Campeão mundial ou não?

Palmeiras tenta validar o título da Copa Rio de 1951 como oficial. O que alega o Verdão?

Cléberson Santos e Marcel Rizzo Do UOL, em São Paulo Acervo/SE Palmeiras

Para as torcidas rivais, a grande piada em relação ao Palmeiras é dizer que o time "não tem mundial". O clube e palmeirenses, por outro lado, insistem em lembrar da Copa Rio de 1951, para validar a tese de que, se conseguir levantar a taça do Mundial de Clubes da Fifa neste ano, estará, de fato, entrando para o hall dos times que têm duas conquistas de melhor do planeta.

No uniforme do time que entrará em campo neste domingo (7) contra o Tigres, pela semifinal do Mundial de Clubes da Fifa, a solitária estrela vermelha logo acima do escudo refere-se justamente àquela conquista.

Para validar o campeonato mundial, os palmeirenses costumam recorrer aos jornais da época, sobretudo a A Gazeta Esportiva, que estampou em 23 de julho de 1951, dia seguinte à conquista a seguinte manchete: "Palmeiras, Campeão do Mundo". O empate em 2 a 2 contra a Juventus naquele 22 de julho de 1951 foi o assunto de todos os principais jornais da época no dia seguinte, mas nem todos os veículos entendiam que aquele torneio merecia a alcunha de "mundial". Algumas publicações questionavam se o "Torneio Internacional de Clubes Campeões", nome oficial da competição, merecia esta alcunha. Afinal, nem todos os participantes eram de fato o campeão do seu país (não havia torneios continentais em 1951).

Em 2006, o Palmeiras entregou à Fifa um dossiê de 123 páginas em que enumera as razões pelas quais deve, sim, ser considerado campeão do mundo em 1951. O documento — em formato de livro — não está disponível online e poucos jornalistas no mundo tiveram acesso a ele. Com base nesse dossiê e em jornais da época, o UOL relembra aquele torneio e detalha os motivos alegados pelo clube paulista para provar que busca o bi mundial no Qatar.

Acervo/SE Palmeiras
Arquivo pessoal/Marcel Rizzo

O que é o dossiê verde?

Com 123 páginas, o dossiê enviado pelo Palmeiras à Fifa em 2006 tinha dois focos principais. O primeiro era mostrar que a entidade participou da organização do torneio, tanto na concepção quanto na execução. Outro foco era demonstrar que o critério de escolha dos participantes foi técnico, não apenas por convite, ponto fundamental para a entidade no quesito competitividade.

Foram editados pouquíssimos exemplares do livro, que tem textos em inglês, francês, alemão e espanhol (as quatro línguas oficiais da Fifa), além do português. Realizado com metodologia científica para que todas as fontes pesquisadas fossem relatadas, o documento conta com a participação de jornalistas e de dois professores, Ana Luiza Martins, doutora em história pela USP, e José Moraes dos Santos Neto, da Unicamp, autor do livro Além de Visão do jogo — primórdios do futebol no Brasil.

O dossiê ainda conta com manchetes e relatos de jornais estrangeiros — alguns se referindo ao torneio como Copa Mundial — e até entrevistas com atletas dos times adversários que participaram da competição, como o depoimento de Giampiero Boniperti, que jogou duas Copas do Mundo pela Itália e foi artilheiro da Copa Rio pela Juventus. Ele ainda vive aos 92 anos.

"A Copa Rio reuniu as maiores equipes de futebol do mundo à época e merecia ser reconhecida como primeiro Mundial Interclubes", opinou aos pesquisadores o ex- jogador italiano.

O aval da Fifa

O principal argumento palmeirense era a participação da Fifa na confecção e execução do torneio. A pesquisa alviverde indicou que, em 1939, o então presidente da entidade, Jules Rimet, queria organizar um Mundial de Clubes simultaneamente à Copa do Mundo de seleções, mas a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) adiou os planos.

