Fênix

Sasha foi colocado na lista de dispensa por Sampaoli e tratado como bandido pela torcida do Internacional

Eder Traskini e Felipe Pereira Do UOL, em Santos Ricardo Nogueira/Getty Images

Sasha entrou na sala de camiseta, short e chinelo. À vontade, sentou no sofá para encarar o microfone e a câmera com sinceridade. Nesse momento, é até difícil imaginar, mas o azul da camisa de treinos, e não o branco e preto dos uniformes de jogo, por pouco não foi a única cor que o atacante usou na temporada.

Dez meses, 38 jogos e dez gols depois, Sasha, como uma fênix, renasceu das cinzas - ele deve ser titular do Santos hoje, às 16h, contra o Atlético-MG.

Foi em uma matéria na internet que o atacante leu a primeira declaração de Jorge Sampaoli, o novo treinador do Santos, sobre ele. Não foi um elogio. O argentino disse que Sasha estava liberado do Santos por não ter "definição esportiva". "Não sei [o que significa]. Talvez definir uma posição, não ser útil em nenhuma posição, coisa do tipo".

Recebi surpreso, mas sabia que ele estava errado nesse ponto. Só."

Ricardo Nogueira/Getty Images
Ivan Storti/Santos FC Ivan Storti/Santos FC

Liberado, eu?

Janeiro de 2019. O Santos fazia uma intensa pré-temporada sob o comando de Jorge Sampaoli. Desde a apresentação, o técnico já falava em reposição para a saída de Gabigol. Sasha não havia terminado o ano bem, foi titular em apenas quatro jogos no segundo turno do Brasileirão e sem marcar desde agosto. Mas sabia que sua chance de jogar aumentaria. Até que?

Na primeira entrevista de Sampaoli, logo antes do início do Paulistão, veio a bomba: sem "definição esportiva", Sasha estava liberado do Santos. A novidade não pegou somente a imprensa de surpresa, mas também o próprio camisa 27.

"Soube lendo. No começo não entendi, mas depois parei para pensar e vi o que era praticamente isso. Pode achar que eu não sou bom, que eu não tenho qualidade, mas nessa questão eu acho que ele pode estar enganado."

O baque martelou na cabeça de Sasha por pouco tempo. Ele precisava dar a resposta. Pouco depois de falar abertamente sobre o atacante, Sampaoli o chamou para uma reunião. Sasha não esconde que ficou magoado com a ordem em que as coisas aconteceram.

"Acho que primeiro tem que ter um papo mais direto com o funcionário. Por mais que tu não queira contar com a pessoa, chegar e ter um papo direto, conversar, antes que saia. Acho que qualquer pessoa prefere saber da pessoa que não quer mais contar, não por uma fonte ou alguma coisa do tipo."

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"Xuxa" e o trauma do irmão

Se você estiver se perguntando se Eduardo realmente se chama Sasha, a resposta é não. O apelido veio por causa do irmão. Com longos cabelos loiros, o mais velho da família virou Xuxa para os colegas de escolinha. Quando Eduardo começou a frequentar a mesma escola, Sasha apareceu naturalmente e ele aceitou.

Os dois jogavam juntos, Sasha era atacante e Xuxa era meia, mas uma fatalidade acabou encerrando a carreira do irmão antes mesmo de começar.

Um dia, quando ainda nem jogavam no Internacional, um portão caiu sobre a perna do irmão mais velho. Ele demorou um longo tempo para se recuperar e nunca mais voltou aos campos.

Aquilo mexeu com Sasha, na época, mas ele decidiu seguir no sonho de ser jogador pelos dois.

Marcello Zambrana/AGIF Marcello Zambrana/AGIF

Empréstimo definitivo por vontade

A notícia de que estava liberado do Santos pegou Sasha ainda mais de surpresa porque nunca esteve nos planos do atacante sair do clube. Mesmo quando veio por empréstimo no início de 2018, o jogador queria ficar.

