Apenas Rodinei

'As pessoas confundiam as coisas e achavam que Rodinei era só resenha, mas sempre fui profissional'

Livia Camillo Do UOL, em São Paulo Boris Streubel/Getty Images

Rodinei alcançou o que poucos jogadores brasileiros conseguem na carreira: ser campeão na Europa. No mês passado, o lateral-direito levantou a inédita taça da Conference League pelo Olympiacos, da Grécia, e virou queridinho da torcida. Mas o caminho que ele percorreu até Atenas foi demorado.

Diferente da maioria dos atletas que chegam ao futebol europeu com, no máximo, vinte e poucos anos, o ex-Flamengo só recebeu sua chance de imigrar após completar 30. A longa espera até chegar lá, na visão do próprio jogador, teve relação com sua personalidade irreverente.

Pelo jeito extrovertido e contador de histórias, Rodinei teve parte da carreira marcada pelo estereótipo de ser "mais resenha do que futebol". Ao UOL, o jogador conta como lidou com o "bullying" de torcida, o processo de amadurecimento e a virada de chave para ser mais respeitado como atleta.

"Quarta-feira eu fiz um golaço, sou o Rodilindo, domingo eu fiz um gol contra, sou o Rodifeio. No Brasil é assim. No Olympiacos, eu não faço nada diferente do que eu fazia no Flamengo. Eu resenho com todo mundo, sai matéria minha brincando, todo mundo fala que eu sou louco, trelós, porque 'trelós', em grego, é louco. Eles falam: 'Rod, trelós, trelós, você é louco'. Mas eles sabem que é um louco apaixonado, que, quando entra em campo, dá a vida."

Boris Streubel/Getty Images

A carreira

  • 1

    Avaí (2011 e 2012)

    Revelado nas categorias de base do Avaí, Rodinei foi pouco aproveitado por lá. Passou a maior parte do tempo de contrato emprestado a outras equipes, porém fez parte do time campeão catarinense de 2012.

  • 2

    Marcílio Dias (2011)

    Foi ao clube por empréstimo e estreou pelo profissional.

  • 3

    Corinthians (2012-2013)

    Foi convidado para integrar o sub-20, foi promovido ao profissional, mas ficou marcado no elenco por "não levar o futebol a sério".

  • 4

    CRAC (2013)

    Passagem sem títulos.

  • 5

    Penapolense (2014)

    Se destacou na campanha do Paulistão daquela temporada, na qual o clube do interior eliminou o São Paulo nas quartas de final, em pleno Morumbi.

  • 6

    Ponte Preta (2014-2015)

    Rodinei passou duas temporadas em Campinas e ampliou os horizontes. Ele viu a carreira decolar junto com o amadurecimento.

  • 7

    Flamengo (2017-2019)

    Primeira passagem pelo Rubro-Negro. Conquistou os títulos do Campeonato Carioca (2017 e 2019), Brasileiro (2019) e Libertadores (2019). Foi herói e vilão na mesma proporção, virou alvo de protestos da torcida e foi emprestado.

  • 8

    Internacional (2020)

    Recuperou a confiança em campo e marcou o gol da classificação colorada às quartas de final da Copa do Brasil.

  • 9

    Flamengo (2021-2022)

    O auge de Rodinei no Flamengo. Conquistou a Libertadores (2022) e foi decisivo na final da Copa do Brasil (2022), marcando o gol do título.

  • 10

    Olympiacos (2022-2024)

    Em 2022, Rodi realizou o sonho de jogar na Europa e, em duas temporadas, faturou a Conference League (2024), título inédito da equipe grega em 100 anos de história.

Delmiro Junior/Photo Premium/Folhapress e Arquivo Pessoal

A reviravolta tem nome: David Luiz

De vez em quando, David Luiz se emociona ao falar de Rodinei. Dias depois da final da Conference League, o zagueiro do Flamengo ficou com os olhos marejados ao elogiar a trajetória de amadurecimento do amigo.

Pude ajudá-lo de alguma forma para viver um sonho que ele tinha. Para mim, sem dúvida nenhuma, ele conseguindo título europeu foi mais emocionante do que quando eu ganhei."
David Luiz, zagueiro do Flamengo, em zona mista

Na época em que ambos atuaram juntos no Fla, David Luiz se tornou uma espécie de padrinho do lateral, aconselhando e trabalhando o lado da disciplina. A relação de amizade quase paternal sempre teve como pano de fundo o aprendizado mútuo.

"O que o David fazia comigo, de sermos os primeiros a chegar no [CT do] Flamengo... A gente chegava às 7h da manhã, quando não tinha ninguém. O treino era às 9h, às 10h, mas a gente chegava duas ou três horas antes do treino, para começar a fazer academia, para começar a se preparar para o treinamento."

