Enfim, campeão

Com jovens da base decisivos, um novo Palmeiras sem tantos medalhões quebra a sina de 12 anos sem o Paulista

Danilo Lavieri e Thiago Ferri Do UOL, em São Paulo Marcello Zambrana/AGIF

Era mais que um jogo. Durante toda a semana, o Dérbi da decisão do Campeonato Paulista foi tratado com um peso maior do que o de costume no Palmeiras. O resultado foi acabar, enfim, com a sequência corintiana de três troféus e reconquistar o título depois de 12 anos de jejum. Uma taça que, se não é a mais importante do clube nos últimos anos, ganhou relevância justamente pelo histórico recente.

Desde 2017, quando começou a gestão de Maurício Galiotte, o Palmeiras tinha vencido apenas duas vezes o maior rival — eram três empates e oito derrotas até o duelo decisivo no Allianz Parque no dia 8 de agosto. Se há dois anos, o Corinthians saiu da arena alviverde com o título paulista após vencer por 1 a 0 no tempo normal e por 4 a 3 nos pênaltis, diretoria, comissão técnica e torcida criaram um ambiente para que o mesmo não acontecesse dessa vez.

Sem o apoio da torcida nas arquibancadas por conta da pandemia, o grupo ouviu de Vanderlei Luxemburgo um recado do presidente para que este clássico fosse tratado de forma diferente. Até uma visita de membros da Mancha Alviverde para uma reunião com o grupo de atletas e um foguetório na Academia de Futebol entrou para o arsenal de armas do treinador. Era a vez de os jogadores mostrarem que entenderam a importância do que estava acontecendo, depois de tantas críticas pela falta mobilização em jogos grandes. A resposta veio... com novos protagonistas.

Gols da final

WILIAN OLIVEIRA/FUTURA PRESS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

Patrick, 20 anos: ele pediu para bater o 5º pênalti

Se a final teve o seu nível técnico criticado, será difícil assistir a algo tão emocionante, ainda que tenha sido necessário esperar por 180 minutos. Após o empate sem gols na Arena Corinthians, o Palmeiras fez 1 a 0 com Luiz Adriano no Allianz Parque e levava a partida sob controle até o último lance.

Aos 50 minutos, com o Corinthians no desespero, Jô armou o chute, e Gustavo Gómez, até então impecável, fez um pênalti estabanado. O centroavante alvinegro converteu, e o Dérbi terminou: 1 a 1. Com tantas frustrações recentes em mata-mata, o histórico complicado nos últimos anos contra o rival... como seria possível ter cabeça para iniciar uma disputa de pênaltis?

Bruno Henrique, Raphael Veiga, Lucas Lima e Gustavo Scarpa saíram do banco e bateram - só o primeiro errou. Com as defesas de Weverton nos chutes de Michel Macedo e Cantillo, o último palmeirense poderia garantir a 23ª conquista estadual palmeirense. A responsabilidade caiu nos pés do camisa 5, de 20 anos, Patrick de Paula. Pressão? Não para o garoto, que tem jogado com jeito de veterano.

O Patrick de Paula foi ousado e disse que queria bater o quinto pênalti. Perguntei por que, e ele disse que queria. Bateu com propriedade. Ele estava há dois anos jogando pelada de favela, na comunidade dele, e lá o 'tiro come'. Ele não está nem aí para bater pênalti. Ele nasceu jogador de futebol, não vai tremer nunca

Vanderlei Luxemburgo, técnico do Palmeiras

Trabalhei bastante para estar aqui comemorando este título. Fazer o gol com o último pênalti, eu treinei a semana toda. Pude dar alegria para a torcida alviverde. Vai, Palmeiras!

Patrick de Paula, volante do Palmeiras

Marcello Zambrana e Bruno Ulivieri/AGIF Marcello Zambrana e Bruno Ulivieri/AGIF

Quando os meninos resolvem

Desde que voltou a brigar por títulos, o Palmeiras falava em dar mais chances aos atletas da base. Nunca conseguiu fazer o movimento de verdade. A volúpia no mercado, personificada justamente por Alexandre Mattos, freava a promoção dos garotos, mesmo com resultados cada vez melhores em categorias inferiores. Depois de investir até mais do que previa em 2019 e terminar sem títulos, a diretoria entendeu que era, enfim, a hora de gastar menos e aproveitar os destaques campeões do sub-17 e sub-20.

