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Onda de renovação passa e estudo mostra que idade de técnicos no Brasil em 2020 supera média mundial

Gabriel Carneiro Do UOL, em São Paulo Bruno Ulivieri/AGIF

Após um longo atraso por causa da pandemia, o Campeonato Brasileiro começa na semana que vem. Para além de todo o inusitado de o torneio só terminar em 2021, protocolos de saúde e polêmicas de transmissão, outra curiosidade se apresenta: é a maior média de idade dos treinadores da elite nos últimos anos.

Muitas vezes movido por modismos, o futebol brasileiro passou recentemente por uma onda de renovação. O título de 2017 do Corinthians dirigido por Fábio Carille — que até o ano anterior era auxiliar — mostrou uma receita que acabou copiada nas temporadas seguintes. Vários novos nomes do mercado vieram daí. Agora, essa onda passou.

A média em 2020 é pouco superior a 51 anos, a maior desde 2016 e também maior que a média mundial de 48,8 anos. Aliás, de acordo com um estudo recente do Observatório do Futebol do CIES (Centro Internacional de Estudos no Esporte), o Brasil é o país com técnicos mais velhos entre as principais ligas do mundo, mesmo depois de Jorge Jesus (65) pedir demissão do Flamengo para comandar o Benfica.

Alguns significados e consequências da informação você lerá nesta reportagem especial do UOL Esporte, que traz entrevistas com profissionais do mercado, inclusive o técnico mais jovem do mundo (um norueguês de 27 anos); informações sobre o trabalho de Jesualdo Ferreira (74) no Santos; relatos de preconceito sobre idade; estatísticas; curiosidades e explicações sobre a diferença para o jovem mercado argentino de treinadores. Modas vêm e vão e o debate sempre vale.

Bruno Ulivieri/AGIF

Faixa de idade dos técnicos da Série A

  • 70 anos

    Jesualdo Ferreira (74, Santos).

    Imagem: Ivan Storti
  • 60 anos

    Vanderlei Luxemburgo (68, Palmeiras), Paulo Autuori (63, Botafogo) e Jorge Sampaoli (60, Atlético-MG).

    Imagem: Vítor Silva/Botafogo
  • 50 anos

    Dorival Júnior (58, Athletico Paranaense), Domènec Torrent (58, Flamengo), Renato Gaúcho (57, Grêmio), Guto Ferreira (54, Ceará), Ney Franco (54, Goiás) e Vagner Mancini (53, Atlético-GO).

    Imagem: Divulgação
  • 40 anos

    Ramon Menezes (48, Vasco), Rogério Ceni (47, Fortaleza), Fernando Diniz (46, São Paulo), Roger Machado (45, Bahia), Eduardo Coudet (45, Internacional), Odair Hellmann (43, Fluminense), Felipe Conceição (41, Red Bull Bragantino) e Tiago Nunes (40, Corinthians).

    Imagem: Rubens Chiri / saopaulofc.net
  • 30 anos

    Eduardo Barroca (38, Coritiba) e Daniel Paulista (38, Sport).

    Imagem: Divulgação

A grama do vizinho

Por que Argentina tem técnicos mais jovens (e em alta) que o Brasil?

Top 2 está entre nós

O segundo treinador mais velho do mundo é Jesualdo Ferreira, do Santos. O português fez 74 anos em maio — deles, são quase 40 na mesma função. Ele só perde para Hamdi Yilmaz, que tem a mesma idade, mas faz aniversário em janeiro. O turco dirige o Keçiorengucu, da Segunda Divisão do país. Na elite, quem chega mais perto do santista é Roy Hodgson, 72, do Crystal Palace, 14º no Campeonato Inglês.

Jesualdo foi uma escolha inusitada do Santos em 2020. Bancado pelo diretor técnico do clube, William Thomas, como substituto de Jorge Sampaoli, chegou sob a justificativa da experiência para lidar com um ano que prometia turbulências. O conhecimento tático para potencializar jogadores pouco valorizados, a fama de usar a base e o sucesso em diferentes continentes deram a certeza: o português representava tudo o que o clube buscava no mercado. A idade não era uma questão.

