A torcida voltou. E agora?

Entre bares fechados e ambulantes lutando para sobreviver, corintianos se reencontram com futebol em Itaquera

Yago Rudá e Edson Lopes Jr. Do UOL, em São Paulo Edson Lopes Jr./UOL

Às 18h30 de um dia de jogo, os arredores do estádio do Corinthians em Itaquera, a Neo Química Arena, costumam estar efervescentes. Os torcedores mais apressados estão chegando, ambulantes já estão com tudo pronto para vender e bares oferecem a cerveja trincando à espera dos milhares de corintianos que passarão pelo bairro até o início da partida.

Ontem (5), durante as horas que antecederam Corinthians 3 x 1 Bahia, o movimento em Itaquera foi pequeno, abaixo do esperado até para um jogo com liberação de apenas 30 % do público. Era o primeiro jogo no estado de São Paulo com público desde março de 2020. Mesmo assim, os policiais militares e seguranças do metrô, principal meio de acesso do estádio, não tiveram trabalho.

Alguns bares próximos à estação Artur Alvim, tradicional ponto de encontro em dias de jogos, nem sequer abriram as portas.

Para quem se acostumou a ver o local lotado de corintianos, a cena foi incomum. O UOL passou as três horas que antecederam à partida para entender como o futebol se encaixaria no novo normal. O que encontrou foram torcedores empolgados, ambulantes desesperados para tentar recuperar o que foi perdido desde o início da pandemia e um estranhamento que não deve desaparecer tão cedo...

Edson Lopes Jr./UOL
Marcos Freitas/Divulgação
Camilo, do Mirassol, e Rodrigo, do Santo André, no Paulistão de 2020

O último jogo

No dia 15 de março de 2020, o Mirassol venceu o Santo André por 1 a 0 pelo Campeonato Paulista. Provavelmente, nenhum dos 3710 torcedores que pagaram para estar nas arquibancadas do estádio municipal José Maria de Campos Maia para aquela partida imaginava a importância daquele jogo. Foi a última vez em que a torcida foi autorizada em um jogo de futebol do estado de São Paulo por um ano, seis meses e 21 dias.

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Edson Lopes Jr./UOL
Barraca de Gleydison antes da partida

"Quase passei fome"

A pandemia da covid-19 deixou várias marcas na sociedade brasileira. Nesta semana, devemos chegar à marca de 600 mil mortos pela doença. O reflexo também se vê nos milhares de trabalhadores que perderam renda. O barraqueiro Gleydison Rosa, de 37 anos, ganha a vida com a venda de lanches de pernil e calabresa.

Ele montava a chapa em Itaquera, perto do estádio do Corinthians, e no Pacaembu, quando o estádio da Prefeitura de São Paulo recebia jogos. Também batia ponto na saída de baladas e quando aconteciam grandes shows na cidade. Foram quase 19 meses com a cidade fechada, em que eventos assim simplesmente não aconteceram.

"Quase passei fome, não sei como aguentamos. Tenho que agradecer aos meus clientes fiéis que me ajudaram a passar por esse momento difícil", conta Gleydison. O ponto em Itaquera é fixo e foi isso que o manteve durante os meses mais duros da pandemia. Mas o grosso da arrecadação vinha do futebol.

Até março do ano passado, Gleydison empregava quatro pessoas em sua barraca e chegava a faturar R$ 2 mil em um dia de jogo. Ontem, na saída da estação Corinthians-Itaquera do metrô, o serviço foi dividido entre ele, a esposa, o filho e a irmã, e a arrecadação não foi das melhores.

"Estamos aqui porque precisamos. O movimento está pouco, o público é limitado e o pessoal está sem dinheiro para gastar. Não está nada fácil esse momento, mas vamos esperar que tenha mais jogos aqui para a gente trabalhar".

Edson Lopes Jr./UOL Edson Lopes Jr./UOL

Camelôs não se preparam para os reforços

A pandemia também afetou o mercado dos varais de camisa. Por meses sem ter um jogo de futebol para oferecer seus produtos piratas, os vendedores não estavam prontos para o retorno do público. Nos varais estendidos próximos ao estádio, era possível encontrar camisas de jogadores como Luan e Mauro Boselli.

Os dois eram os astros do Corinthians no início da temporada... passada. Hoje, o Luan é reserva e raramente joga e Boselli não faz mais parte do elenco. As estrelas do elenco atual são Giuliano, Roger Guedes, Willian e Renato Augusto. Mas seus nomes não estavam nas camisetas à venda.

"Ficou tudo estocado em casa durante a pandemia. A gente comprou essas camisas do Corinthians aí e precisa vender para não ter mais prejuízo. Vou deixar até alguém comprar. Se não aparecer ninguém, eu abaixo o preço, mas vai ter que sair. Eu estou no veneno", admite o ambulante Carlos Almeida Pereira, de 34 anos.

O jeito era improvisar. Willian, que chegou do Arsenal, ao menos usa um número comum, o 10 —que tinha alguns exemplares à disposição. A 8 de Renato Augusto e a 11 de Giuliano, porém, eram raridade —lembrando que, na temporada passada, foram usadas por Ramiro e Otero, que deixaram o clube sem fazer muita diferença. E nem vamos falar do 123 usado por Roger Guedes...

