A guerra do Paraná

Um ponta veloz (e briguento), o ídolo do São Paulo foi à Copa em cadeira de rodas e saiu em defesa do Rei

Roberto Salim Colaboração para o UOL, em São Paulo Arquivo pessoal

O menino era fracote. Tinha 14 anos, não chegava aos 50 quilos e tinha as canelas finas queimadas pela entrega das marmitas quentinhas dos tempos em que morava em Jacarezinho. Mas ele jogava muita bola, era valente e integrava o time do Santos do bairro em que morava em Sorocaba. Tinha herdado um pouco do futebol de seu pai, conhecido como "Pé de Pena", tal a elegância com que tocava a bola nos campos do interior do Paraná.

Pois foi no campo do Santa Rosália que, em uma partida decisiva do campeonato amador sorocabano, o filho do Pé de Pena subiu para tentar alcançar a bola cruzada. Antes de acertar o cabeceio, foi atingido na testa pelos cravos de couro da chuteira do zagueiro do Fortaleza.

Já faz 64 nos que a cena aconteceu, mas Ademirzinho lembra direitinho do sangue descendo pelo seu rosto. Do seu olhar para o juiz da partida, o temido Dito Branco. E das palavras proferidas pelo árbitro, quando ele tentou reclamar que sofrera um pênalti.

"Limpa o sangue e vai para a guerra!"

Naquela manhã, o menino que carrega a cicatriz na testa até hoje percebeu que o futebol não era para qualquer um. E ele aprendeu também muito com o companheiro Nelson Oliveira, o centroavante Maquinão, quase 80 quilos e 1,80: um tanque.

"O Maquinão me disse uma vez que o nosso time, já no São Bento, tinha medo de que os adversários me quebrassem. Ele disse que olhavam para mim e só viam o beiço, um menino magrinho e o joelho pontiagudo. Então, eles me ensinaram a bater também, a me defender.

E foi aí que o menino se transformou no Paraná, o ponta-esquerda que não se escondeu de ninguém na partida em que o Brasil perdeu de Portugal de 3 a 1 - uma verdadeira batalha campal realizada na Copa do Mundo de 1966, no dia 19 de julho, no Goodison Park, em Liverpool.

Aquele jogo em que o Rei Pelé passou boa parte dos 90 minutos mancando e tocando a bola somente com a perna esquerda, com o joelho direito enfaixado por Mário Américo e graças a uma infiltração feita no intervalo da partida pelo doutor Hilton Gosling.

Arquivo pessoal
Vinícius Andrade/ UOL Esporte

Um contador de histórias e algumas brigas em campo

Daquele jogo da Copa do Mundo já se passaram 54 anos, mas como as lembranças de Dito Branco, os pontapés dos lusos Coluna, Morais e Vicente ainda são sentidos nas pernas de Paraná —especialmente a esquerda, que guarda uma cicatriz de 12 pontos na canela.

Morador em Sorocaba (SP), Ademir de Barros, o Paraná é um excelente contador de histórias. Formado em Administração e Educação Física, o filho do Pé de Pena se define da seguinte maneira.

Eu sou um cara bom fora do campo, mas um cara que se transformava dentro das quatro linhas

Paraná

E como se transformava esse Paraná que até um ano atrás batia sua bolinha todos os sábados. Fazia o café cedinho, colocava na garrafa térmica e ia para o campo da Faculdade de Engenharia fazer o que mais gosta ao lado de velhos amigos. "Mas agora com essa pandemia... e um desgaste no fêmur, não tenho jogado mais. Também, já estou com 78 anos".

A vontade dos tempos de futebol ele mata vendo o neto Pedro Henrique, que joga futsal no fortíssimo time do Magnus. "Ele é canhoto", diz. Canhoto como o avô, então. Ou talvez não. "Ah, enganei vocês esse tempo todo! Eu não sou canhoto, batia com as duas pernas, jogava nas duas pontas. E quando comecei, era meio-campo como o meu pai, e até de centroavante eu joguei".

Mas na história do São Bento de Sorocaba, do São Paulo Futebol Clube e na seleção brasileira sempre Paraná foi sinônimo de ponteiro-esquerdo. Daqueles ágeis, velozes. E briguentos.

A hora da dividida

"Uma vez o Jair Marinho, que jogou no Fluminense, no Corinthians, na Portuguesa e na seleção brasileira, disse que gostava de me enfrentar. Ele disse que na dividida, a gente quebrava a bola. E quebrava mesmo, sem maldade".

Desde os tempos de amador, Paraná aprendeu a dividir, para não ser quebrado pelos mais fortes e mais velhos.