Em 1951, quando o Brasil ainda sofria o baque da derrota diante do Uruguai na final da Copa do Mundo do ano anterior, no Maracanã, assunto voltou à tona. Diante do sucesso do Mundial e da possibilidade de levantar a moral dos brasileiros, a CDB (Confederação Brasileira de Desportos, atual CBF), abraçou a ideia de criar o "Torneio Internacional dos Clubes Campeões", idealizado pelo jornalista Mário Filho, dono do Jornal dos Sports, principal publicação esportiva do Rio de Janeiro.

Coube à CBD organizar a Copa Rio, com autorização e auxílio da Fifa. Ottorino Barassi, dirigente italiano e membro do comitê executivo da entidade, participou ativamente dos bastidores do torneio, enquanto Jules Rimet consentiu a realização, deixando apenas uma observação: "trata-se de um torneio de importância e relevo mundiais, é claro. Porém, não de um campeonato mundial, já que a expressão Campeonato do Mundo de Football é propriedade da Fifa e fica reservada à Taça Jules Rimet que se disputa a cada quatro anos", referindo-se à Copa do Mundo de seleções. A afirmação estava presente num comunicado publicado pelo Jornal dos Sports em 19 de abril de 1951.

Acervo/SE Palmeiras Acervo/SE Palmeiras

Escolha dos participantes

Durante sua realização, a Copa Rio ficou conhecida como Torneio dos Campeões e contou com a participação de Palmeiras, Vasco, Juventus (ITA), Olympique de Nice (FRA), Nacional (URU), Austria Viena (AUT), Sporting (POR) e Estrela Vermelha, da Iuguslávia, atual Sérvia.

O pré-requisito para participar do torneio era ter sido vencedor de torneios locais, no caso do Brasil, e nacionais para os estrangeiros. Como na época, o Brasil ainda não tinha um campeonato nacional, Palmeiras e Vasco foram chamados por serem, respectivamente, os atuais campeões de São Paulo e do Rio de Janeiro.

Mas nem todos os times estrangeiros que participaram do torneio eram de fato campeões nacionais. A Juventus, por exemplo, ficou na segunda colocação do campeonato italiano e foi convidada para substituir o campeão Milan, que preferiu disputar um torneio chamado Copa Latina. O Barcelona, então campeão da Espanha, também não aceitou o convite e foi substituído pelo campeão francês Olympique de Nice. Outro gigante da Europa que declinou foi o Tottenham, que deu lugar ao Áustria Viena, terceiro lugar na temporada 1950-51, do campeonato austríaco.

O fato de o torneio que se propunha a definir o campeão dos campeões contar com times que não tinha ganhado suas respectivas competições nacionais foi alvo de críticas do jornal O Estado de São Paulo em 24 de junho de 1951, uma semana antes do começo da competição. "Talvez haja êxito econômico apesar dos pesares. Mas, com ele ou sem ele, é aconselhável, além de honesto, que se mude a denominação do certame, mesmo porque, pelo simples exame da relação dos concorrentes, verifica-se que ele não é dos Campeões e muito menos Mundial", sugeriu o jornal.

Acervo/SE Palmeiras

Como foi a participação palmeirense no torneio?

O Palmeiras estreou no torneio contra o Olympique Nice, campeão francês da temporada 1950/51, em 30 de junho de 1951, no Pacaembu. Uma vitória por 3 a 0, com gols de Aquiles (pênalti), Ponce de León e Richard. O Verdão começou perdendo o segundo jogo, contra o Estrela Vermelha, campeão da Copa da Iugoslávia de 1950. Tihomir Ognjanov, atleta da seleção Iugoslava, abriu o placar, mas ainda na primeira etapa, Aquiles empatou e, faltando 15 minutos para acabar o jogo, Liminha sacramentou a segunda vitória palmeirense.

