Não saíram na foto

Goleiros deixam o país cedo, e Brasileirão mostra realidade: maior envelhecimento da década embaixo das traves

Gabriel Carneiro Do UOL, em São Paulo Lucas Figueiredo/CBF

É um clichê do futebol brasileiro quando o goleiro se esforça muito para fazer uma defesa, mas passa longe de impedir o gol: ele não saiu na foto. Atualmente é possível aplicar o ditado no sentido metafórico, e quem está fora de quadro são os jovens que atuam nesta posição no país.

O Campeonato Brasileiro de 2020 mostra a maior média de idade dos goleiros na década no recorte de dez rodadas. De 34 jogadores usados pelos 20 clubes, só 12 têm menos de 30 anos — aproximadamente 35% do total. E mais: hoje, há só cinco goleiros nesta faixa de idade que são titulares (Jean, João Paulo, Luan Polli, Tadeu e Tiago Volpi), e poucos como reservas imediatos.

Aí você pode pensar: 'ok, mas goleiro é posição de confiança, é normal só jogar com certa experiência'. E não é mentira. Mas esse "envelhecimento" da posição no Brasil ocorre simultaneamente à debandada de goleiros mais jovens no mercado da bola. Sem espaço nos clubes (muitas vezes nem entre os suplentes), eles exploram o futebol internacional atrás da chance de atuar cedo e não sair do radar da seleção brasileira — foi o caminho que Ederson (Manchester City), que foi para a Copa do Mundo aos 25 anos (hoje tem 27), tomou.

Um exemplo recente mostrado nesta reportagem do UOL Esporte: de três goleiros convocados para a seleção sub-20 no Sul-Americano do ano passado, dois já deixaram o país e o outro é hoje a quarta opção de seu time na Série A (e quer sair). Isso mostra que o mercado nacional é restrito para goleiros jovens e não preza pela renovação no setor, o que tem suas partes boas e ruins. Para usar outro clichê: um grande time começa com um grande goleiro. No Brasil, o caminho é mais fácil se ele nasceu antes de 1990.

Lucas Figueiredo/CBF
Alexandre Vidal/Flamengo

Brazão, Megiolaro e Hugo Souza

Em fevereiro do ano passado, a seleção brasileira sub-20 foi eliminada no hexagonal final do Sul-Americano e ficou fora do Mundial da categoria. O técnico Carlos Amadeu, demitido dias depois para dar lugar a André Jardine, tinha três goleiros à disposição no torneio: Gabriel Brazão (Cruzeiro), Phelipe Megiolaro (Grêmio) e Hugo Souza (Flamengo). O gremista foi o titular nos nove jogos. Não à toa, foi o primeiro dos três a jogar profissionalmente no país, em duas rodadas do Brasileiro do ano passado.

Em 2020, Megiolaro foi emprestado ao FC Dallas, dos Estados Unidos. Justificou pelo "projeto" e pela "oportunidade de jogar". Também neste ano, Brazão foi anunciado pelo Real Oviedo, da Espanha, por empréstimo de uma temporada — ele pertence à Inter de Milão, contratado junto ao Cruzeiro no ano passado, por R$ 11 milhões.

Do trio, só Hugo Souza permanece no país. No Flamengo, ele é a quarta opção do técnico Domènec Torrent, que usou três goleiros no Brasileirão - Diego Alves, César e Gabriel Batista - antes de ver o "Neneca", como é conhecido, estrear ontem (26) e garantir o suado empate contra o Palmeiras. Neste mês, o clube rejeitou sondagens de Nice (França) e Boavista (Portugal), que tentavam um empréstimo. A decisão enfureceu o estafe do goleiro de 21 anos, que acusa o Flamengo de não ter um projeto para o menino, já convocado por Tite para a seleção principal pensando no projeto Tóquio-2021.