"Uma vez em um torneio em comemoração ao dia do Trabalho, o Sesi de Sorocaba realizou um campeonato. E na final eu fui jogar pelo time da Metalúrgica da cidade. No time adversário tinha um zagueiro violento chamado Gino. Ele pulava com os dois pés na altura da minha cabeça em todo cruzamento. E no intervalo meus companheiros foram reclamar com o juiz. E jogo importante era sempre o Dito Branco que apitava. Sabe o que ele falou? 'Ah, o Gino está machucando o Paraná? Então tira o Paraná de campo, uai!' —pode uma coisa dessas?"

E foi esse jovem guerreiro e valente que subiu ao time principal do São Bento que tinha no ataque Raimundo, Cabral, Picolé, Bazaninho e Paraná. Para chegar ao primeiro salário, fez três gols contra o Corinthians de Votorantim, numa goleada por 6 a 2. O presidente José Miranda Filho o levou até em casa, de uniforme mesmo e fez o filho do Pé de Pena assinar o primeiro contrato.

De luvas, ganhei uma televisão!"

Acervo Pessoal Acervo Pessoal

Onde fica o Paraná?

Eram as portas abertas para o sucesso. O São Bento tinha um esquadrão e logo o ponta rápido e driblador atraiu o interesse de clubes grandes. O São Paulo foi mais esperto e em fevereiro de 1965 levou Paraná para o Morumbi. Três meses depois ele já recebia sua primeira convocação para a seleção brasileira.

"Foram 22 jogos na seleção, ao lado de gente como Garrincha, Pelé, Tostão, Servílio, Flávio, Gérson, Silva, Jairzinho. Eles jogavam muito e a gente procurava acompanhar".

Com a camisa amarelinha Paraná fez apenas um gol. "Foi contra o Peru, em uma goleada de 4 a 0, mas eu não lembro direito como foi. Sei que foi no Morumbi e que bati de fora da área".

Embora fosse ponta, ele tinha aprendido a jogar com seu pai Anísio e seus tios. Corria por todas as posições do ataque, procurava alternativas de jogo. Não ficava preso do lado esquerdo.

"Lembro de uma partida contra a União Soviética, em Moscou. E os caras marcando em cima. O Negão pegava a bola e os caras faziam falta. Só batendo. Aí eu falei para o Pelé: vou para o outro lado com meu marcador e ele vai deixar um espaço. Entra pela esquerda. Não deu outra: fiquei parado na lateral do campo, lá pelo lado direito, perto da mesa do representante, e o marcador parado do meu lado. Sem se mexer. Aí o Gérson meteu a bola e o Pelé entrou pela esquerda, driblou um e passou para o Flávio, que fez o gol".

Acervo SPFC

395 partidas pelo São Paulo

Paraná disputou 395 jogos com a camisa do São Paulo e marcou 40 gols. Neste período, acumulou 198 vitórias, 98 empates e 99 derrotas. Ele ajudou o time na conquista dos Campeonatos Paulistas de 1970 e 1971, quando o time tricolor interrompeu um incômodo jejum de conquistas. O último troféu erguido havia sido o do Paulistão de 1957. Na década de 60, frise-se: foi quando o clube se empenhou na construção do Morumbi, destinando boa parte de seus recursos à obra.

Divulgação/Santos

"Eu dei muito autógrafo como Pelé"

Com Pelé foram várias passagens até chegar o jogo contra os portugueses na eliminação da Copa da Inglaterra.

"O Rei era o jogador que mais dava autógrafo e muitas vezes o pessoal deixava no hotel aquele monte de papel em branco que era para ele assinar. E como eu assinava igualzinho a ele, eu dei muito autógrafo como Pelé".

Outra coisa curiosa daqueles tempos em que a seleção não trocava de camisa a cada jogo.

"Às vezes a gente jogava com a mesma camisa muitas e muitas vezes. O Pelé era o único que recebia mais camisas da malharia Santa Isabel, porque eram camisas dadas como brindes a dirigentes e autoridades. Então os uniformes mesmo estando lavados e limpinhos tinham um cheirinho do nosso sabão na época. Dava para perceber pelo perfume, quando o Rei ou outro jogador nosso se deslocava. Então era só tocar que, no caso Pelé ia lá receber. Não precisava nem olhar".

Situações inimagináveis de uma época que passou. De um esporte mais romântico. Mas não menos violento.