O terceiro jogo da primeira fase foi contra a Juventus, que também havia ganhado as suas duas primeiras partidas. O italiano Giampiero Boniperti, que seria artilheiro da competição (com seis gols em sete jogos), balançou as redes palmeirenses duas vezes. Os dinamarqueses Karl Hansen e Praest fecharam o placar em 4 a 0. Apesar da derrota, o Palmeiras se credenciou para a semifinal contra o Vasco da Gama, que havia atropelado seus três primeiros adversários, com direito a duas goleadas por 5 a 1, contra Sporting e Viena Austria, e uma vitória por 2 a 1, contra o Nacional.

A primeira partida entre os representantes brasileiros ficou marcada pela contusão de Aquiles, que fraturou a perna em um lance contra o goleiro Barbosa e ficou sete meses sem jogar. Mesmo sem poder contar com o atacante, o Palmeiras levou a melhor e venceu por 2 a 1. O placar do jogo de volta não saiu do zero, sacramentando a eliminação do Vasco.

Na decisão, o Palmeiras voltaria a enfrentar a toda poderosa Juventus. Com o Maracanã lotado, o time alviverde entrou em campo e, diferentemente, da primeira partida, conseguiu resistir ao forte ataque italiano. Rodrigues marcou o único gol da partida. Precisando vencer de qualquer jeito, no jogo de volta, os italianos foram para cima, e Praest abriu o placar aos 18 minutos do primeiro tempo. O Palmeiras empatou com Rodrigues, que pegou rebote do chute de Lima na trave. Na volta do intervalo, Karl Hansen voltou a colocar a Velha Senhora na frente. Mas o time italiano não contava com o talento de Liminha, que, aos 32 minutos, driblou dois adversários chutou sobre o goleiro Viola, pegou o rebote e entrou com bola e tudo no fundo das redes (foto acima).

Acervo/Palmeiras SE Acervo/Palmeiras SE

Como os jornais da época noticiaram a conquista?

Acervo/Gazeta Esportiva

Entusiasmo da Gazeta

"Palmeiras, Campeão do Mundo". Foi assim que o jornal a Gazeta Esportiva, principal publicação esportiva de São Paulo na época, noticiou a conquista alviverde em 23 de julho de 1951, dia posterior ao empate com a Juventus no Maracanã. Outra publicação que também proclamou o Palmeiras como campeão mundial foi o Última Hora, que havia começado a circular no Rio de Janeiro havia pouco mais de um mês. A capa destacava diversas imagens da partida e até uma piada com o lamento da Juventus: "Mamma Mia, lá se foi a Copa Rio". A Gazeta Esportiva seguiu dando destaque ao Palmeiras nos dois dias seguintes à conquista. Na terça, dia 24 de julho, estampou o rosto de todos os dezessete jogadores que "conseguiram levantar para o Brasil o primeiro título de Campeão Mundial Inter-Clubes", como afirmava a capa. Já na quarta, dia 25, a notícia principal era a recepção da torcida aos campeões na Estação Roosevelt (atual estação do Brás, região central de São Paulo). "Foi uma consagração definitiva para o futebol brasileiro a apoteótica manifestação dos palmeirenses em nossa capital, através de uma multidão incalculável de afeiçoados que ovacionou os craques alviverdes durante a passagem pelas principais ruas de São Paulo".

Acervo/O Globo

Tradicionais sem consenso

Entre os jornais mais tradicionais do país, não houve muito consenso em relação à conquista alviverde. O Estadão, que já era crítico da realização do torneio, colocou em sua manchete que o Palmeiras conquistou a "Taça Cidade do Rio de Janeiro". O fato de que nem todos os times haviam sido campeões foi novamente lembrado pela publicação. A capa da Folha da Noite (atual Folha de São Paulo) informou que o Palmeiras era o "Campeão dos Campeões". Somente no fim da publicação havia mesmo uma notícia de destaque à conquista. Ali, a Copa Rio foi chamada de "Torneio Internacional Interclubes". Já O Globo definiu o Alviverde como o "Campeão dos Campeões do Mundo". Ao contrário dos demais, que consideraram a partida como truncada e técnica, o jornal da família Marinho a classificou como uma "sensacional peleja" em seu subtítulo. "Foi a jogada genial, pois quando Viola, o extraordinário arqueiro italiano, atirou-se aos seus pés, Liminha encobriu-o e mandou a pelota em direção ao arco. Para garantir, correu ainda a tempo de voltar a impulsioná-la para as redes, tendo ao seu lado, por via das dúvidas, Canhotinho. Mari correu em vão. Foi o delírio", descreveu O Globo o gol de empate palmeirense.

