Diga lá, Tino

Aposentado da TV, Tino Marcos relembra trajetória na Globo e revela desejo de ver uma Copa do sofá de casa

Beatriz Cesarini Do UOL, em São Paulo Reprodução/Instagram

"Galvão? Sentiu!". Você não vai mais ouvir o nome do narrador sendo entoado pela voz clássica de Tino Marcos nos jogos da seleção. O Pelé da reportagem esportiva - como diz o locutor da Globo - pretende acompanhar os jogos da próxima Copa do sofá de casa, ao lado da sua família, após uma sequência de oito Mundiais in loco. Chegou a hora de pendurar o microfone.

Após 34 anos atuando como repórter na Globo, Tino decidiu largar a profissão por uma vida mais tranquila. E o casamento entre o jornalista e a emissora terminou em clima de lua de mel.

"Pô, não é legal você comer até se empanturrar, é legal você levantar da mesa um pouquinho assim mais leve para poder fazer uma boa digestão. Então, é um pouco isso. Na TV, também foi assim. Não fui até o fim, sabe? Não espremi a laranja até o final e, então, levantei da mesa com aquele gostinho", refletiu Tino.

A surpresa do público e colegas foi grande, mas a decisão da aposentadoria já vinha sendo amadurecida há algum tempo. Agora, o veterano, perto dos 59 anos, quer curtir a família, se dedicar ao xadrez e torcer pelo Flamengo sem medo de ser feliz. Com Tino se vão grandes momentos da história do esporte brasileiro, como relata o repórter nesta entrevista.

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Emoções com saída da Globo

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Adeus deveria acontecer em 2019

O fim da Copa América de 2019 foi o momento escolhido por Tino Marcos para o apito final. O amigo e diretor Renato Ribeiro levantou a plaquinha e pediu por mais um ano de acréscimo. A pandemia veio, o tempo passou rápido e, em fevereiro deste ano, Tino enfim se despediu.

"O Renato me falou que na hora que foi dar o enter do email, que anunciava a minha saída, se emocionou muito. Foi especialmente delicado, ele titubeou na hora de apertar aquele botãozinho para disparar a mensagem. Me deixa muito lisonjeado pelo carinho, sabe, pela pela maneira como me viam e como me veem", relatou o jornalista.

A partir do anúncio, Tino passou a receber mensagens de carinho, vindas de pessoas surpresas. O público pergunta até hoje o que aconteceu para o repórter aposentar o microfone.

"Acho que surpreendeu pela idade. Nas devidas proporções, é como se fosse uma morte, causa impacto alguém quando vai mais jovem do que alguém muito velho. E também foi um pouco de 'Nossa, mas o Tino e a Globo, a Globo e o Tino são marcas tão ligadas'. Até agora muita gente não entende, mas é isso, uma possibilidade de viver outras coisas ou não, o que eu quero agora é fazer algo que eu curta, que eu seja feliz", destacou.

A avalanche de afeto que eu recebi e que colhi nesse tempo todo foi maravilhosa, foi realmente um presente em vida. Eu brinco que parecia que eu pensei que eu tinha dado uma 'morridinha' de leve ali, tô vendo todo mundo falando de mim assim, né, como é que é isso

Tino Marcos, sobre a reação ao anúncio de aposentadoria

Arquivo Pessoal

TV e Globo não estavam nos planos

Quem vê o Tino desenvolto, não imagina que o repórter queria distância da TV, porque sempre foi muito tímido. Assim que entrou na faculdade de jornalismo, depois de "fugir" do emprego em uma fábrica de móveis, o carioca foi em busca do sonho: escrever em jornal impresso. E conseguiu: iniciou a carreira no Jornal dos Sports e O Dia.

A chave virou quando Tino teve a oportunidade de cobrir as férias de um repórter na TV Educativa. "Foi a minha transformação na maneira de ver a função. Ali eu desconstruí aquele muro intransponível que era pegar em microfone e olhar para uma câmera. Eu pensei: 'não, é possível, dá para rolar, é difícil, mas não é impossível e afinal de contas é escrever também, é criar, é fazer texto'.".

Quando esse período se encerrou, Tino voltou ao jornal até que surgiu uma vaga de repórter da TV Globo. O jornalista levou uma fita de sua experiência na Educativa e conseguiu o emprego numa função que até o seu próprio pai tinha dúvidas. "Ele falava: 'meu filho, você é uma pessoa mais introvertida, será?'. Mas eu fui", lembrou.

"Investi muito na parte de voz, em desempenho diante da câmera, que era o meu problema. A parte de texto era uma coisa que já trazia um pouco melhor e assim foi. Acabei me encontrando realmente no trabalho e sendo mega feliz nessa função e acho que, modéstia à parte, até ajudando a desenvolver um pouco a linguagem do nosso jornalismo esportivo na TV nesses anos todos."