Dois craques falam sobre Paraná

Paraná era um jogador tático. Tinha habilidade, mas o principal era a forma como se portava em campo. Ele ajudava o meio, fazia recomposição, era incansável. Seu esforço fez com que deixasse um gênio como Edu na reserva em 66. Eu posso comparar o Paraná com o Romero, do Corinthians

Tostão, Companheiro de Paraná na Copa de 1966 e campeão mundial em 1970

Tecnicamente, não era um fenômeno, mas tinha excelente preparo físico e cruzava com perfeição. Djalma Santos citou três pontas que lhe davam trabalho. Canhoteiro, pelo fino futebol, Pepe, com uma canhota violentíssima, e Paraná que não o deixava apoiar nunca e as vezes entrava muito firme nas divididas

Pepe, Bicampeão mundial em 1958 e 1962 e um dos maiores artilheiros da história do Santos

Garrincha, Tostão, Pelé e... Paraná?

Na hora das convocações... nem mesmo o bom ambiente deixava o clima mais leve. Afinal, o Brasil era bicampeão do mundo, vinha de duas conquistas memoráveis e a responsabilidade era grande daquele grupo de jogadores.

"Havia uma pressão muito grande para convocar este ou aquele jogador e na minha opinião houve muitos erros. Eu mesmo achava que não iria mais para a Inglaterra, porque no último amistoso antes da copa já na Europa eu sofri uma contusão grave."

Foi em uma partida contra a seleção da Suécia, em Gotemburgo. "Era o último jogo antes do Mundial. O ataque: Garrincha, Tostão, Pelé e Paraná. Eu fiz a tabela com o Tostão. Eu estava de ponta-esquerda, mas atuava também pelo meio, ajudava o meio-campo. Fiz a tabela, a bola bateu na perna do zagueiro e eu entrei para chutar a gol. Então apareceu outro zagueiro e calçou a minha perna esquerda", conta.

O Mário Américo e o doutor Hilton Gosling entraram imediatamente em campo. Foi uma jogada feia. E eu louco para levantar e pegar o cara que tinha tentado me quebrar. Eu gritava para os dois: 'estanca o sangue, estanca que eu quero pegar o filho da puta'. Mas nessa hora eu lembro até hoje, o doutor Hilton falou não dá para voltar Paraná, o osso está aparecendo".

Uma breve pausa. Um suspiro. E Paraná prossegue:

Então eu sai de campo. Levei 12 pontos na canela. E aí só me deslocava de cadeira de rodas. Estava para acontecer os últimos cortes no grupo de jogadores. E eu ali na cadeira. Pensei estou machucado, com esses pontos na perna. A Copa já vai começar. Eu estou fora".

Era a lógica, certo? Mas aquele era outro futebol. Também com espaço para surpresas.

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A boneca ficou para depois

Ao desembarcar no aeroporto em Londres, uma foto perdida no tempo mostra Paraná carregando uma boneca, que havia prometido trazer para a filha do amigo João Nogueira, seu primeiro técnico no time do Santos de Sorocaba. Aquela mesma equipe onde aprendeu os caminhos mais curtos de um campo de futebol.

"Lembro que antes da viagem a Selma, que era uma menininha, pediu uma boneca de presente da viagem. Não lembro em que cidade foi. Só que vi a boneca em uma loja e comprei. E desde então qualquer que fosse a viagem eu tinha que levar na mão, porque não cabia na mala".

E foi andando com dificuldade até receber uma cadeira de rodas e com a boneca no colo, que Paraná chegou à capital inglesa. Para sua surpresa soube que não seria cortado e que seu nome estava na lista entregue à Fifa.

"Cortaram o Servílio e eu fiquei na cadeira de rodas para lá e para cá. Gente, o Servílio era o nosso melhor atacante depois do Pelé! Estava jogando muito. Mas vai saber por que me deixaram. Por que ele foi dispensado? Ele e mais o Valdir Joaquim de Moraes, o Djalma Dias, o Dias, o Carlos Alberto Torres. Ah, teve muita coisa errada. Muita pressão da turma do Rio de Janeiro. Mas a verdade é que eu fiquei".

Arquivo Pessoal Arquivo Pessoal

Paraná e Pelé ficaram na torcida

Paraná ficou na seleção e não treinou. "Fazia um ou outro movimento. Um ou outro exercício sentado. Um tipo de treinamento físico. O Mário Américo fazia os curativos na minha perna. E veio o primeiro jogo contra a Bulgária. A gente viu a partida da arquibancada, porque antes entravam somente os 11 jogadores em campo com o técnico. Jogamos bem. Mas o Pelé sofreu muitas faltas, sentiu o joelho e foi poupado no jogo seguinte".