O vendedor tem uma explicação plausível na ponta da língua para isso. "Não deu nem tempo de fazer. Se a gente compra uma camisa, tem que ter certeza que vai ter saída. Antes, nem tinha data para a torcida voltar. Agora tem essa história de restrição. É complicado pra gente, muito tempo sem trabalho e não dá para arriscar", finaliza o ambulante.

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Ricardo Lopes, Giovanni Broti e Silvano França (da esquerda para a direita)

Família unida e esperançosa

Os primos Silvano Lopes de França (39), Ricardo Lopes Gavassa (52) e Giovanni Broti Gavassa (18) resolveram acompanhar juntos o Corinthians na Neo Química Arena. Em conversa com a reportagem, o trio nem sequer conseguia se lembrar da última vez que assistiu a uma partida do time do coração in loco, dividindo espaço com milhares de outros torcedores.

O que eles lembraram foi de separar o comprovante de vacinação —que, ao lado da máscara, faz parte do novo normal do futebol em meio à pandemia. "Nem acredito que vou ver um jogo do Corinthians de novo", brinca Silvano, enquanto vasculha o telefone celular em busca de seu comprovante.

Para acessar o estádio, os torcedores precisam apresentar o ingresso, o comprovante das duas doses de vacina (ou da vacina de dose única). Nos casos em que o ciclo de imunização ainda não está completo, o acesso será permitido com o comprovante da primeira dose e um teste PCR negativado ou um teste de antígeno. "Me sinto seguro", completou Silvano.

A felicidade dos torcedores não era apenas pelo retorno às arquibancadas. Durante a pandemia, o Corinthians não conseguiu montar times competitivos, colecionou frustrações nos torneios em formato mata-mata e flertou com o rebaixamento à Série B do Campeonato Brasileiro na temporada passada. Os reforços do segundo semestre, Giuliano, Renato Augusto, Roger Guedes e Willian, mudaram isso. E o novo Corinthians foi muito celebrado.

"A expectativa está alta. Se já queríamos vir com vários jogadores ruins no time do ano passado, imagina agora que temos o Renato Augusto de volta, o Willian e os outros reforços. Tudo isso com a torcida de volta vai ser bom para o clube", comentou Silvano, fazendo questão de expor orgulhoso o uniforme do Corinthians enquanto também vestia a máscara facial.

Máscara, prova de vacina e camisa: torcida do Corinthians volta ao estádio

Flamenguista descuidado conta com respeito da Fiel

Quem mora na cidade de São Paulo sabe que uma das maneiras mais ágeis de se chegar à Neo Química Arena, localizada no extremo leste da capital paulista, é utilizando o transporte público. Além do acesso pela Linha 3-Vermelha do metrô, Linha 11-Coral da CPTM, o local pode ser acessado por uma das quase 50 linhas de ônibus que passam pela região.

Era exatamente no terminal urbano que um vendedor ambulante resolveu trabalhar com uma camisa do Flamengo. Em conversa com a reportagem, o torcedor do rubro-negro pediu para não ser identificado, mas afirmou ser natural do estado de Alagoas e confessou ter desconhecimento sobre a realização do jogo do Corinthians na noite de ontem.

"Nem sou tão flamenguista assim. Vim com essa camisa porque acho ela bonita. Ganhei de um amigo do meu pai e trouxe para São Paulo", explicou.

Ao ser questionado sobre a rivalidade entre Corinthians e Flamengo, o vendedor de milho explicou que os corintianos eram "gente boa" e não viram problema com sua vestimenta.

"O pessoal respeita porque eu estou trabalhando, não estou tirando uma com a cara deles. Um monte de corintiano passou aqui, comprou o meu milho, brincou comigo e fez piada. Eu acho que eles estão certos, eu que estou na casa deles. São todos gente boa e entendem o trabalhador".

Yago Rudá/UOL
Arredores do estádio a 15 minutos do início do jogo

Otimismo não vende ingressos

O Corinthians não se pronunciou oficialmente sobre a quantidade de ingressos vendidos nas horas que antecederam a partida, embora admitisse nos bastidores que a expectativa era de lotação máxima. Esperavam algo em torno de 14,4 mil torcedores. No entanto, o clube registrou apenas 10.470 pessoas pagantes.

Os preços altos, como os R$ 260 para o setor oeste inferior central, ou os R$ 650 para camarote e setor business, frustraram os planos de alguns dos torcedores mais otimistas. Nem mesmo a melhora técnica do time impulsionada pela chegada dos quatro reforços de peso e a ascensão na tabela do Campeonato Brasileiro foram capazes de encher o estádio.

Por conta disso, exceção feita aos torcedores organizados aglomerados no portão de acesso ao setor leste da Neo Química Arena, a atmosfera nos arredores do estádio nos minutos que antecederam o apito inicial foi de completo vazio. Restou o lixo no chão e os ambulantes que aguardavam o fim da partida para conseguir mais uma rodada de vendas.

Edson Lopes Jr./UOL Edson Lopes Jr./UOL

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