A maior expectativa estava nas costas de Gabriel Veron, 17 anos de idade. Tido como o atacante mais talentoso formado no clube desde Gabriel Jesus, o garoto mostrou potencial no fim do último Brasileiro, mas não conseguiu uma vaga entre os titulares com Luxemburgo. Quando o caminho lhe parecia aberto após a saída de Dudu, uma lesão na coxa direita o tirou da reta final do Campeonato Paulista.

Patrick de Paula, de 20 anos, e Gabriel Menino, de 19, então, roubaram a cena. Os dois meio-campistas já tinham tido sucesso juntos no sub-20, mas até a pausa do futebol não vinham atuando frequentemente juntos. Diante da dificuldade para armar um Palmeiras mais criativo, Luxa desistiu de um meia de ofício e colocou a dupla junto com Ramires em um trio de volantes com boa capacidade de armação e definição de jogsdas.

Com uma desenvoltura que empolgou os torcedores, os meninos não sentiram a responsabilidade de encabeçar o meio-campo alviverde e deixar jogadores de nome no banco de reservas. Esteves, Alan, Angulo, Wesley e Gabriel Silva são os outros garotos de olho em mais oportunidades para dar trabalho aos medalhões, como fizeram os Patrick e Menino.

Alexandre Schneider/Getty Images

O futebol sem Dudu

A pandemia do novo coronavírus criou aquilo que muitos chamam de "novo normal". Para o Palmeiras, realmente teve muita coisa nova. Depois de bater o seu recorde de tempo sem jogos (129 dias), o time de Luxa teve de buscar o título paulista sem a torcida ocupando o Allianz Parque. Até a guerra de bastidores entre os rivais contou com um tema inédito: protocolo de saúde para combate à Covid-19.

O Corinthians criticou a estratégia palmeirense, que não confinou seus jogadores durante todo o Paulista, mas fez bem mais testes que o rival. A Federação Paulista de Futebol preferiu lavar as mãos e considerou que ambos estavam certos, ainda que com escolhas totalmente diferentes.

No campo, o Verdão teve de se virar com outra novidade: a ausência de Dudu. Antes dono do time, o atacante foi emprestado para o Al-Duhail, do Qatar, como repercussão da acusação de agressão feita por Mallu Ohanna, sua ex-esposa.

Até a pausa do futebol, não se imaginava ver o Palmeiras comemorando uma conquista sem o camisa 7, protagonista nos últimos três títulos nacionais: dois gols na final da Copa do Brasil de 2015, capitão no Brasileiro de 2016 e eleito o craque do Brasileiro de 2018. Ainda é, também, o dono de todos os recordes da arena palmeirense — quem mais jogou (127 vezes), artilheiro (33 gols) e garçom (35 assistências).

Mesmo que a equipe tenha sentido falta do ídolo em alguns momentos nesta volta, o Verdão fez o suficiente para levantar um troféu apenas seis jogos após sua despedida. Como atuou na primeira fase, Dudu até tem direito a receber uma medalha. Mas, diferentemente do que aconteceu nos últimos cinco anos, sua participação foi reduzida.

Bruno Ulivieri e Thiago Calil/AGIF Bruno Ulivieri e Thiago Calil/AGIF

Um campeão sem montes de contratações

Perder o atacante não foi a única mudança com que o Palmeiras teve de lidar nos últimos meses. Alexandre Mattos, que deu o chapéu em Corinthians e São Paulo para contratar Dudu em 2015, também saiu, no fim de 2019. E foi aí que o Palmeiras decidiu mudar o estilo de trabalho no departamento de futebol.

Ficava no passado um diretor que tinha praticamente carta branca. Surgiu Anderson Barros, que pouco aparece e foi responsável por montar um elenco contratando menos e usando mais as categorias de base clube. Não à toa, é um título paulista sem estrelas como protagonistas.

O primeiro trabalho do homem forte do futebol foi diminuir o grupo, negociando jogadores em baixa, como Carlos Eduardo e Deyverson. Os reforços, que vieram aos montes nas temporadas passadas, em 2020 se resumiram a Viña e Rony.

O lateral-esquerdo chegou do Nacional (URU) depois de uma longa análise do mercado sul-americano e tomou conta da posição. Já o atacante foi disputado pelos dois finalistas do Paulista, mas o Palmeiras venceu a batalha e conseguiu o então destaque do Athletico. É verdade, porém, que ele ainda não mostrou o mesmo desempenho no Palmeiras. Muitas vezes afobado, Rony como principal opção de velocidade no ataque alviverde já começa a ouvir as cornetas da torcida.

