La pregunta?

Passagem de Tevez pelo Corinthians virou fenômeno popular, criando personagens na TV e ditando moda na torcida

Brunno Carvalho e Diego Salgado Do UOL, em São Paulo Antônio Gaudério/Folhapress

A passagem de Carlos Tevez pelo Corinthians foi tão marcante que ainda hoje, 15 anos depois de ter vestido a camisa alvinegra pela primeira vez, o impacto de sua presença no Parque São Jorge ainda é sentido.

Tevez não encantou os torcedores apenas dentro de campo. Ele gerou uma febre fora dele. A touca de pescador virou mania nas arquibancadas. O ritmo da cumbia ficou conhecido no país e a galera —não necessariamente corintianos apenas— tentava imitar suas danças peculiares na hora de comemorar um gol.

O estilo do argentino invadiu a televisão brasileira. O Pânico, programa muito popular na época, criou um personagem para andar ao lado de Robinho, outra febre da molecada. Tevez sambava. Robinho, pedalava.

O singular atacante foi importado para a cultura do futebol nacional e ainda foi além. A ponto de, tanto tempo depois, ainda dar as caras na televisão brasileira um personagem inspirado no argentino, de fala complicada, que segue sem entender a "pregunta".

Antônio Gaudério/Folhapress
Sérgio Barzaghi/Agência O Globo Sérgio Barzaghi/Agência O Globo

Chegada com festa e sirene

A sirene do Parque São Jorge tocou em 21 de dezembro de 2004. Era a primeira vez depois de três anos de silêncio na sede do clube. A última tinha sido, vejam só, para Paulo Nunes, um reforço que não deixou saudades para nenhum dos lados. Mas dessa vez seria diferente. O então presidente Alberto Dualib anunciou que chegara "o maior presente da história" do Corinthians. Era Tevez.

O barulho da contratação foi tamanho que o clube comemorou seus 94 anos três meses depois da data correta. Tudo para que o símbolo da recém-fechada parceria com a MSI fosse apresentado durante a festa.

E festa foi o que não faltou. Do lado de fora do Parque São Jorge, rojões eram acesos para receber o atacante que vinha do Boca Juniors. Dentro do clube, cerca de mil pessoas acompanhava a apresentação com músicas e até odaliscas.

O aparato já dava ideia da magnitude da passagem de Tevez pelo Corinthians. "O Corinthians sempre foi um clube que atraiu muita imprensa, mas com a chegada do Tevez e da MSI todos os holofotes se viraram para nós", recorda o zagueiro Betão.

Arquivo pessoal

Cabrito Tevez resiste ao tempo

Não importava se o Corinthians estava em campo: as chances de topar com Tevez na TV eram enormes por aqueles tempos. Poucas vezes, é verdade, era o argentino de verdade em cena. O impacto da chegada de uma das maiores revelações do futebol sul-americano da época ao Brasil fez as imitações se espalharam, seja em programas esportivos ou não. Era o caso do "Pânico". No humorístico então na RedeTV, o "Tevez" não falava, apenas tomava tapas na cabeça de "Merchan Neves", interpretado por Carlinhos Silva. Era a deixa para o ator Zezinho sambar como Tevez, enquanto Nestor Bertolino pedalava como Robinho.

O "samba" do Tevez teve vida curta se comparado ao personagem criado por Alexandre Porpetone. O argentino deixou o Corinthians em 2006, mas seu Cabrito Tevez segue no SBT até hoje, ainda querendo saber qual era a "pregunta". Ele é presença constante no "Jogo dos Pontinhos", de Silvio Santos.

"Eu achava engraçado que os repórteres faziam a pergunta e não entendiam a resposta do Tevez. Tinha vez que nem o Tevez entendia a pergunta. Falei: 'puta, dá para brincar com isso'", disse o humorista.

As imitações começaram no Bola na Rede, da RedeTV, apresentado por Roberto Avallone, mas explodiram em "A Praça É Nossa", do SBT. "Eu achava que não ia render a imitação porque não dava muito para entender o que o personagem falava. Fiquei até na dúvida se investia numa dentadura para usar no Cabrito Tevez. Mas acabou virando minha imitação mais conhecida na TV".