Até agora são 15 jogos: seis vitórias, quatro empates e cinco derrotas. O Santos caiu nas quartas de final do Paulista e ocupa a liderança do Grupo G da Libertadores. Mas a corneta acompanha desde o começo.

Há críticas sobre o desempenho do time abaixo do que foi no ano passado, a dificuldade do ajuste no meio-campo, a queda técnica de alguns dos principais jogadores e uma suposta apatia do treinador à beira do campo. Mesmo em ano eleitoral do clube, Jesualdo ainda é bancado para além dos resultados. O entendimento das dificuldades financeiras e políticas do clube e o aproveitamento de jogadores deixados de lado por Sampaoli em 2019 jogam a favor.

Jesualdo Ferreira não deixou a Baixada Santista durante os quatro meses de paralisação do Paulista e trabalha sob atenção especial dos médicos do clube por causa da idade de risco.

Ivan Storti/Santos FC Ivan Storti/Santos FC

Preconceito sobre a idade

Desde o início da passagem pelo Santos, são frequentes os questionamentos e suposições sobre como a idade poderia afetar o trabalho de Jesualdo Ferreira. Na TV, um apresentador disse que não seria fácil "dar treinos sob o sol de Santos" ou "viajar de Porto Alegre a Fortaleza". Em entrevista coletiva, foi perguntado se iria se aposentar antes da proposta do Santos. É uma discussão que jamais partiu dele.

Nas redes sociais, cada mau resultado do Santos é pretexto para ofensas preconceituosas, que dizem que o time "é a cara do técnico" ou sugerem que Jesualdo se aposente. Tem também o clichê "ultrapassado".

Segundo o Datafolha, 91% dos brasileiros acreditam que existe preconceito contra pessoas mais velhas, e quase um terço das pessoas acima de 60 anos já se sentiram desrespeitadas pela idade num país que, nos últimos 60 anos, pulou de 3 milhões para os atuais 24 milhões de idosos. Hoje, há mais pessoas idosas ativas no mercado de trabalho do que no passado. E é justamente aí que nasce a discriminação, como o UOL Esporte mostrou em uma reportagem sobre preconceito contra profissionais idosos no futebol nacional.

No momento da análise, se a qualidade do trabalho está atrás da data de nascimento ou os questionamentos sobre a saúde do profissional acontecem sem embasamento em exames a discussão já começa errada. Nem tudo é questão de opinião.

Veja quem são os técnicos mais velhos do mundo:

Caio Cézar/UOL

"Tem espaço para todos os bons no futebol", afirma Geninho

Na época do estudo do CIES, Geninho ainda comandava o Vitória. Aos 72 anos, era o nono treinador mais velho do mundo. Foi demitido. Seu substituto é Bruno Pivetti, quase 40 anos mais jovem. Desde 1984 na carreira, ele é campeão brasileiro em 2001, pelo Athletico Paranaense, e já passou por clubes como Santos, Atlético-MG, Bahia, Corinthians, Vasco, Sport, Botafogo e outros 26. Confira um papo com o técnico:

Quais foram as razões da sua saída do Vitória? Você sente por não dar sequência ao trabalho?

Infelizmente, surgiu a pandemia do coronavírus e o futebol ficou parado. O Vitória está em uma situação financeira complicada, então eu e o presidente achamos melhor que o contrato fosse encerrado para o clube não ficar com mais essa pendência. Sinto muito, sim, estávamos no caminho certo e sei do potencial daquela equipe, mas foi melhor para o clube e fico na torcida de que logo as coisas melhorem por lá.

Você assumiu o Vitória perto da zona de rebaixamento e terminou a Série B de 2019 em uma posição confortável. Qual balanço faz dos nove meses de trabalho?

Foi um trabalho consistente, a gente sabia de todas as dificuldades e que precisávamos dos resultados. Trabalhamos muito e a equipe entendeu nosso ponto de vista e abraçou a ideia. O elenco é muito comprometido e isso nos deu bastante respaldo, colhemos o que trabalhamos no dia a dia.