Entre os medalhões que já estavam no elenco, Marcos Rocha, Felipe Melo, Gustavo Gómez, Ramires, Willian e Luiz Adriano formaram uma base para que os garotos começassem a encher os olhos palmeirenses. E nomes como Bruno Henrique, Gustavo Scarpa, Lucas Lima e Raphael Veiga perderam espaço e passaram a ser opções apenas para o decorrer das partidas nesta reta final de Paulista.

Bruno Ulivieri/Agif Bruno Ulivieri/Agif

Título paulista, só com Luxa

No comando deste elenco está o técnico mais vitorioso da história do Campeonato Paulista. Agora, são nove taças conquistadas por Vanderlei Luxemburgo no torneio: cinco com o Palmeiras (1993, 1994, 1996, 2008 e 2020), duas com o Santos (2006 e 2007), uma com o Bragantino (1990) e uma com o Corinthians (2001). O técnico de 68 anos, com isso, passa Lula, oito vezes campeão com o Peixe (1955, 1956, 1958, 1960, 1961, 1962, 1964 e 1965).

Em três dos cinco títulos com o Verdão, Luxa encerrou longos jejuns estaduais. O mais longo foi o primeiro: foram 17 anos de fila quando seu time venceu em 1993. Desta vez, foram 12 anos, tanto em 2008 (desde 1996), quanto agora, em 2020.

A última vez em que o clube venceu a competição sem ter o carioca de 68 anos de idade no banco de reservas foi em 1976. Curiosamente, com Dudu — mas o Dudu, no caso, era o ex-volante, tio do técnico do Athletico-PR Dorival Júnior e parceiro de Ademir da Guia na Academia, que fazia seu primeiro ano como treinador após deixar os gramados.

Apresentado em meio a questionamentos sobre estar ultrapassado ou não, Luxa não se importou com as críticas. Voltou ao Verdão com discurso ousado: fazer o time jogar com o "DNA do clube", de forma mais vistosa que nos últimos tempos. Ainda que tenha tido dificuldades, ele de fato tentou montar um Palmeiras que jogasse mais com a bola e não fosse tão reativo, como com Luiz Felipe Scolari e Mano Menezes, que o antecederam. Como prêmio, venceu o primeiro título desde o Campeonato Pernambucano de 2017, pelo Sport.

Com seu estilo motivador, Vanderlei Luxemburgo apelou também para o emocional: fez um discurso inflamado para os atletas antes da partida na Arena Corinthians, e agradeceu ao foguetório organizado por membros da torcida organizada na Academia de Futebol.

Segundo ele, Palmeiras x Corinthians é um campeonato à parte, e neste ele tem 100% de aproveitamento, já que venceu as quatro finais diante do maior rival: os Paulistas de 1993 e 2020, além do Rio-São Paulo de 1993 e o Brasileiro de 1994.

Marcello Zambrana/AGIF Marcello Zambrana/AGIF

Grandeza na hora H

Esse título ajuda a amenizar um retrospecto recente ruim do Palmeiras diante dos grandes clubes do Brasil em duelos eliminatórios. Desde que passou pelo Santos na semifinal do Campeonato Paulista de 2018, o Verdão só havia conseguido vencer América-MG (oitavas da Copa do Brasil de 2018), Bahia (quartas da Copa do Brasil de 2018), Novorizontino (quartas do Paulistão de 2019), Sampaio Corrêa (oitavas da Copa do Brasil de 2019), além de Santo André e Ponte Preta, ambos nesta edição do Campeonato Paulista.

Em contrapartida, acumulou derrotas para Corinthians (final do Paulista de 2018), Cruzeiro (semifinal da Copa do Brasil de 2018), São Paulo (semifinal do Paulista de 2019), Internacional (quartas de final da Copa do Brasil de 2019) e Grêmio (quartas de final da Copa Libertadores de 2019).

A festa pela conquista é ainda potencializada pela rivalidade. Se o Corinthians vencesse, atingiria um recorde: na era do futebol profissional em São Paulo, nenhum time conseguiu o tetracampeonato paulista consecutivo. Se o Palmeiras é o maior campeão do Brasil, agora volta a deixar o estado de São Paulo verde e branco.

Quando você joga contra o maior rival, torna-se um título duplo. São dois campeonatos. A gente está muito feliz, foram dias de muita luta e batalha para jogar. Estou muito feliz, porque eles (Corinthians) não iam classificar e Deus ressuscitou eles para a gente acabar de matar aqui

Felipe Melo, volante do Palmeiras

Marcello Zambrana/AGIF Marcello Zambrana/AGIF

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