Depois de Daniel

Gabriel Menino na seleção mostra: não há unanimidade para o futuro da lateral direita após Daniel Alves

Gabriel Carneiro Do UOL, em São Paulo Denis Tyrin\TASS via Getty Images

Convocado pela primeira vez para a seleção brasileira há 14 anos, o lateral-direito Daniel Alves segue unânime na posição mesmo que hoje em dia atue como meio-campista no São Paulo. Com só três jogos disputados desde que se recuperou de uma fratura no braço direito, não foi convocado por Tite para as duas primeiras rodadas das Eliminatórias da Copa do Qatar, sexta-feira (9) e terça (13).

A ausência do veterano de 37 anos abriu espaço para a convocação do jovem palmeirense Gabriel Menino, de 20. Essa particularidade da lista para enfrentar Bolívia e Peru chamou atenção, porque o garoto joga profissionalmente há menos de um ano. E na maioria das vezes de volante.

Tite explicou a ideia: ele gosta de ter na posição um jogador com capacidade de construir jogadas ofensivas, de articular saindo do lado para explorar o centro do campo com passe, técnica e consciência tática. É assim que a seleção funcionou melhor sob seu comando, com um "lateral meio-campista", em suas palavras. Não que não haja opção: na Copa do Mundo da Rússia, Fagner não comprometeu mesmo com características de jogo diferentes. É questão de treino e adaptação.

Mas a meta é essa estrutura de jogo originada com Daniel Alves, que representa uma mudança nas funções do lateral tradicional. Em quatro anos de Tite, oito já foram testados e nenhum realmente se firmou. Por isso o debate está de pé: qual é o futuro da posição quando o são-paulino se aposentar? Quem são os jovens com potencial para renovar o setor? Por que a aposta em um volante e não em um lateral de origem? Uma coisa é fato: a convocação de Gabriel Menino mostra que não existe consenso na sucessão desta atual geração.

Denis Tyrin\TASS via Getty Images

Os laterais direitos de Tite

  • Daniel Alves

    Soma 12 convocações e sempre foi titular. Na maioria das vezes (11 partidas no atual ciclo 2018-2022), também foi capitão.

    Imagem: Lucas Figueiredo/CBF
  • Fagner

    Soma 11 convocações. A última atuação como titular foi em setembro, na derrota contra o Peru nos Estados Unidos.

    Imagem: Lucas Figueiredo/CBF
  • Danilo

    Soma 9 convocações. Titular nos últimos amistosos, no ano passado, deve seguir no time na abertura das Eliminatórias.

    Imagem: Pedro Martins/MoWa Press
  • Rafinha

    Soma 2 convocações, a última para amistosos em 2017. Defendia o Bayern de Munique e hoje está no Olympiacos-GRE.

    Imagem: Pedro Martins/ MoWa Press
  • Marcos Rocha

    Tem uma convocação para um amistoso contra a Colômbia em 2017. Atuava pelo Atlético-MG, hoje é titular do Palmeiras.

    Imagem: YouTube/ CBF TV
  • Marcinho

    Tem uma convocação, em outubro do ano passado, para dois amistosos. É do Botafogo, mas não jogou neste ano.

    Imagem: Lucas Figueiredo/CBF
  • Emerson

    Tem uma convocação, para os dois últimos jogos da seleção, que foram em novembro do ano passado. É da seleção olímpica.

    Imagem: Lucas Figueiredo
  • Mariano

    Tem uma convocação. Foi em 2017, quando defendia o Sevilla. Hoje está no Atlético-MG, líder do Campeonato Brasileiro.

    Imagem: CBF
  • Fabinho

    Tem oito convocações com Tite, mas só uma como lateral, em 2018. Na ocasião, já atuava como volante em clubes.

    Imagem: Pedro Martins / MoWA Press
  • Gabriel Menino

    É a novidade de 2020, primeira convocação para as primeiras rodadas das Eliminatórias, contra Bolívia e Peru.

    Imagem: Lucas Figueiredo/CBF
Lucas Figueiredo/CBF

Gabriel Menino é lateral desde 14

Foi um ex-lateral-direito o primeiro a notar que Gabriel Menino podia render nesta posição. Ele tinha 14 anos, jogava pela categoria sub-17 do Guarani e era comandado pelo técnico Ângelo Foroni. "Ele tinha muita força física para a idade. No sub-15 era aproveitado como volante fixo na frente da zaga, o treinador não liberava para sair jogando. Eu o procurei, disse que não tinha lateral-direito e que precisava dele. 'Você confia em mim?'. Ele estreou na lateral num jogo contra o São Paulo e foi o melhor em campo", resume.