Na verdade, Pelé sofreu nove faltas só do zagueiro búlgaro Jetchev. E só então o árbitro chamou a atenção do jogador. No jogo seguinte contra a Hungria, resultado: o Rei do Futebol ficou só na torcida, com Paraná e os demais jogadores. Segundo Paraná, essa partida foi cruel para o destino da seleção brasileira na Copa da Inglaterra.

"Estávamos jogando bem, fizemos um a zero e teríamos feito o segundo em um lance que a bola sobrou para o Alcindo. Se ele encosta a barriga na bola era gol. Mas ficou esperando ela chegar ao pé dele. E o zagueiro húngaro veio com tudo e salvou. Aí viraram o jogo".

Fazia duas Copas do Mundo que o "scratch" canarinho não perdia um jogo. E isso virou também o ambiente dentro do grupo da seleção. Começaram as críticas a Vicente Feola (na foto acima).

Schirner/ullstein bild via Getty Images

O drama de Feola e dois reforços. Ou quase isso

No último treino no campo do Bolton, houve um incidente envolvendo a comissão técnica e 50 torcedores brasileiros, que tinham viajado para ver a preparação final para o jogo contra os portugueses. Neste treino, Pelé jogou no gol, para evitar o agravamento das dores que vinha sentindo na perna direita.

Aos jornalistas presentes, o técnico Vicente Feola (foto) não adiantou a escalação da equipe, nem disse se Pelé estaria em ação contra Portugal. O supervisor Carlos Nascimento até declarou que o segredo era para não dar qualquer vantagem para o técnico adversário: o brasileiro Oto Glória.

A classificação só viria com uma vitória sobre Portugal com três gols de diferença. E então Paraná, um dia antes do jogo, viveu um momento amargo do futebol: pior do que aqueles vividos diante dos adversários violentos dos seus tempos de criança. Pior do que as decisões do juiz Dito Branco.

"Estávamos fazendo tratamento médico no hotel onde ficamos alojados. E então o seu Feola entrou na sala. Eu e o Pelé estávamos nas mãos do Mário Américo. E o seu Feola disse com essas palavras: 'Me deram o time para escalar'. Ele falou assim mesmo!".

Como assim, Paraná, não era ele que escalava o time?

Olha, tinha uma comissão técnica que impunha um monte de coisa. Tinha jogador que se escalava".

E o que mais o seu Feola falou? "Ele disse também que tinha bastante gente que não queria jogar".

(Aqui um parênteses: Paraná disse que teve jogador que comentou com ele que estava pouco ligando para a sorte do time na Copa, que estava mais preocupado em comprar peças e acessórios para seus carros novos, que estavam no Brasil.)

Voltemos ao drama do técnico Vicente Feola.

Quando ele disse que tinha gente que não queria enfrentar os portugueses, o Pelé nem pensou duas vezes e foi falando: 'Eu vou pro campo, com o meu joelho assim mesmo'. E eu aproveitei a deixa do Pelé e disse que também ia para o jogo".

O massagista Mário Américo ainda tentou argumentar: "Paraná, como é que você vai para o jogo com essa canela assim?" E Paraná respondeu: "Ora Mário, você faz uma proteção, uma cobertura e eu vou jogar!"

Assim Feola ganhou dois jogadores dispostos, mas contundidos. E havia também uma preocupação com a arbitragem.

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Fechando o jogo, abrindo os pontos

O árbitro de Brasil x Portugal era inglês, sua senhoria George McCabe, e o doutor Hilton Gosling já havia advertido o dentista Mário Trigo que na reunião de organização da Copa, em que ele esteve presente, já havia uma visível má vontade em relação às seleções sul-americanas.

E tudo isso entrou em campo no dia 19 de julho, no superlotado Goodison Park, o estádio do Everton, com um público de 58.479 pagantes, em Liverpool. Portugal estava sob o comando do brasileiro Oto Glória. E tinha um time de sonhos liderado pelo magistral Eusébio.

O árbitro era uma espécie de Dito Branco, que Paraná conhecia tão bem: "Limpa o sangue e segue na guerra!"

E foi assim que Paraná chegou ao vestiário pronto para o combate.

Quando peguei a meia, nem lembrei que precisava fazer uma proteção na canela. Pus a meia, calcei a chuteira, vesti a camisa número 21 e fui. Na primeira bola o [ídolo português] Coluna veio e deu em cima da minha canela. Todos os pontos abriram".

Paraná garante que os jogadores de Portugal sabiam direitinho os caminhos extracampo que facilitariam a vitória —embora, pelo futebol que jogassem, nem era preciso apelar para a violência. Portugal tinha um timaço e já vencia por 2 a 0, quando atingiram em cheio o Rei aos 30 minutos.