A conturbada saída de Tevez em 2006 fez com que Porpetone precisasse improvisar. Enquanto os torcedores se desesperavam para saber onde estava o argentino, o humorista se "escondia" com Cabrito Tevez.

"Logo que eu fui para a Praça, o Tevez saiu do Corinthians. Precisei reformular todo o personagem: era o Cabrito disfarçado de Justin Bieber, de Harry Potter, Chicletevez com Banana... Um monte de coisa para manter a longevidade do personagem."

Tevez se incomodou com imitação

O incômodo do Tevez, na verdade, não foi em 'A Praça É Nossa', mas no 'Tom de Bola', da Record. A produção quis colocar a cicatriz, que eu até não gostava, mas quiseram caracterizar fielmente, e foi isso que o incomodou. Quando eu fui para a 'Praça', eu não quis a cicatriz. Na 'Praça', nunca houve a imitação com a cicatriz.

Alexandre Porpetone

Victor R. Caivano/AP

A parceria que permitiu a contratação

Como Tevez chegou ao Corinthians? A origem foi uma proposta sedutora aos olhos dos cartolas do Corinthians: investimento inicial de 35 milhões de dólares (R$ 100 milhões na cotação da época) no futebol e a chance de contar com jogadores de ponta no âmbito mundial.

Àquela altura, na política do clube, o tempo de contrato e até a origem do dinheiro ficariam em segundo plano diante da euforia gerada pelas promessas da MSI, representada no Brasil pelo iraniano Kia Joorabchian.

A MSI ainda comandaria o departamento de futebol, incluindo a parte financeira. O lucro foi dividido da seguinte forma: 51% para a MSI, e 49% para o Corinthians. Se algum jogador contratado fosse negociado, a empresa ficaria com 80% do valor. Se o atleta já fosse do clube, a MSI teria direito a 20%.

A parceria foi firmada numa noite de novembro, mesmo diante de protestos de torcedores. Naquele momento, o Corinthians comandado por Alberto Dualib mudaria sua história.

Tevez foi o grande símbolo daquela parceria. Os US$ 22 milhões (R$ 135,8 milhões em valores corrigidos) pagos para tirá-lo do Boca Juniors transformaram o atacante na maior contratação da história do Corinthians e uma das mais caras do futebol sul-americano.

Junto com ele chegaram outros nomes badalados: Carlos Alberto, Roger, Mascherano e Nilmar. Mas a lua de mel durou pouco. A relação entre MSI e Corinthians já estava estremecida durante a campanha do título brasileiro de 2005.

O casamento chegou ao fim junto com a má campanha de 2006. Ao Corinthians sobrou dívida. E o cenário de terra arrasada. O rebaixamento para a segunda divisão do Brasileirão foi a consequência.

Bruno Domingos/Reuters Bruno Domingos/Reuters

Passagem rápida, mas vitoriosa

Tevez dificilmente seria o fenômeno que foi se não jogasse como jogou. O estilo aguerrido já seria o suficiente para fazer os olhos do torcedor corintiano brilharem, com uma identificação imediata ao estilo aplaudido pelas arquibancadas. Mas obviamente não era só esse componente que ele trouxe ao clube: em campo, seus números foram impressionantes. Nos 76 jogos que fez pelo Corinthians, marcou 46 gols e deu 16 assistências. Foi o grande responsável pelo título brasileiro de 2005.

"Ele não tinha essa questão do estrelismo. Isso era algo muito mais [visto] de fora para dentro do que de dentro para fora. Dentro do clube, o Tevez nunca usou o status que tinha para ter vantagem em alguma coisa. Sempre foi uma pessoa bem simples e de grupo", recorda Betão.

Agora, numa relação que ganhou tanta visibilidade e que foi vivida com muita intensidade, Tevez também ganhou exposição por momentos de atrito. O mais repercutido foi o episódio de troca de socos com o zagueiro Marquinhos —também prata-da-casa do Corinthians, mas favor não confundir com o defensor que hoje faz fama pelo PSG— em 2005.

Numa coletiva, o argentino apareceu com um moletom do Manchester United —clube que no futuro viria a defender— e o tirou, visivelmente incomodado, após ser questionado por um repórter. Quando a saída do clube já era especulada, suas constantes viagens para a Argentina passaram a incomodar.