Ângelo foi citado nominalmente por Tite no anúncio dos convocados. Hoje à frente da União Barbarense, na Quarta Divisão do Campeonato Paulista, o treinador de 38 anos trocou mensagens com César Sampaio, auxiliar da seleção, e contou toda a história do improviso que anos depois ajudou a seleção.

Na época a diretoria do Guarani me fez assinar um termo de responsabilidade com medo de queimar o menino. Mas eu sabia o que estava fazendo e tinha certeza de qualidade dele. Falei assim: 'Tenho 15, 20 meninos na categoria, esse é um dos poucos que vai jogar em alto nível e dar dinheiro para vocês'. Aí fui conversar com ele: 'estou comprando a briga, acredito em você, só faz o que você treinou e vamos embora'. Ele arrebentou, jogou uns 12, 13 jogos comigo só de lateral."

Gabriel Menino ainda atuou pelo sub-20 do Guarani, mas em 2017 — aos 16 anos — foi negociado com o Palmeiras. Teve trajetória sólida e campeã na base, com convocações à seleção no currículo, e neste ano foi promovido ao elenco profissional com o técnico Vanderlei Luxemburgo. Sempre como volante. Por necessidade de elenco, atuou improvisado na lateral direita em pelo menos seis jogos e foi elogiado.

"Vanderlei Luxemburgo e Tite enxergaram a mesma coisa que eu enxerguei. Isso é um bom sinal para mim, né (risos)? Agora o Gabriel tem que ir lá e arrebentar", torce o ex-treinador e hoje amigo do lateral da seleção.

Nesse primeiro jogo de lateral, contra o São Paulo, chegamos no estádio e estava uma puta chuva, cheio de poça na lateral, encharcado. Eu olhei para ele, e ele: 'pode confiar em mim'. Tem certeza? 'Tenho'. E ele foi o melhor em campo, não saiu mais do time, no jogo seguinte fez gol. Naquela época ele teve uma proposta do Palmeiras, mas eu falei para não sair. Não estava preparado. Ele ficou. Outros saíram e hoje me pedem chance de jogar na Quarta Divisão

Ângelo Foroni, ex-técnico de Gabriel Menino

Ele me falava assim: 'Eu quero jogar em time grande, na seleção e na Europa'. 'Então tem que ser passo a passo', eu disse. Primeiro o clube grande. Corinthians, Santos e Athletico-PR também procuraram, mas ele escolheu o Palmeiras. Eu não escolheria, escolheria o Santos. Palmeiras não era time de lançar atletas antes do Luxemburgo. Mas a estrutura foi ótima e ele chegou à seleção. Hoje, como amigo, eu torço para ele alcançar as próximas metas

Sobre ofertas de rivais

Lucas Figueiredo/CBF

Improviso ou adaptação?

Uma dúvida comum entre torcedores depois da convocação foi a seguinte: se a ideia da convocação de Gabriel Menino é ter um "lateral-meio-campista" ou "lateral construtor", qual é a razão de Fabinho, do Liverpool, não receber uma chance? Hoje volante, ele foi formado na base do Fluminense como lateral-direito e já foi convocado por Tite para esta posição.

A questão é que Gabriel Menino jogou na lateral há um mês e Fabinho não joga (e nem treina) há pelo menos dois anos, pois no Liverpool sempre atuou como volante à frente da zaga. Seriam necessários mais ajustes do que o normal para três dias de treinamento, além da vontade de Fabinho de atuar no setor em que chegou ao alto rendimento — ele tem oito convocações com Tite, sendo sete para volante.

A ideia é parecida com o que acontece com Éder Militão, que tem atuado como zagueiro no Real Madrid — mas, como ele se recupera de lesão, não foi cotado para a lista das Eliminatórias. E mesmo assim, não tem a característica ofensiva, de articulação de jogadas, que fez os olhos de Tite brilharem quando viu Gabriel Menino em campo.