O futebol internacional é um caminho percorrido por goleiros com seleção de base no currículo. Dos convocados para grandes competições neste século, há vários em ação por lá, com destaque para Gabriel (Lecce, Itália), Neto (Barcelona, Espanha) e a grande estrela Alisson (Liverpool, Inglaterra). Veja algumas promessas brasileiras do gol que se aventuram fora do país:

Divulgação

"Na Europa, o melhor sempre joga. Não depende da idade"

Entre os principais nomes da nova geração de goleiros, Gabriel Brazão esteve nas categorias de base do Cruzeiro entre 13 e 18 anos. Ele era a quarta opção do elenco profissional quando foi negociado com o futebol italiano — primeiro o Parma, depois a Inter de Milão. Sua estreia como jogador profissional foi aos 18, na Segunda Divisão espanhola, emprestado ao Albacete.

"Está faltando espaço. A cultura brasileira ainda tem muito medo de colocar goleiros jovens para jogar. Enquanto isso não mudar vamos perder muitos goleiros, que vão sair cedo", diz garoto que faz 20 anos em outubro em importante desabafo ao UOL Esporte - veja mais abaixo.

Assista à entrevista

Alvaro Jr.

Ivan é destaque "solitário" no país

O goleiro jovem de maior destaque no futebol brasileiro é Ivan, que disputa a Série B do Campeonato Brasileiro pela Ponte Preta. Aos 23 anos completados em fevereiro, ele tem mais de 100 partidas como profissional, já foi convocado pela seleção brasileira principal e é um dos nomes mais fortes para a disputa dos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2021.

Na elite, o goleiro em idade olímpica mais conceituado é Cleiton, do Red Bull Bragantino. Aos 23 anos (e, portanto, dentro das regras adaptadas ao contexto da pandemia na competição), ele foi alvo de um investimento de R$ 23 milhões junto ao Atlético-MG e teve oportunidades como titular, mas não se firmou e voltou para o banco de Julio Cesar. 35 anos.

Lucas Perri, Lucão e Anderson — reservas de São Paulo, Vasco e Athletico Paranaense — são outras opções observadas e "oportunizadas" na seleção dirigida por André Jardine.

Mas essa notória instabilidade dos jovens jogadores da posição no futebol brasileiro levanta um debate sobre a Olimpíada: o Brasil precisará, de novo, apelar para um jogador acima da idade na posição, entre os três permitidos? Em 2016, o veto do Benfica à convocação de Ederson fez Fernando Prass ser lembrado. Depois, ele foi cortado por lesão e Weverton ajudou na conquista do ouro inédito. Foi o primeiro goleiro "super-23" convocado desde a adoção da regra, 20 anos antes. Como será em 2021?

Brasileirão 2020 tem maior média de idade da posição na década

Para demonstrar o envelhecimento da posição de goleiro no futebol nacional, o UOL Esporte organizou um levantamento das dez primeiras rodadas do Campeonato Brasileiro nesta década (2011 a 2020).

O ano atual carrega a maior média de idade (31,1 anos) e também o menor número de atletas com menos de 30 anos utilizados (apenas 12 jogadores, aproximadamente 35% do total). É a única vez nesta década em que a média de idade, segundo o recorte de dez rodadas, supera 30 anos, sendo Fernando Prass (42, do Ceará) o mais velho a entrar em campo e Gabriel Batista (22 anos, do Flamengo) o mais jovem —e ele só jogou porque o titular Diego Alves (35) estava lesionado e o reserva imediato, Cesar (28), tinha Covid-19.

Nos outros anos, foi comum a escalação de jogadores mais novos que o terceiro goleiro flamenguista. Em 2019, o Vasco teve Alexander, 19, por exemplo. Em 2017, o Atlético-MG escalou Cleiton, então com a mesma idade do vascaíno. Já em 2012, também aos 19, Victor Brasil vestiu a camisa do Coritiba.

Os 42 anos de Fernando Prass, por sua vez, são igualados: Rogério Ceni tinha essa idade em 2015. Além do são-paulino, há mais dois jogadores que chegaram a atuar aos 41: Magrão (Sport, em 2018) e Harlei (Goiás, em 2013). A questão é que neste ano há mais jogadores com idades mais próximas de Prass do que em temporadas anteriores: há um goleiro com 39 anos (Jailson, do Palmeiras), dois com 37 (Diego Cavalieri, do Botafogo, e Victor, do Atlético-MG), três com 36 (Wilson, do Coritiba, Vanderlei, do Grêmio, e Anderson, do Bahia), além de mais dois que estão com 35 (Diego Alves, do Flamengo, e Julio Cesar, do Red Bull Bragantino).