Tuca Vieira/Folhapress

A saída conturbada

A relação da MSI com o Corinthians já estava estremecida quando a saída de Tevez começou a ser tramada. Depois da eliminação para o River Plate na Libertadores de 2006, os atritos com o novo técnico, Emerson Leão, que tirou sua braçadeira de capitão, deixavam o argentino cada vez mais distante do Parque São Jorge —quando ele chegou, o comandante era o também argentino Daniel Passarela.

A saída dele foi uma morte anunciada, as pessoas já estavam esperando. Não foi surpresa para ninguém".
Betão

Nem mesmo a relação com as arquibancadas estava em paz. Depois de voltar da Copa do Mundo de 2006, Tevez marcou no empate em 2 a 2 com o Fortaleza e mandou a torcida se calar. Na saída do estádio, teve seu carro chutado. A despedida era questão de tempo.

"O torcedor estava vaiando e ele achava que naquele momento o time precisava de apoio, não de vaias. A equipe tinha sido campeã em 2005, mas não estava bem em 2006. Esse caso acabou abalando um pouco a relação com a torcida. Mas a saída dele foi ruim para todo mundo. Era uma grande referência que o clube perdeu", diz Betão.

Tevez ainda faria mais cinco jogos e marcaria três gols antes de trocar o Corinthians pelo West Ham, da Inglaterra, junto com seu compatriota Javier Mascherano. Depois, ainda brilharia em Manchester United, Manchester City e Juventus antes de voltar ao Boca Juniors, seu time do coração.

Reuters

Tevezmania chegou na Europa

A Europa conheceu um Tevez mais maduro, talvez até mais extrovertido. Mas o que conquistou mesmo foi a quantidade de gols e a raça mostrada dentro de campo. Os mesmos elementos que encantaram os corintianos. Tevez virou ídolo do West Ham, ouviu pedidos da torcida para não deixar o Manchester United e decidiu sair da Juventus no auge de sua passagem, que resultou em uma final de Liga dos Campeões.

Assim como no Corinthians, colecionou polêmicas. Entrou em atrito com Roberto Mancini na época do Manchester City e provocou Alex Ferguson, seu antigo treinador no Manchester United, na comemoração do título pelo rival. O cartaz "Descanse em paz, Fergie" pegou tão mal que ele precisou se desculpar.

As polêmicas pareciam não atrapalhar as grandes exibições. Tevez integrou um ataque com Rooney e Cristiano Ronaldo que conquistou a Liga dos Campeões pelo United. No City, foi artilheiro do Campeonato Inglês com 21 gols. Mas foi na Juventus que ele foi o "cara".

Longe de polêmicas na Itália, marcou 50 gols em 96 jogos e conduziu a equipe alvinegra a dois títulos italianos e a final da Liga dos Campeões. As atuações colocavam ele como postulante ao prêmio de melhor jogador do mundo em 2015, mas a derrota para o Barcelona na final da Liga dos Campeões impediu.

Foi o último capítulo da história de Tevez na Europa. Mesmo no auge e muito querido pela torcida da Juventus, decidiu matar a saudade de casa e voltar para o Boca Juniors, seu time do coração.

"Volta, Carlitos Tevez!"

O sonho dos corintianos verem Tevez novamente com a camisa do clube resiste ao tempo da mesma maneira que Cabrito Tevez, na tela do SBT. Parece uma regra: as especulações sobre uma possível volta surgem a cada vez que a janela de transferências se abre.

A mais palpável delas aconteceu em 2011. O Corinthians, já devidamente restabelecido após o rebaixamento em 2007, chegou a oferecer R$ 90 milhões ao Manchester City para contratar o argentino. As divergências com as parcelas, contudo, fizeram com que o clube paulista desistisse do negócio.

Por muito tempo, o corintianíssimo jornalista Chico Lang soltou o grito de "volta, Carlitos Tevez" em seus comentários na Gazeta. Mas Tevez nunca voltou. A cada temporada que passa, um retorno do argentino, hoje com 36 anos, fica mais improvável. A paixão arrebatadora de um ano e meio tende a ser a única lembrança que o corintiano terá para contar sobre o argentino de fala complicada e dança irreverente.

Isso, claro, se Cabrito Tevez ainda não estiver na TV para contar sua própria história em sua própria língua.

Coppola, Jefferson/Folhapress Coppola, Jefferson/Folhapress

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