendo no chão
No dia 25, na zona norte aconteceu
Azar dos porco imundo,
Trombou o gaviões e morreu
O Cléo morreu e o Munhoz também
Os gaviões já matou mais de cem
Matar você
Um porco a mais não faz mal"

Em abril do ano passado, a juíza Fernanda Salvador Veiga decidiu mandar nove torcedores ligados à Gaviões a júri popular, acusados dos dois homicídios. Outros dez associados da Mancha vão responder por formação de quadrilha. Ainda não há data de julgamento.

Luís Adorno/UOL

Encontros e desencontros em protestos políticos

Nos meses em que o futebol brasileiro ficou parado por causa da pandemia do novo coronavírus, as torcidas organizadas protagonizaram protestos contra o governo de Jair Bolsonaro. E a rivalidade entre Palmeiras e Corinthians influenciou o desenrolar dos atos.

Depois da primeira manifestação de corintianos na Av. Paulista, em maio, um grupo pequeno de palmeirenses, ligados à Mancha, foi ao mesmo local e postou fotos na internet chamando os rivais pra briga. A provocação inflamou a Gaviões, que na semana seguinte fez um protesto ainda maior.

No dia 7 de junho, capitaneados por uniformizados da Gaviões, torcedores do Palmeiras, do São Paulo, do Santos e de outros clubes se uniram a movimentos sociais no Largo da Batata, em São Paulo, para protestar contra o governo federal. Foi uma das maiores manifestações do período.

O clima era de união contra um inimigo em comum. Os torcedores vestiram a camisa de seus times e estiveram lado a lado. Alas de esquerda da Mancha se animaram e, junto com outros coletivos, fundaram o grupo "Palestra Sinistro". O objetivo era organizar os palmeirenses de esquerda nos protestos.

Na manifestação seguinte, os palmeirenses foram recebidos com aplausos pelos corintianos na Paulista. Mas a harmonia durou pouco. Na dispersão, enquanto retornavam para casa, os grupos se lembraram que eram rivais, e trocaram ofensas e ameaças. As lideranças conseguiram apaziguar os ânimos e contornar a situação, evitando que as provocações se tornassem um confronto físico.

A partir desse dia, os palmeirenses resolveram abandonar os protestos de rua. Internamente, acusaram as lideranças da Gaviões de usarem os atos para tentar eleger vereadores nas próximas eleições municipais. Coincidência ou não, os protestos de rua contra o governo e por democracia começaram a perder fôlego.

As lideranças das organizadas costumam ter uma relação respeitosa entre si, e nos últimos anos têm estreitados os laços com a Polícia Militar e com o Ministério Público no sentido de tentar reduzir os episódios de violência.

Mas, dentro dessas instituições, formadas por centenas de milhares de pessoas, existem ânimos de todo o tipo. Alguns grupos são mais belicosos que outros. E as mortes do passado nunca são esquecidas.

Protesto Futebol Clube - Torcidas organizadas contra o governo Bolsonaro

Reprodução

Invasão na Arena, vandalismo e ameaças

Com a retomada do futebol, as provocações entraram em campo. E um episódio que já está na história de Palmeiras x Corinthians reacendeu o ódio entre as torcidas. Na madrugada do dia 22 de julho, o estádio do Corinthians foi invadido por um grupo de palmeirenses, que picharam o gramado e as traves do estádio com provocações aos rivais.

Na pequena área de um dos gols, a inscrição "8 x 0" fazia referência à goleada do Palmeiras em 1933, a maior do clássico.

O caso foi parar na polícia. Quatro palmeirenses ligados às organizadas confessaram a invasão. Um deles, que postou as fotos em seu perfil no Twitter nas primeiras horas da manhã, antes do caso vir a público, acabou tendo que mudar de cidade depois que corintianos inundaram seu celular com ameaças de morte. Algumas, bem assustadoras, citavam seu endereço e o nome de seus familiares. Ele admitiu ter participado da invasão, mas não da pichação.

Por causa do vandalismo, o Corinthians precisou pedir uma autorização especial à Fifa para mascarar as marcas do gramado, já que a entidade não permite partidas com inscrições no campo.

Durante a partida, torcedores do Corinthians pilotaram sobre o estádio um drone com uma faixa em referência ao título alvinegro de 2018, conquistado na casa do rival. Os palmeirenses reagiram: estenderam faixas verdes na fachada do estádio com os dizeres: "Arena Pixação Haha".

Uma resposta mais civilizada se comparada aos outros incidentes protagonizados pelas duas torcidas nas últimas semanas.

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