"Eu realizei um sonho de jogar no time do coração, de ter conseguido chegar lá, mas, quando eu vim pra cá por empréstimo, eu sabia que era o momento de sair [do Internacional] por várias circunstâncias. Então, quando eu soube que ia vir pra cá, eu botei na cabeça que eu queria. E, graças a Deus, foi o que aconteceu."

O bom desempenho de Sasha logo de cara fez o Santos adquirir seus direitos em definitivo. Mesmo torcedor colorado desde pequeno, o atacante sabia que seu ciclo no Internacional tinha acabado.

Jeferson Guareze/AGIF Jeferson Guareze/AGIF

Paixão colorada atrapalhou decisões

Em 2016, Sasha ignorou problemas no tornozelo para entrar em campo. Ele era a cara do time que acabou rebaixando o Inter à Série B pela primeira vez em sua história. Jogou no sacrifício e acabou ficando marcado.

"Pelas circunstâncias em que se encontrava o clube naquele momento, eu preferi tentar daquela forma, o máximo que eu podia. Eu fui muito crucificado por isso, porque, às vezes, eu não estava 100%, mas queria estar lá pra ajudar a sair daquela situação, mas as coisas não estavam acontecendo".

Hoje, longe do clube do coração, Sasha admite que errou. Se estivesse novamente naquela situação, teria parado para se recuperar e estar 100%. Ainda assim, sente tristeza com os julgamentos que sofreu.

"Muita gente só vê o que acontece dentro do campo. Se tu não tiver bem, tu é julgado de qualquer forma. Às vezes, pode estar acontecendo alguma coisa que muita gente não sabe. Naquele momento, era isso. Ninguém falava, ninguém comentava, mas eu e o pessoal lá dentro sabíamos que eu não estava 100%, que eu precisava operar. Isso já era desde o meio do ano, antes de começar a sequência ruim. Logo no início, começou a incomodar e a gente viu que tinha que operar. Só que eu falei: 'Ah, vou esperar a gente voltar a vencer, ganhar uns pontos, ficar mais tranquilo e aí eu pego e paro'. Não foi o que aconteceu. Eu fui levando daquela forma e isso acabou pesando mais para o meu lado."

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Fantasma das lesões quase encerrou a carreira

Não foi a primeira vez que o atacante enfrentou lesões. Sasha encarou quatro cirurgias grande na carreira. Todas no mesmo lugar: o tornozelo direito.

Sempre que o atacante estava em boa fase, elas apareciam para tirá-lo de combate. Ansioso por voltar e ajudar o clube, Sasha antecipava a recuperação e isso, no longo prazo, prejudicou. Em dado momento, ele pensou que não teria mais como seguir no futebol.

"Fazer quatro cirurgias no mesmo local não é normal, tem alguma coisa errada. Antes de eu fazer essa última, eu falei: 'Olha, se eu fizer e não resolver, fudeu'. Muitos falaram que tinha artrose, que estava desgastada a cartilagem, mas, nessa última cirurgia, o doutor viu que a cartilagem não tinha nada a ver, era mesmo apenas um procedimento de raspar a parte óssea. Mas chegou um momento em que eu pensei: 'Essa é a última. Se eu voltar, doer ou incomodar eu não tenho mais solução mesmo'".

Sasha foi pra mesa de cirurgia e, dessa vez, fez tudo certo. Ficou cinco meses parado para garantir que a lesão estivesse totalmente recuperada. Das outras vezes, chegou a voltar a atuar em apenas um mês. Deu certo.

Ale Cabral/AGIF Ale Cabral/AGIF

Rebaixamento e vida de "bandido"

Antes do fim do ciclo no Internacional, Sasha viveu momentos de "bandido" em Porto Alegre. Com o colorado vivendo o pior momento de sua história no ano em que cairia para a Série B, o atacante confessou que não podia nem sair de casa.