Arquivo Pessoal Arquivo Pessoal

Fugindo da mosca da vaidade

No decorrer da carreira, Tino ouviu elogios de ídolos como Ronaldo, Zico e do amigo Galvão Bueno. O repórter se tornou referência para os mais jovens, aos quais ele sempre deu abertura para a aproximação e partilha de conhecimento. E qual o segredo de todo esse sucesso?

"Eu nunca quis ser o Tino Marcos, que saiu agora da Globo depois de 35 anos, oito Copas, seis Olimpíadas, tanta coisa. Eu queria viver o próximo passo. Eu queria começar na Globo, depois virar um repórter de rede. Pô, virei um repórter de rede, entrei no Jornal Nacional, 'que maravilha, realizei uma conquista', 'vou cobrir a minha primeira Copa do Mundo, uau, uma Copa do Mundo'", relembrou.

"Não queria ser alguém e eu acho que esse é o pecado que muita gente comete. As pessoas que querem ser o William Bonner, querem ser o Galvão Bueno. Gente, só existe um. Seja você a cada passo, comemore, festeje cada coisa. Comigo foi assim, como eu não tinha uma expectativa de ser alguém na televisão, fui celebrando cada passo, cada conquista gradativamente. Isso foi maravilhoso", concluiu.

Entendi muito bem as necessidades da função e não me envolvi muito com a parte da vaidade, que é um perigo muito recorrente. Tinha a convicção de que toda a força estava ali na canopla da Globo, era aquela marca que eu representava que fazia a diferença

Tino Marcos, em reflexão sobre o poder da marca Globo

No lugar e na hora certa

Neal Simpson/EMPICS via Getty Images

Uma das vozes do tetra

A pérola mais valiosa que eu tenho do meu porta-joias da carreira é 17 de julho de 94. Não poderíamos entrar com repórter de campo. Fui a campo como auxiliar de câmera, com o microfone desmontado e um retorno para ouvir o Galvão. Quando o jogo acabou e a seleção estava dando a volta olímpica, eu pulei a placa de publicidade, passei por baixo de dois grupos de segurança, entrei no meio dos jogadores e fiz algumas entrevistas até ser retirado. Brasil campeão, nos EUA, e eu o único repórter no mundo a estar lá.

AFP

Surpresa com Vanderlei

Chegamos cedo no estádio e armamos o tripé. Aí um brasileiro começa a liderar. Boa parte da imprensa brasileira que não estava nem aí para a maratona começa a chegar. Até que o padre irlandês tirou a vitória do Vanderlei. Quando ele chegou em 3º foi ovacionado, mais do que qualquer um. Eu estava irado, e a minha abordagem diante era tirar alguma fala que mostrasse indignação. Ele cruza a linha de chegada e se ajoelha diante de nós. Já tinha palavras de perdão para o padre naquele momento. Eu me desmontei.

Flávio Florido/UOL

O dilema do 7 a 1

O 7 a 1 na Copa do Brasil foi um dos maiores dilemas para mim. Eu estava lá no Mineirão, diante de caneta e papel, precisando contar uma história que o Brasil inteiro tinha visto, se impactado profundamente. E como encontrar adjetivos, palavras certas para definir a dimensão daquele desastre? Vivenciar algo tão agudo como aquilo é algo na história que certamente não se repetirá. Mas a gente está ali para contar as histórias e é o que eu sempre digo: comer o que está na mesa, você não tem que escolher.

Galvão! Fala, Tino!

Costumo dizer que eu sou um privilegiado por ter tido a oportunidade de ser o coadjuvante do Galvão nesses, sei lá, 30 anos em que eu estive e que ele foi a voz do esporte brasileiro

Tino Marcos, sobre a clássica parceria do esporte da Globo

Reprodução/Instagram

Galvão se tornou grande amigo

Tantos anos de trabalho juntos se transformaram em uma bela amizade entre Tino Marcos e Galvão Bueno. Essa relação é uma relíquia para o jornalista, que se vê honrado por ter sido o "coadjuvante" do narrador por mais de 30 anos.

"Ter esse reconhecimento do Galvão é para guardar no coração. Juntos, nós passamos muito frio, calor, alegria, frustração, saudade de casa, problemas que dividia com ele. Enfim, é uma referência tanto externa como pública. É um cara sensacional, um companheiro solidário, sabe, que sempre faz tudo para ajudar os colegas de trabalho", declarou.

"Lembro uma vez que um repórter de Goiânia fez uma escala na Suíça com a gente, mas não sabia que iríamos passar um frio miserável. O cara não tinha dinheiro e morrendo de frio. O Galvão comprou um sobretudo e deu na mão dele imediatamente. E sem fazer alarde. E tem mais: ele sempre teve motorista durante as coberturas externas, né? Quantas vezes eu pegava o carro dele? 'Ô, atrasa um pouco o seu jantar porque eu preciso pegar o motorista para gravar uma passagem'. Ele é um companheiro mesmo, sabe o tamanho que tem", relatou.