Seu substituto no comando do Vitória, o Bruno Pivetti, tem apenas 35 anos. Como vê essa entrada de novos nomes no futebol brasileiro?

Não gosto de nomenclaturas, acho que tem espaço para todos os bons no futebol. Seja novo ou experiente, se não for um profissional bom, não irá para frente. Todos precisam trabalhar e quando contribuem para a melhoria do futebol é sempre bem-vindo. O Bruno é um profissional competente e íntegro, tem total condição de ir bem no Vitória.

Em junho, saiu um estudo internacional em que seu nome apareceu como o 9º mais velho treinador de futebol em atividade do mundo. Como recebe a informação? Em que dimensão a idade ajuda ou atrapalha na profissão?

Fico lisonjeado de ser lembrado. Acho que a experiência e o conhecimento ajudam e muito na profissão, seja com contatos, com a forma de entender uma situação no campo ou trabalho e ter a percepção das coisas, como é na vida.

Recentemente, aconteceu uma onda de renovação de treinadores no futebol brasileiro após o título do Fábio Carille no Corinthians. Essa onda sumiu: hoje o país tem uma das maiores médias de idade do mundo. O que você acha desses modismos, do tipo treinador jovem, velho, estrangeiro, estudioso...?

Como na resposta acima, a gente não precisa nomear ninguém. O profissional deve ser bom e ponto. Se está contribuindo para o futebol, seja com novas técnicas, novas formas de treinos ou formação tática, não importa, precisamos de pessoas boas e honestas no futebol.

Você acha que existe preconceito contra treinadores de futebol idosos no Brasil? Sente-se motivado a seguir na carreira?

Não vejo um preconceito, não. Sempre que eu sentir o frio na barriga quando chegar a um estádio sei que estou motivado para seguir ainda mais tempo trabalhando.

Divulgação

"Quando eu tinha 19, comandei um jogador de 38. Sem problema"

Ole Martin Nesselquist é o técnico mais jovem do mundo nas principais ligas. Ele fez 27 anos em junho e dirige desde o ano passado o Strommen, da Segunda Divisão da Noruega. Lá, 20% do elenco é mais velho que o comandante. E o mais incrível nem é isso, e sim o fato de que o europeu já tem quase dez anos de carreira.

"Eu soube desde pequeno que queria me tornar um bom treinador. E desde então eu trabalhei duro", diz o recordista mundial, ao UOL Esporte.

Sua carreira começou na Quinta Divisão da Noruega, uma liga amadora, logo aos 19 anos. Nesselquist subiu de divisão logo na estreia, então foi contratado para dirigir o Moss na Terceira Divisão, que é semi-profissinal. Aos 25 chegou à Segundona, que já é profissional: "Basicamente, eu trabalhei muito e sacrifiquei um monte de coisas para me desenvolver como técnico. Hoje trabalho de 15 a 16 horas por dia e amo isso, porque são poucos os clubes que se atrevem a contratar um treinador jovem como eu."

Quando eu tinha 19 anos, comandei um jogador de 38. Nunca foi um problema, porque você consegue respeito de duas maneiras: conhecendo futebol e sendo capaz de tratar bem as pessoas e ensinar o jogo aos atletas. Se você faz isso, não importa se eles têm 39 ou 18 anos.

O recorde do jovem treinador norueguês não foi tão repercutido no país. Ele mesmo só ouviu falar pelo Twitter "Tenho recebido mais perguntas de outros países, como essas", brinca. No Brasil, Nesselquist diz que conhece Tite, Vanderlei Luxemburgo, Luiz Felipe Scolari e Dunga.

"É engraçado ser o técnico mais jovem do mundo, mas meu foco é em ser um bom técnico. Minha idade não posso mudar, mas minhas qualificações, sim", diz.

Veja quem são os técnicos mais jovens do mundo:

Thiago Larghi: por onde anda?