"Chegou a vez do Pelé. Deram bem no joelho direito dele. Eles sabiam onde bater. E o juiz, como o "meu" Dito Branco, não queria saber de nada".

Empics

Paraná foi para a guerra

Então o Rei Pelé foi fazer número na ponta-esquerda.

É triste ver os filmes da época e assistir ao sacrifício de Pelé: mancando o tempo todo, se deslocando com dificuldade, tocando na bola apenas com a perna esquerda até o fim do primeiro no tempo. No intervalo tomou uma infiltração e só voltou quando já tinham se passado quatro minutos do tempo final.

"É verdade, o Pelé tomou infiltração no joelho. E eu? Eu nem mostrei a minha canela para o Mário Américo. Tinha que voltar mesmo, voltei com ela aberta e fomos para o jogo. Entramos no começo do segundo tempo só com dez jogadores. O Pelé voltou depois de alguns minutos".

Pelé fazia número em campo. Jairzinho passou para o meio do ataque. E Paraná passou para a direita.

Sangue por sangue, Paraná resolveu por em prática os ensinamentos de Maquinão. Não era mais futebol. Era uma questão de sobrevivência. Para ele, para o amigo Pelé e para o resto do time. E foi pontapé trocado. Paraná sofreu seis faltas, devolveu muitas delas, dividiu bola com o goleiro José Pereira, deu chapéu, chutou a gol, correu muito.

"Eu estava com o capeta no corpo".

Alguma vez você viu imagens da partida? Teve curiosidade?

"Não, nunca vi, nem procurei ver".

Mas a história está marcada em sua memória e canela.

"Quando o Coluna me deu a primeira entrada, já arrebentou os pontos. Foi na primeira jogada. Tenho a cicatriz até hoje. E então eu encarei a briga e devolvi porrada por porrada, em Morais, Vicente, em todos eles. E lembro que anos depois o Benfica veio jogar aqui contra o São Paulo e o Eusébio me chamou de lado e falou: 'Você bateu na gente naquele dia!' - e eu bati mesmo. Eles bateram e eu respondi".

O meião ensanguentado, uma agressão e a despedida da seleção

Além de Pelé e Paraná, Jairzinho, Manga e Lima saíram de campo com escoriações nas pernas, segundo os jornais de época, que anotaram também uma costela quebrada para o atacante Silva Batuta. Os jogadores subiram no ônibus cercados por torcedores brasileiros que os aplaudiram, apesar da eliminação, mas xingaram à vontade o dirigente João Havelange, o supervisor Carlos Nascimento e o técnico Vicente Feola.

E se para muitos o jogo acabou em campo com o placar de 3 a 1, para o filho do Pé de Pena ainda havia algumas contas a acertar. Ele subiu ainda uniformizado, a meia ensanguentada, no ônibus que ia levar a delegação derrotada para o hotel na vizinha Kings Lynn —a dez quilômetros do estádio do Everton.

"Eu estava de uniforme ainda, fui um dos poucos que não tomou banho no vestiário. Fui o último a descer do ônibus e quando estava entrando no hotel em Lynn um jornalista, que sempre me criticava e que disse uma vez ao Bellini que não gostava mesmo de mim, deu um tapinha nas minhas costas e falou: 'parabéns, você foi o melhor dos nossos em campo'. E aí eu não tive dúvidas, virei e meti um murro na cara dele", conta.

"E o Carlos Nascimento que estava ao lado e era o supervisor do grupo disse: ' o que é isso, moleque?". E eu respondi: moleque não, e o empurrei também. Aí ele falou que nunca mais eu deveria esperar uma convocação. E eu disse que não esperaria mesmo. E depois do empurrão, eu falei que tinha ambiente muito melhor lá no Santos de Sorocaba".

Foi o fim da carreira de 22 jogos, entre partidas oficiais e amistosas na seleção. Depois Paraná brilhou no São Paulo de Gérson, Toninho e Pedro Rocha. E nunca fugiu de uma dividida.

As cicatrizes e as lembranças daquele jogo contra Portugal continuam vivas na memória de Paraná. Como se não tivessem passado 54 anos daquela batalha de 19 de julho em Liverpool.

Quanto à boneca trazida da Copa do Mundo para a menina Selma, ninguém na família do velho treinador João Nogueira sabe onde está. Selma já partiu e sua filha Ana Laura não se lembra do presente trazido pelo filho do Pé de Pena.

PA Images via Getty Images PA Images via Getty Images

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