A entrevista mais difícil

Nas palavras de Tino Marcos

Houve uma chuva muito forte no Réveillon de 2010, e a cidade de Angra dos Reis foi especialmente atingida. E eu frequentava uma pousada na Ilha Grande, que era de um casal de amigos da minha família. Um deslizamento de terra acabou com esse estabelecimento e matou a Yumi, a única filha deles, que tinha 18 anos. Uma menina de um brilho, era encantadora.

Eu estava de férias, no Espírito Santo, quando tudo aconteceu. Meu telefone tocou. Era a Globo dizendo que queria muito entrevistar o casal, mas não conseguia. No velório, um repórter perguntou para Sônia, a mãe da Yumi, se ela se sentia responsável por aquela tragédia. A pergunta dilacerou o coração dela e ela não quis mais falar com jornalistas. A partir de muita insistência da Globo, ela pontuou que só falaria comigo e mais ninguém.

A Globo montou uma estrutura para eu sair de Guarapari e chegar em Belo Horizonte. No trajeto inteiro, eu pensava entre o perigo de ser piegas ou seco demais. Eu tinha, também, que acolhê-los. Na minha cabeça ficava rondando: "Como que eu ia olhar para câmera e dizer: Olha eu tô aqui com os pais da Yumi".

Cheguei e fui correndo para a emissora, onde o casal já me esperava. A gravação começou às 7h da noite para entrar no Jornal Nacional. Eu não pude cumprimentá-los porque era muito atropelado, botar o microfone e já começar a gravar. Tentei encontrar as palavras naquele momento que, ao mesmo tempo, cumprissem o meu papel de jornalista, mas perdessem a abordagem do amigo. Foi realmente emocionante demais, o momento mais difícil da minha carreira e que foi ao ar foi lindo. De certa forma, uma homenagem muito bonita à Yumi.

Arquivo Pessoal

Tino recusou propostas de salário alto para permanecer na Globo

A palavra que Tino usa para sintetizar toda sua trajetória na Globo tem apenas três sílabas: gratidão. Durante os 35 anos, o repórter nunca se arrependeu ou cogitou deixar a emissora por outra. E não foi por falta de tentativas da concorrência.

"Em 2009, eu tive uma proposta muito grande da Record. Era muito dinheiro, mas eu não me sensibilizei. Preferi continuar ganhando menos, mas na Globo. Eles achavam que eu não estava feliz. Na ocasião, eu vinha de uma experiência como editor-chefe e apresentador do Globo Esporte, mas voltei a ser repórter por minha vontade. Muita gente interpretou aquilo como um rebaixamento, e não foi. A Record imaginou que ao me dar um protagonismo, eu iria, mas não me sensibilizou", contou o repórter.

"Eu fui muito feliz na Globo, sei que outras pessoas não têm a mesma sensação. Tenho muita gratidão pela formação toda que pude ter lá, minha vida toda foi construída lá dentro. Sempre tive espaço, reconhecimento, em todos os desejos que tive, inclusive agora nessa desaceleração final até sair, fui muito atendido. Então nunca pensei em sair", destacou.

Reprodução

Xadrez, família e Copa do Mundo do sofá de casa

Agora chegou a hora de Tino descansar, aproveitar as pequenas coisas da rotina com a esposa Virgínia e as filhas Pilar e Laura, curtir as transmissões esportivas de casa e se dedicar a hobbies antigos, como o xadrez.

"Eu me sentia um pouco em dívida com a família. Viajei demais, a vida inteira, demais. E a minha mulher criou praticamente as filhas sozinha. Dias alegres, dias tristes, dias com problemas, e ela segurando a barra o tempo todo, me poupando de muitas situações. Eu quero muito também ter esse retorno a família, poder buscar uma filha numa escola, poder levar a mulher do trabalho, ter um pouco dessa vida cotidiana."

A vida de viagens levou Tino a todas as Copas desde 1990. É um sonho que todo o jornalista esportivo almeja. Mas e quando tudo isso acaba? "O que eu realmente tenho vontade nesse momento é de sentar no meu sofá e poder ver uma Copa do Mundo, desfrutar ela do início ao fim. O ser humano está sempre querendo uma coisa diferente daquilo que ele tem. Quando a gente está trabalhando e cobrindo seleção, não consegue acompanhar a Copa mesmo. São muitas matérias, são deslocamentos", ponderou.

"Em termos de lazer e entretenimento, eu curto muito xadrez, eu gosto muito de jogar e tenho alguns parceiros. Eu deveria até estudar mais do que jogo, mas eu gosto mais de jogar do que estudar. Então é isso... Também quero usar o meu tempo pro xadrezinho", concluiu.

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