Além do já consolidado Fábio Carille, outros nomes emergentes começaram o Campeonato Brasileiro de 2018, como Mauricio Barbieri (Flamengo), Odair Hellmann (Internacional), Alberto Valentim (Botafogo) e Thiago Larghi (Atlético-MG). Dois anos depois, esses profissionais já rodaram e continuam tentando se estabelecer.

Menos um.

Larghi chegou ao Atlético-MG como analista de desempenho de Oswaldo de Oliveira, em setembro de 2017. O técnico foi demitido em fevereiro, mas ele ficou. Enquanto a diretoria empilhava recusas de Fábio Carille, Cuca, Abel Braga e Felipão, o time melhorava. E depois de mais de 30 jogos como interino, o antigo analista acabou efetivado. Durou quatro meses.

O Galo era sexto colocado do Brasileirão quando demitiu Thiago Larghi. Com Levir Culpi terminou, olha só, em sexto.

Acho que faltou convicção da diretoria naquele momento. Ficamos o tempo todo entre os seis primeiros, com um padrão de jogo bem estabelecido. Na parada da Copa do Mundo houve uma reformulação grande do plantel, mas colocamos padrão de novo. Foi precipitação deles. Possivelmente 2019 seria melhor. Mas coube a mim aceitar e ter gratidão pela oportunidade."

Foram 49 jogos, com 23 vitórias, 12 empates e 14 derrotas, aproveitamento superior a 55% dos pontos. Após a demissão do Atlético-MG, em outubro de 2018, Thiago Larghi não dirigiu mais nenhum clube. O fim da onda de renovação, o envelhecimento dos técnicos no país e a falta de bons projetos mantêm o técnico de 39 anos em espera.

"Aconteceram algumas propostas nesse tempo, mas não eram projetos que eu, minha família e meus representantes entendemos que seriam positivos no momento. Eu acredito que é possível fazer futebol bem jogado e conseguir resultado, então achamos que era melhor continuar esperando novas oportunidades", diz o treinador disponível no mercado da bola.

"Nos últimos dois anos foram treinadores que entraram na metade da temporada os campeões: Jorge Jesus e Felipão. Tiago Nunes também entrou na metade de 2018 e venceu a Sul-Americana. Não vejo assumir um clube agora como algo ruim. É questão de encontrar um projeto e desenvolver o trabalho."

Os clubes precisam definir a identidade do trabalho que querem, o que objetivam do jogo. E a partir daí encontrar profissionais que desenvolvam isso. O caminho é mais por aí do que levantar se é antigo, novo, brasileiro ou estrangeiro, e sim olhar filosofia de jogo de acordo com o profissional, a montagem do plantel, o estilo e o que a torcida espera

Thiago Larghi, Ex-técnico do Atlético-MG

As diretorias precisam colocar os clubes nos devidos lugares. Por exemplo, a consciência de que sua realidade de dívidas, contratações modestas e reformulação não é disputar o título e sim uma boa classificação direciona para uma meta realista e aumenta a chance de sucesso. Assim, se o técnico extrai o melhor do plantel ele fica mais valorizado

Sobre o mercado nacional de técnicos

Pedro Vale/AGIF Pedro Vale/AGIF

Quem são?

Estudo dá mais informações sobre os treinadores

Leo Caobelli/UOL

Longevidade

O tempo médio de permanência de um treinador na elite do futebol brasileiro é de apenas 168 dias, entre as 20 piores marcas do mundo. Na Série B são só 122 dias, o pior índice global. A média mundial é superior, de 301 dias. No Brasil, o recordista em longevidade é Renato Gaúcho, há 1408 dias no comando do Grêmio, com cinco títulos.

Darío Guimarães Neto/UOL

Ex-defensores

Outra curiosidade do estudo traça um perfil do treinador nas principais ligas do mundo: quase 70% deles foram jogadores profissionais de futebol. E mais: um terço deste recorde atuou na defesa, a exemplo de Roger Machado, do Bahia, que foi zagueiro e lateral-esquerdo. No Brasil, apenas sete técnicos de 19 empregados na elite não foram profissionais.

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