A carência da lateral direita da seleção brasileira não será solucionada com improvisos, no máximo com adaptações. Mas alguns nomes de origem têm despontado na posição pelo mundo e pleiteiam a sucessão da geração Dani Alves. Gilberto, ex-Fluminense, hoje no Benfica, é um deles. Ele tem 27 anos. Há outros, mais jovens, que sonham com espaço ainda neste ciclo. Veja:

Não vejo carências ou uma questão crônica de formação, mas um problema pontual na lateral direita. Alguns jogadores muito bons, principalmente das gerações 1994, 95 e 96, não vingaram no altíssimo nível por gestão da carreira e lesões. Mas vejo boas coisas nos próximos anos: Dodô sendo cobiçado pelo Bayern, Emerson, Yan Couto, Vinicius Tobias, Lucas Mazetti e Matheuzinho também. Estamos começando a usar conceitos de jogo que são usados lá fora e o mercado externo olha muito gulosamente nossos laterais

Mozart Maragno, especialista em base do projeto "Olheiros"

É fato que a sucessão da lateral direita da seleção já se tornou um problema se pensarmos no tamanho do Daniel Alves e Cafu, que ocuparam a posição durante anos. Porém, esta sucessão será um pouco menos dolorosa do que o momento atual. Além de Emerson, outros atletas também convocados para seleções sub-17, casos de Yan Couto e Garcia [Palmeiras], e até sub-15, com Vinicius Tobias, do Internacional, surgem nomes com perfil desejado pelos clubes, com leitura de jogo dos meias pelo lado direito. Observação é a palavra de ordem

Carlos Santana, especialista do "Portal da Base Brasil"

Lucas Figueiredo/CBF

Danilo e Fagner: os favoritos

Daniel Alves tem 37 anos e a continuidade de sua carreira em alto nível é uma incógnita. Ele tem contrato com o São Paulo, onde joga no meio-campo, até dezembro de 2022, mas já foi alvo de protestos da torcida e não conseguiu feitos expressivos em pouco mais de um ano.

Também há dúvidas sobre Danilo e Fagner. O primeiro completou 29 anos em julho e o outro fez 31 no mês anterior. Na Copa do Mundo do Qatar, que será realizada entre novembro e dezembro de 2022, eles terão 31 e 33 anos. Dani Alves, 39.

Consciente do envelhecimento de seus laterais preferidos, Tite e comissão têm dado oportunidades a jovens e iniciado uma transição de olho nas seleções pré-olímpica e sub-20. Nas duas primeiras rodadas das Eliminatórias, Danilo será o titular.

Pedro Martins/MoWA Press

Renovação na defesa

Essa promoção de jovens jogadores não é exclusividade da lateral direita na seleção brasileira. Do lado esquerdo, por exemplo, Renan Lodi vive a terceira convocação e será titular. Ele tem 22 anos e fez o que ninguém fez na outra lateral: chegou com tudo e ganhou a posição na bola.

Marcelo, 32, do Real Madrid, não foi convocado. Filipe Luis, 35, do Flamengo, também não. O reserva de Renan Lodi será Alex Telles, de 27, contratado nesta semana pelo Manchester United. É a renovação. Na zaga quem perdeu espaço foi Miranda, 36, que está na China. Thiago Silva tem a mesma idade, mas se mantém em alto nível no Chelsea e conta com o fato de nenhum jovem concorrente afirmado ter surgido.

Os zagueiros convocados para enfrentar Bolívia e Peru, além de Thiago Silva, são Marquinhos (26), Rodrigo Caio (27) e Felipe (31).

Aos poucos, Tite tenta mudar a cara da seleção de olho na Copa do Qatar. A atual lista de convocados, por sinal, tem média de idade de 26 anos e só cinco jogadores que passaram dos 30. E na lateral direita, há vagas.

Lucas Figueiredo/CBF Lucas Figueiredo/CBF
Divulgação

O país do goleiro velho

O Brasileirão de 2020 tem a maior média de idade dos goleiros na década no recorte de dez rodadas. De 34 jogadores usados pelos 20 clubes, só 12 têm menos de 30 anos. Aí você pode pensar: 'ok, mas goleiro é posição de confiança, é normal só jogar com certa experiência'. Mas esse "envelhecimento" da posição no Brasil ocorre simultaneamente à debandada de goleiros mais jovens no mercado da bola. De três goleiros convocados para a seleção sub-20 no Sul-Americano do ano passado, dois já deixaram o país.

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