"Treino, casa, casa, treino. Não tinha nada de sair pra jantar. Não tinha clima para as pessoas me verem na rua porque torcedor, hoje, é assim: se o clube tá ruim, eles não querem que tu tenha uma vida social, não querem que tu saia pra jantar. Tu tem que viver pro clube."

Jogando longe de estar 100%, Sasha era alvo de críticas do torcedor. Ele não esconde que foi xingado e até ameaçado em redes sociais, mas não deu importância.

"Acho que, primeiro, quem quer fazer, vai e faz, não fica avisando. A pessoa vai chegar e vai fazer, entendeu. Então, tem que estar sempre preparado, com um pé atrás pra não ser surpreendido, mas todo dia tem alguém xingando alguém na internet. Então, nada demais."

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Loirinho da comunidade

Eduardo Sasha nasceu no Rubem Berta, um dos bairros mais populosos de Porto Alegre. Ele eternizou a comunidade em uma tatuagem nas costas. Sair de lá para o irreal mundo do futebol, daqueles que têm sucesso no esporte, não foi fácil.

"Muita gente não acredita que eu nasci em comunidade. Talvez por ser loirinho, branquinho, as pessoas acham que não é qualquer pessoa que pode nascer lá. Nasci em Rubem Berta, minha mãe entregava jornal e meu pai era açougueiro. Foi difícil."

Sasha nunca teve o brinquedo que queria, o vídeogame do ano, mas sempre deu graças por ter o que comer. No sábado, quando o jornal era mais pesado, ele e seu irmão saíam ainda na madrugada empurrando um carrinho para ajudar a mãe a entregar.

Hoje, quando o atacante olha pra trás e lembra das dificuldades, não tem dúvidas: tudo valeu a pena.

Jeferson Guareze/AGIF Jeferson Guareze/AGIF

Fome nas viagens e chuteiras doadas

Jogando pelas ruas da comunidade com o irmão, Sasha logo se destacou. Foi levado para uma escolinha de um bairro chamado MontSerrat, que disputava os campeonatos. Para jogar por lá era preciso pagar mensalidade, mas os dois não tinham condições.

Para ter Xuxa e Sasha no time, a escolinha ignorava as mensalidades. As viagens eram de graça e as chuteiras, doadas. "Às vezes, não tinha uma chuteira pra jogar. Não tinha dinheiro pra comprar. Mas o Montserrat era um time que tinha bastante gente com uma vida melhor, então, davam chuteira usada: 'Não vou usar mais, pode ficar'".

Ainda assim, durante as viagens, Sasha não tinha como se alimentar. "Chegando nos locais, a gente passava o dia inteiro. Tinha só duas alimentações: o almoço e um lanche. Ficava com fome e não tinha o que fazer. Às vezes, tinha que pedir um pedaço pra alguém. Então, dificuldade sempre teve".

Ivan Storti/Santos FC Ivan Storti/Santos FC

O balanço do busão que virou plano B ao futebol

Para chegar ao local onde treinava, Sasha precisava pegar quatro ônibus por dia. Às vezes, o guri passava por baixo da catraca pois não tinha dinheiro para pagar a passagem. Tanto tempo no transporte público fez Sasha pegar gosto pela coisa.

Apesar de nunca ter dirigido, o garoto pensava em seguir naquele "ramo" se não desse certo no futebol. Piloto de velocidade? Não: o sonho de Sasha era mais pé no chão, como suas origens: motorista de ônibus.

"Quando voltava do treino sempre era horário de pico, pessoal saindo do trabalho e o ônibus ia cheio. Eu sempre ia do lado do motorista, olhando. Eu falei: 'Se eu não for jogador, eu vou fazer isso'. Como eu gostava de dirigir. Com dez anos, eu ia no colo do meu pai, no carro, brincando de dirigir. Eu falei: 'Se eu não for jogador, pelo menos tem alguma coisa que eu gostaria de fazer'".

Até hoje Sasha tem afinidade com o volante. Como as possibilidades se abriram após se tornar um jogador de sucesso, gosta de kart.

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