Números da década (em dez rodadas)

  • 2020

    34 goleiros usados (12 abaixo de 30 anos); média de 31,1 anos

    Imagem: Bruno Cantini/Atlético-MG
  • 2019

    36 goleiros usados (15 abaixo de 30 anos); média de 29,5 anos

    Imagem: JUAN MABROMATA / AFP
  • 2018

    39 goleiros usados (17 abaixo de 30 anos); média de 29,7 anos

    Imagem: Pedro Vale/AGIF
  • 2017

    28 goleiros usados (16 abaixo de 30 anos); média de 29,2 anos

    Imagem: Ale Cabral/AGIF
  • 2016

    30 goleiros usados (19 abaixo de 30 anos); média de 29,1 anos

  • 2015

    32 goleiros (22 abaixo de 30 anos); média de 27,8 anos

    Imagem: Fernando Moreno/AGIF
  • 2014

    34 goleiros (20 abaixo de 30 anos); média de 28,6 anos

    Imagem: REUTERS/Edison Vara
  • 2013

    34 goleiros (20 abaixo de 30 anos); média de 28,6 anos

    Imagem: Thomas Santos/AGIF
  • 2012

    38 goleiros (28 abaixo de 30 anos); média de 27 anos

    Imagem: Miguel Schincariol/Getty Images
  • 2011

    39 goleiros (28 abaixo de 30 anos); média de 26,9 anos

    Imagem: Buda Mendes/Getty Images
Pedro Chaves/AGIF Pedro Chaves/AGIF

Visão dos especialistas

Goleiro tem essa grande vantagem de jogar com uma idade avançada em alto nível. Só ver o Fernando Prass. Acho que esse dado é coincidência. Eu, por exemplo, fui titular no Paraná aos 18 anos. Aos 21 já estava no Palmeiras. Eles queriam contratar outro goleiro mais experiente, mas eu fiquei sem tomar gols 13 jogos e mostrei que não precisava. Goleiro é diferente quando recebe crítica. Tem essa cobrança de que não pode errar e se é jovem dizem que você não está preparado. Mas grandes goleiros diminuem as críticas

Zetti, Ex-goleiro de Palmeiras, São Paulo, Santos e seleção

A experiência ajuda, gera tranquilidade e segurança para o elenco. Eu assumi a titularidade no Fluminense com 21 anos. Até fazia grandes partidas, joguei uma final de Carioca, mas o time não ganhava porque ainda estava sendo formado. Quando isso acontece, a meta fica menos protegida e você fica mais vulnerável. E se você é jovem, é difícil conquistar o poder de errar, o poder de falhar, que você vai conquistando a cada jogo. Acabei perdendo a posição e só ficou mais fácil quando veio a experiência

Nei, ex-goleiro de Fluminense, Corinthians e Santos

Renovação na seleção: vai ter?

À frente da seleção brasileira há mais de quatro anos, Tite já convocou 15 goleiros. Cinco fazem parte do projeto olímpico (Daniel Fuzato, Gabriel Brazão, Hugo Souza, Ivan e Phelipe Megiolaro), dois não são mais titulares em suas equipes e deixaram o radar (Alex Muralha e Danilo Fernandes) e outros dois foram lembrados uma única vez (Marcelo Grohe e Diego Alves).

Restam seis, que parecem ser aqueles de fato competitivos: Alisson, Ederson, Weverton, Cássio, Santos e Neto — este, correndo por fora.

Quem será o próximo a entrar no radar? Desde a retomada das observações in loco da comissão técnica, seis nomes já foram vistos: Diego Alves (Flamengo), Vanderlei (Grêmio), Rafael (Atlético-MG), Weverton (Palmeiras), João Paulo (Santos) e Muriel (Fluminense).

A seleção volta a jogar em outubro, nos dias 9 e 13, contra Bolívia e Peru, pelas Eliminatórias para a Copa do Mundo de 2022. Os escolhidos desta vez foram Alisson, Weverton e Santos. Só o titular tem menos de 30 anos.

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