O Estádio da Luz, sonho antigo dos torcedores do time mais popular de Portugal, foi inaugurado em 1º de dezembro de 1954, após anos em casas emprestadas ou alugadas. Em 2001, de olho na Eurocopa, o clube decidiu construir um novo estádio, mais moderno e sustentável, na mesma área. O último jogo da antiga casa foi em 21 de março de 2003: Benfica 1 x 0 Santa Clara.

Depois da partida, uma festa portuguesa tomou o gramado. Foram quase 60 mil pessoas que ouviram discursos de ídolos, viram fogos de artifício e estiveram na presença das taças mais importantes já conquistadas pelo clube. A atração principal da noite subiu ao palco às 23h com um cachecol do Benfica: era a cantora brasileira Daniela Mercury, que lançava o álbum "Eletrodoméstico".

Chamada de "furacão brasileiro", ela embalou por mais de uma hora a torcida do Benfica já saudosa do antigo estádio, como contou o jornal "Record": "Um dos momentos altos do espectáculo foi, sem dúvida, o concerto de Daniela Mercury. Durante hora e meia a brasileira contagiou tudo e todos com o seu ritmo." A manchete do jornal no dia seguinte disse que Daniela foi "rival de Rui Costa", ídolo do clube que jogava no Milan, como principal personagem do "Monumental Adeus".

Daniela Mercury terminou o show, deixou o palco e voltou instantes depois com uma camisa do Benfica de número um para cantar o sucesso "Vermelho" —que é uma música que fala sobre o Brasil, mas acabou abraçada pelos encarnados: "O brilho do meu canto tem o tom e a expressão da minha cor. Vermelho!".

Em 25 de outubro de 2003, o Benfica inaugurou o novo e atual Estádio da Luz em amistoso contra os uruguaios do Nacional.

O ex-zagueiro brasileiro Argel esteve em campo tanto na despedida do velho estádio, quanto na inauguração do novo. Ele jogou ao todo cinco temporadas pelo clube português, se aposentou em 2008 e hoje trabalha como treinador.

Como foi viver essa transição do Benfica, da mudança de estádio, como jogador?

Toda mudança gera uma apreensão, uma expectativa grande em todos, principalmente nos torcedores. Era um projeto muito ousado, essa é a grande verdade. Foram derrubando o estádio aos poucos. Derrubaram uma parte, continuamos jogando. O último clássico lisboeta contra o Sporting aconteceu com uma parte do estádio já caída. Aí depois demoliram o vestiário. Onde era a garagem fizeram uma estrutura provisória. Foi um período difícil para nós, jogadores. Uma hora tínhamos estádio para jogar, academia, dois campos, depois não tínhamos mais nada disso. Mas era um projeto audacioso da instituição e sabíamos que a gente era parte da história. Depois que não tinha mais jeito jogávamos e treinávamos em outros lugares. É um orgulho muito grande ter jogado o último jogo da Luz e o primeiro depois da inauguração.

Você se lembra do show da Daniela Mercury na despedida? Participou da festa?

Lembro, sim, mas a despedida foi mais para o torcedor. Nós tivemos o jogo contra o Santa Clara e depois aconteceram os shows. Ficamos um pouco, não sei se alguém chegou até o fim. O show foi mais para despedida dos torcedores mesmo. Levaram cadeira, pedaço de grama... O torcedor do Benfica é muito apaixonado pelo clube. Aí depois só voltamos com o estádio maravilhoso. Gramado, vestiário, restaurante panorâmico, supermercado, loja de carro lá dentro, ginásio, acessos bem-feitos. Ficou fantástico, moderníssimo, e sempre com um cuidado para manter a estrutura. Eu vou uma vez por ano a Portugal e sempre visito. Não tem estádio parecido aqui no Brasil.

Seu auge como jogador foi pelo Benfica?

Eu sempre fui um jogador nota 7. Esforçado, dedicado, disciplinado, mas que sabia das minhas limitações. Tenho um orgulho grande da minha carreira. Foram oito clubes, um maior que o outro, e seleção. Nunca fui um zagueiro de alta classe. Tinha meu estilo de jogar muito aguerrido, competitivo, vigoroso fisicamente e me abastecia disso. Saltava muito, fazia gols. Tive uma boa fase no Santos campeão da Conmebol, no Palmeiras com aqueles dérbis do fim dos anos 90 que saíam faísca, no Japão, na Espanha. Mas o Benfica é o clube que fiquei mais tempo.