Acervo

O entusiasta tímido

Apesar de idealizar e defender a Copa Rio, o Jornal dos Sports não teve a mesma firmeza que A Gazeta Esportiva para chamar o Palmeiras de campeão mundial. Boa parte da edição de 23 de julho foi dedicada à conquista alviverde, mas o título "Palmeiras, campeão do mundo, e Juventus, vice-campeão" só apareceu em uma nota nas últimas páginas. Na manchete "Era a Copa que Ficava", o Jornal dos Sports fez uma referência à final da Copa do Mundo de 1950. Toda a narrativa feita pelo jornal tratava a conquista alviverde como uma superação do "Maracanazo" no ano anterior. O principal texto sobre o jogo foi escrito pelo próprio Mário Filho, dono do jornal e importante cronista esportivo brasileiro. Com o título "O Adeus do Football Brasileiro ao 16 de Julho", o jornalista afirmava que o Palmeiras passou pelo mesmo roteiro da seleção brasileira no ano anterior. A diferença, segundo ele, é que o time paulista soube se impor para alcançar e manter o empate que garantia o título. "Se o Palmeiras fizesse os gols que podia fazer, tanto no primeiro quanto no segundo jogo, as vitórias largas que conquistassem não provariam nada novo. Repetiriam o velho. O mais que sabido. E a gente ficaria ignorando o mais importante: se o football brasileiro se tinha curado mesmo do dezesseis de julho".

Acervo/SE Palmeiras

Qual da conclusão da Fifa, afinal?

A relação da Fifa com o pedido palmeirense por reconhecimento sempre foi uma montanha-russa. Em março de 2007, poucos meses após receber o dossiê, a entidade enviou documento assinado pelo então secretário-geral, o suíço Urs Linsi, afirmando que considerava a Copa Rio 1951 o primeiro torneio internacional de clubes. O Palmeiras fez até um evento em sua sede para comemorar.

Lins, porém, deixou o cargo três meses depois para a entrada do francês Jérôme Valcke, que colocou o assunto em banho-maria. Houve lobby até de políticos brasileiros, como o ex-ministro Aldo Rebelo, palmeirense. Em uma reunião pré-Copa-2014 a entidade voltou a admitir o caráter global da Copa Rio de 1951, e em 2016, a Fifa usou seu Instagram para parabenizar o Palmeiras pelos 65 anos do "primeiro torneio global".

O fato é que o Mundial de Clubes que a Fifa passou a organizar em 2005 atrapalhou os planos do Palmeiras. Com a intenção de valorizar o próprio torneio, a entidade costuma bater na tecla de que a primeira edição oficial de um Mundial Interclubes foi a de 2000, vencida pelo Corinthians, no Rio de Janeiro.

Somente em 2017, e depois de um forte lobby da Conmebol (Confederação Sul-Americana de Futebol), que a Fifa passou a considerar como Mundial as Copas Intercontinentais disputadas de 1960 a 2004, entre os campeões sul-americano e europeu e que tem como vencedores Flamengo, São Paulo, Grêmio e Santos.

E mesmo assim a Fifa ainda costuma ignorar esses torneios quando fala de Mundiais de Clubes. No seu site oficial, a Fifa usa o termo "Torneio Internacional de Clubes" para falar tanto da Copa Rio-1951, como da edição seguinte, vencida pelo Fluminense.

Acervo/SE Palmeiras Acervo/SE Palmeiras

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