O zagueiro improvável

Pablo Marí estava na 2ª divisão. Agora, pode ser 1º europeu campeão da Libertadores por um time brasileiro

Léo Burlá e Rodrigo Mattos Do UOL, no Rio de Janeiro André Rodrigues/UOL

Em meio aos astros do elenco do Flamengo, um jogador de 1,93m se destaca. Pablo Marí é o mais improvável dos atletas rubro-negros que decide, no próximo sábado (23), a Copa Libertadores da América contra o River Plate, no estádio Monumental de Lima.

"Aqui é outro mundo. Vou jogar uma final de Libertadores", diz, sem esconder que ele próprio concorda com a afirmação de que sua história no Fla é única.

Não é pra menos. No primeiro semestre, Marí era zagueiro do Deportivo La Coruña e jogava apenas Série B do Campeonato Espanhol. Com 26 anos, chegou à Gávea com apenas 32 jogos de experiência em ligas nacionais de primeira divisão. Foram 31 jogos pelo NAC Breda, na Holanda, e uma única partida (em que atuou por apenas quatro minutos) pelo Mallorca, na Espanha. De resto, sua experiência se resumia à segunda divisão em clubes em que atuava emprestado.

Marí foi comprado pelo Flamengo em julho e, agora, pode se igualar ao italiano Dante Mircole e ao tcheco Christian Rudzky como os únicos europeus a vencer a Copa Libertadores. O primeiro o fez pelo Independiente (ARG). O segundo, pelo Estudiantes (ARG). É isso mesmo: Marí pode se tornar o primeiro europeu campeão da Libertadores da história por um time brasileiro.

Vir para o Flamengo mudou a minha vida. Poder disputar uma final de Libertadores e fazer história é algo muito grande. Não teria a possibilidade de brigar por algo assim com as outras opções que tinha. Estou totalmente feliz com a decisão de vir para o Flamengo".

Nesta entrevista, o espanhol fala sobre como chegou ao Fla, o impacto que teve no Maracanã, a experiência com Jorge Jesus e ambiente antes da decisão. Confira:

É difícil expressar o que senti na noite do jogo contra o Emelec (EQU). Será uma noite que nunca vou esquecer na minha vida. Foi minha segunda partida e vi que o Maracanã muda da Libertadores para o Brasileiro. Fiquei sem palavras. Não podia descrever o que estava vivendo. Maracanã é algo incrível. Poder dizer que o Maracanã é minha casa é algo sem palavras

Pablo Marí, sobre o duelo contra o Emelec em julho, em que o Flamengo fez 2 a 0 para levar a partida para a decisão nos pênaltis

Mauro Pimentel/AFP Mauro Pimentel/AFP

Como o Flamengo descobriu Pablo Marí

Mas como um zagueiro da segunda divisão chegou ao Flamengo? A história começa ainda no pequeno Gimnàstic de Tarragona, da Espanha. Foi lá que Marí chamou a atenção do grupo controlador do Manchester City.

Contratado pelos ingleses com 22 anos, o sonho de atuar pelos Citizens nunca foi concretizado. Desde o início, foi avisado que seria utilizado em clubes que pertencem ao mesmo dono do City. Foi assim que ele passou por Girona (ESP) e NAC Breda (HOL)

Desde o primeiro dia, uma das condições era que eu não ia jogar, embora não fosse uma condição escrita. Eu entrei no 'Grupo City' e eu sairia para onde conviesse [para a diretoria]. Queria ter jogado no City, mas os centrais de lá são nível top mundial".

Nessas andanças, ele chamou atenção do Centro de Inteligência em Mercado do Flamengo. Quando o técnico Jorge Jesus pediu um zagueiro canhoto à diretoria, ele foi uma das opções apresentadas. O português aprovou o nome e, do sim à assinatura do contrato, as conversas evoluíram com grande velocidade. Para comprar o jogador, o clube carioca desembolsou algo em torno de R$ 5,5 milhões.

"A verdade é que o Flamengo foi muito rápido, a primeira sensação foi de surpresa. Um Flamengo, a qualidade que tem como clube... A surpresa se transformou em vontade e esperança".

André Rodrigues/UOL André Rodrigues/UOL
André Rodrigues/UOL

Cristo já foi. Faltam Pão de Açúcar, Jardim Botânico e Lagoa

Marí deu seus primeiros chutes após ser aprovado nos testes do Valencia, clube do coração. Nascido em um pequeno "pueblo" perto da cidade, não era um frequentador assíduo do Estádio Mestalla. Apesar disso, o Valencia está vivo na memória afetiva do jogador:

"Não íamos muito ao estádio, mas na cidade em que eu vivo colocavam um telão para vermos os jogos importantes do time", lembra.