Roger; Zelão, Emerson, Andrei e Roberto Carlos; Marquinhos, Djair e Luiz Fernando (Serginho Fraldinha); Rodrigão, Paulo Nunes (Ramón) e Élber.

Alguns destes nomes você conhece, outros sumiram. É a escalação da seleção brasileira sub-20 vice-campeã mundial em 1991. O elenco que ainda tinha nomes como Ânderson Lima e Sérgio Manoel foi derrotado na final por Portugal de Rui Costa e Figo.

Naquela final, o Estádio da Luz recebeu 127 mil torcedores, bem perto do recorde histórico de 135 mil.

"Nossa seleção era talentosa, tinha grandes jogadores e a maioria fez sucesso no futebol. Hoje as seleções de base têm quatro, cinco jogadores acima da média. Naquela época não era assim, éramos tecnicamente e mentalmente mais preparados", disse o ex-lateral Ânderson Lima.

"Eu jogava no Juventus da Mooca, então aquilo tudo era insano para mim. Aquele estádio lotado foi a coisa mais linda que já vi até hoje. Já tive finais no Maracanã, mas essa final de 1991 entupida, mais de 10 mil pessoas fora do estádio, é inesquecível. Fica na memória, ninguém apaga. Uma pena que não fomos campeões," completou.

O Brasil teve dois gols anulados naquela final, que terminou empatada em 0 a 0. Nos pênaltis, Marquinhos e até o artilheiro Élber perderam, para festa dos 127 mil.

Toda essa decisão de construir um novo Estádio da Luz foi motivada pela realização da Eurocopa em Portugal em 2004. O que ninguém podia imaginar é que o estádio seria palco de uma das maiores zebras da história do futebol. O superlativo cabe tranquilamente aqui.

Com gol marcado por Angelos Charisteas já no segundo tempo, a Grécia venceu sua primeira e única Euro, na Luz, contra a seleção portuguesa de Ricardo Carvalho, Figo, Deco, Pauleta, Rui Costa e Cristiano Ronaldo, dirigida por Luiz Felipe Scolari. Foi o maior jogo e o maior drama do estádio, ainda que Felipão considere que o país "entendeu" e "desculpou" a derrota por ter lançado bases para o sucesso posterior de Portugal, semifinalista da Copa de 2006 e campeão da Europa dez anos depois.

"Ficamos com a sensação de que era muito difícil perder", já disse Deco, ao admitir a soberba. Figo, por sua vez, afirmou que o elenco se desgastou demais para chegar à final e não teve energia na decisão. CR7, na época aos 18 anos, disse que foi uma grande lição.

Passados 16 anos, os portugueses continuam explicando a derrota. E os gregos aproveitando a imagem de heróis nacionais. Todo 4 de julho é reservado para homenagens. Neste ano, aliás, o canal CosmoteSport1 estreou um documentário com bastidores e detalhes da campanha histórica. Os 16 episódios foram exibidos às 20h04, em referência ao ano do título.

O Estádio da Luz é palco da final da Liga dos Campeões da Europa 2019/2020, mas não será a única casa desta reta decisiva em Lisboa. O José Alvalade, estádio do Sporting, sediará duas partidas pelas quartas de final e mais uma semifinal. A história é parecida com a da casa do Benfica, com inauguração nos anos 50 e demolição para a Eurocopa de 2004.

Mas há um ingrediente saboroso no caso do Sporting: o estádio foi reinaugurado em 6 de agosto de 2003 em amistoso contra o Manchester United. O clube inglês já observava o potencial do garoto Cristiano Ronaldo, de 18 anos, que fez uma partidaça e convenceu o encantado Alex Ferguson a pedir sua contratação. Foi o dia que mudou a história, segundo relatos da época.

O maior público do estádio foi em 2016, quando Cristiano Ronaldo voltou a Portugal pelo Real Madrid para enfrentar o Sporting (então dirigido por Jorge Jesus) pela Liga dos Campeões. Foram mais de 50 mil torcedores na vitória espanhola por 2 a 1.

Time atual de CR7, a Juventus precisa reverter a vantagem conquistada pelo Lyon no jogo de ida para carimbar o passaporte a Portugal.

Afinal, é lá onde estarão os olhos do mundo do futebol.