Alkis Konstantinidis/REUTERS Alkis Konstantinidis/REUTERS

Jogador brasileiro não entende nada de tática

Muitos jogadores, principalmente brasileiros, que vêm de comunidade, amam jogar futebol, são felizes por jogar futebol, mas não entendem realmente o que é o futebol. O jogador não entende o posicionamento dentro de campo, não entende como fazer um plano de jogo antes de ir para uma partida. Ele gosta de ter aquela ousadia e alegria, de pegar a bola e de brincar dentro de campo, mas muitas vezes a gente precisa ter um entendimento do jogo, saber o que o treinador passa"

Rodinei, lateral do Olympiacos, da Grécia

ALEXANDRE NETO/PHOTOPRESS

O momento em que Rodinei entrou no radar da seleção

Há alguns anos, a seleção brasileira enfrenta uma escassez de laterais, tanto que os mesmos nomes costumam pintar em convocações. No entanto, Rodinei apareceu no radar da Canarinho, quando a equipe ainda era comandada por Tite, após o destaque em 2022.

Desde a chegada de Dorival Júnior à CBF - treinador com quem trabalhou no Fla - o lateral continua sendo monitorado de perto.

"Sei que agora a minha idade é um pouco avançada, 32 anos, mas os meus números demonstram, e as pessoas que me assistem sabem que ainda estou muito bem fisicamente, porque eu me cuido. Quem sabe aparece uma oportunidade de defender a amarelinha. Seria uma honra para mim."

Luis Acosta/AFP e MESSINIS/AFP Luis Acosta/AFP e MESSINIS/AFP

Flamengo de 2022 x título europeu

No processo de desenvolvimento, Rodinei amargou períodos de baixa. Em 2018, após eliminação da Libertadores para o Cruzeiro, o jogador foi amplamente criticado e até virou alvo de uma campanha nas redes sociais que pedia a sua saída do clube.

No ano seguinte, apesar de emplacar boas partidas, ele voltou a ser questionado e foi emprestado ao Inter no fim da temporada.

"Altos e baixos, eu acho que todos os jogadores têm na vida. Você tem que acordar cedo, ir atrás dos seus sonhos, ir atrás de dar a volta por cima, ainda mais no Brasil, que a gente sabe que é um lugar muito difícil. As torcidas pegam muito no pé e tem muita pressão psicológica na cabeça de um jogador."

No Colorado, Rodinei marcou gol decisivo nas oitavas de final da Copa do Brasil contra o Atlético-GO, garantiu a classificação às quartas e voltou a ser desejado pelo Flamengo.

Um ano depois, ao lado de David Luiz e do elenco galáctico do Rubro-Negro, ele viveu uma evolução meteórica até alcançar a temporada mágica de 2022. Nem mesmo o título europeu supera o "maior ano da vida" de Rodinei.

"De tudo que eu já passei no Flamengo, passei momentos altos e momentos baixos, nenhum se compara ao que passei em 2022, que foi o maior ano da minha vida. As coisas aconteceram para mim nesse ano. Eu bati o último pênalti na final da Copa do Brasil, joguei uma final de Libertadores.... Isso fez com que o meu ano valorizasse muito, mas não sei o que o torcedor do Flamengo pensa sobre um ídolo."

Para mim, é o maior clube do Brasil disparado, tem a nação de 42 milhões de torcedores. Eu não falo isso para os meus amigos, para as pessoas, que eu sou um ídolo do Flamengo. Deixo para eles decidirem o que é um ídolo para eles."
Rodinei

'Queridinho' na Grécia

Harry Murphy - Sportsfile/UEFA via Getty Images

Os números de 2022 abriram as portas da Europa, no Olympiacos, para Rodinei finalmente realizar o sonho de infância. E mesmo com medo do processo de adaptação ao clima, o jogador afirma que foi surpreendido positivamente pela calorosa Atenas.

"O que eu mais me preocupava quando eu saí, de verdade, não foi só a questão de onde a família ia morar, mudar de país, mas o frio, porque eu nunca fui muito fã do frio. Quando cheguei em Atenas, vi que o frio lá é 13, 14 graus. Com a língua, graças a Deus, não tive dificuldade, porque a comissão que eu peguei é espanhola. Então, eu consigo me desenrolar bem no espanhol. E o povo grego é igual ao povo brasileiro, tem a nossa energia."

"Em um ano e seis meses, ser campeão europeu. O Olympiacos, com cem anos de história, foi campeão europeu pela primeira vez na história. A cidade está em festa. Virei queridinho da Grécia, então estou muito feliz com esse momento que eu estou vivendo"

A Europa é tudo aquilo...

Há uns três anos, eu pensava que esse sonho já tinha acabado na minha mente, porque as coisas ficaram muito difíceis. E eu, com 30 anos, consegui chegar na Europa. Eu sempre brincava com meus amigos, que estava todo mundo indo para a Europa, a janela abria para todo mundo, e a minha estava sempre fechada. Então, quando o trem passou, eu falei: 'Eu vou entrar agora, aproveitar essa oportunidade e vou embora'. Foi realmente isso que aconteceu.

Vivi momentos de jogar contra o West Ham, no Estádio Olímpico em Londres. Quando eu entrei naquele estádio, com 80 mil pessoas, parecia um jogo de Premier League, um jogo de Europa, eu falei: 'Meu Deus, obrigado por estar vivendo esse momento'. É uma coisa surreal, que você se sente realmente um jogador. [A Europa] é tudo aquilo que eu pensava e muito mais. Realmente, eu venci na vida, eu sou um abençoado.

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