Marí vive com a esposa e o filho de um ano e meio no Rio de Janeiro. A vida na Cidade Maravilhosa, ele informa, está das melhores. Apesar da intensa rotina de treinos, viagens e jogos, já conseguiu tempo para ir ao Cristo Redentor, mas o jogador espera ter mais dias de turista no Rio. "Ainda quero ir ao Pão de Açúcar, ao Jardim Botânico e também passear pela Lagoa".

Como todo o restante da família vive na Espanha, ele dribla as saudades olhando para o calendário. Nas férias de fim de ano, vai arrumar as malas e voltar para casa "Trazer a família da Espanha é difícil, todos estão trabalhando. Aproveitarei o Natal para ver a família e organizar para que no ano que vem eles venham."

Marí em português

Ler é mais difícil. A televisão eu vejo em português. Só falo em português com meus companheiros e os obrigo que só falem comigo em português. Em quatro meses, falo com praticamente todos em português. Falei com os assessores do clube que minha próxima entrevista será em português

Pablo Marí

André Rodrigues/UOL

?Aqui o futebol é mais anárquico?

Marí se encaixou como uma luva no Flamengo. Ao lado de Rodrigo Caio, encontrou ainda um sistema defensivo que ganhava os reforços de Rafinha e Filipe Luís. A experiência dos dois reforços vindos da Europa e de um companheiro de zaga polivalente, que já tinha passado pelo meio-campo, tornou a adaptação mai fácil.

O choque cultura, ele garante, não foi brutal, mas ele vê diferenças claras em campo e também no vestiário. "Não houve coisas difíceis, tudo foi relativamente fácil. Isso é resultado de um trabalho do dia a dia, de ser trabalhador, de ser humilde. Não noto muitas diferenças em campo, futebol é futebol no mundo todo".

Mas um detalhe chamou atenção: como os jogadores brasileiros são diferentes dos espanhóis em um ponto. "Na Espanha há uma forma mais tática de jogar. Aqui é mais anárquico. Os jogadores são mais individuais na sua ação", enumerou o zagueiro, que nunca tinha atuado ao lado de jogadores do país anteriormente.

Humor verde-amarelo

Apesar da expressão séria, Pablo Marí garante que adora rir. E, segundo o próprio, o ambiente interno do Flamengo é propício para isso. "É uma das partes que salta do brasileiro: a alegria de viver a cada minuto. Há muita alegria no vestiário, eu gosto muito de rir. Um vestiário alegre é muito importante".

Thiago Ribeiro/Agif Thiago Ribeiro/Agif

Jesus "sabe usar a tecla de cada um"

Marí chegou ao Ninho do Urubu já sob o "reinado" de Jorge Jesus. Admirado com o trabalho do português, o rubro-negro elege a capacidade de trabalhar individualmente os jogadores como o grande mérito do comandante.

"Ele sabe usar a 'tecla' de cada um. À parte do conhecimento grande que ele tem sobre futebol, sabe tirar o máximo de cada jogador. Saber o que toca a cada um é muito difícil", explicou.

Estou muito feliz com o 'mister'. Mudou a minha forma de ver o futebol, a minha forma de jogar. Agora, vejo o jogo de outra maneira, e isso graças a aspectos que me favoreceram. Tomara que possa continuar trabalhando por mais tempo com ele

Linha alta do Flamengo

Segundo Marí, as diferenças entre o que Jesus pede em campo para o que era exigido quando ele estava Europa não são grandes. Mas o zagueiro diz que nunca jogou com uma linha de defesa tão alta quanto no novo clube — e é justamente essa característica do Flamengo que analistas de desempenho afirmam ser fruto do trabalho do zagueiro espanhol.

"É uma ideia do Mister. Quando você entende a sua parte, facilita seu trabalho. Ter a linha avançada evita que tenha que correr muito para trás. Provoca que o rival tenha menos espaço para jogar. A ideia do Mister mudou minha vida. Corro menos, jogo mais tranquilo".

E uma curiosidade: Gilberto, do Bahia, foi eleito o rival mais difícil de ser marcado no futebol brasileiro.

E a seleção espanhola?

Estou longe, é a realidade. Mas é um objetivo. Há anos atrás era inalcançável, estava jogando na segunda divisão. Aqui é outro mundo, vou jogar uma final de Libertadores, a situação mudou. Além do orgulho, é um objetivo ir uma vez para a seleção

Pablo Marí, admitindo que seu patamar mudou ao aceitar jogar no Flamengo

André Rodrigues/UOL André Rodrigues/UOL

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