Efeito Kaepernick

NFL volta com chance de redenção com quem tentou chamar atenção para a questão racial. As desculpas virão?

Lucas Tieppo Colaboração para o UOL, em São Paulo Otto Greule Jr/Getty Images

No dia 26 de agosto de 2016, Colin Kaepernick usou a exposição que tinha como dos principais jogadores da NFL na época para liderar o primeiro protesto contra a violência policial contra os negros e pedindo por igualdade racial nos Estados Unidos. O ato do quarterback era silencioso. O jogador se ajoelhou durante a execução do hino norte-americano antes da partida do San Francisco 49ers contra o Green Bay Packers pela pré-temporada.

Kaepernick foi atacado por todos os lados. Até por Donald Trump entrou na polêmica e disse que ele deveria procurar outro país para viver. As franquias da liga e parte dos torcedores condenarem o protesto. O político cobrou publicamente a demissão do jogador e fez pressão para que a NFL e os donos das franquias atuassem para inibir os atos.

"O público americano está cansado do desrespeito que a NFL está prestando ao nosso país, à nossa bandeira e ao nosso hino nacional. Fraca e fora de controle", chegou a dizer Trump. O quarterback não entra em campo desde que seu contrato com os 49ers acabou, em março de 2017. Mesmo assim, quando a NFL iniciar a temporada 2020 nesta quinta-feira, com o aguardado duelo entre o campeão Kansas City Chiefs contra o Houston Texans, às 21h20, com transmissão da ESPN, ele será mais relevante do que nunca.

    Com o movimento "Black Lives Matter" impulsionado pelos casos de violência policial contra negros, os mais emblemáticos as mortes de George Floyd e Breonna Taylor e o ataque sofrido por Jacob Blake, o esporte dos EUA ganhou protagonismo social. A NBA até mesmo cancelou jogos em um dia por iniciativa dos próprios jogadores. Agora, chegou a vez do futebol americano e da mais importante liga profissional do país. Resta saber qual será a postura da NFL.

    Otto Greule Jr/Getty Images
    Carmen Mandato/Getty Images/AFP

    Os quatro anos de luta

    Kaepernick optou por deixar o San Francisco 49ers em março de 2017 e desde então luta para voltar à liga. O jogador chegou a processar a NFL alegando que as franquias se uniram para deixá-lo desempregado. Para o atleta, a liga o perseguia pela sua atuação fora de campo e desencorajava possíveis interessados.

    Enquanto era boicotado esportivamente, Kaepernick tornou-se um ícone do movimento contra a desigualdade racial nos Estados Unidos. O jogador foi capa da revista Time em outubro de 2016, foi escolhido pela GQ como o cidadão do ano de 2017 e foi o rosto de uma das maiores campanhas publicitárias da história da Nike em setembro de 2018. Recentemente, apareceu depois de quatro anos no jogo Madden NFL como agente livre.

    Apesar de entender a importância de ganhar relevância como um dos maiores nomes da luta racial, Kaepernick nunca deixou de se considerar um atleta. Tanto que divulga nas redes sociais uma rígida rotina de treinos e mostra que está pronto para voltar aos gramados.

    No ano passado, a NFL se propôs a realizar uma sessão de treinos para o quarterback mostrar para as franquias sua condição. Porém, a negociação foi recheada de polêmicas e o atleta acabou realizando um treino independente, sem o apoio da liga.

    Ele se diz "mais motivado que nunca" para voltar a jogar. Falta, porém, um time disposto a assumir o "pacote Colin Kaepernick".

    AP Photo/Eric Risberg AP Photo/Eric Risberg

    A NFL está realmente pedindo desculpas?

    A NFL e o comissário Roger Goodell foram sempre muito criticados pela forma com que lideram com os protestos e por nunca darem a Kaepernick uma chance real de retornar. Recentemente, o principal dirigente da liga se disse arrependido. Primeiro, por não ter ouvido o atleta no tempo certo. Depois, admitindo que gostaria de ter aberto espaço para o jogador se posicionar.

    Em junho, Goodell foi além e disse que encorajava os times a contratarem o ex-jogador do San Francisco 49ers, mas nada foi feito de forma prática. Até mesmo o presidente Donald Trump, um dos maiores críticos, afirmou que defende que o desafeto tenha uma nova chance. "Se ele merece retornar, ele deveria retornar", disse.

    Por outro lado, o filho do presidente, Eric Trump, demonstrou que o apoio é até a página 2. "Futebol está oficialmente morto. Adeus, NFL", reagiu Eric à notícia de que franquias liberaram seus jogadores a protestarem.

    Brace Hemmelgarn-USA TODAY Sports Brace Hemmelgarn-USA TODAY Sports

    Liga negra, donos brancos

    Olhe a foto acima. Em uma liga em que 70% dos jogadores são negros, todos que estão no pódio comemorando o título de 2018 do Philadelphia Eagles são brancos. Não é por acaso. Não há nenhum dono de equipe negro e, entre os treinadores, são apenas três entre os 32 que começam a temporada: Anthony Lynn, do Los Angeles Chargers, Brian Flores, do Miami Dolphins, e Mike Tomlin, do Pittsburgh Steelers.

    Não é novidade para a NFL. Diversas franquias são acusadas não apenas de ignorarem a questão racial, mas também de negligência contra atos machistas. Além disso, a proximidade com ideais políticos do campo republicano da política norte-americana, principalmente com os valores defendidos pelo presidente Donald Trump, e a reação nada elogiável com relação aos protestos recentes apenas reforçam a crise de imagem que a liga vive.

    Ao mesmo tempo, existem também iniciativas que mostram uma mudança de visão. Uma delas é o apoio para a mudança de nome da equipe de Washington, que deixou de usar o apelido Redskins por ser considerado ofensivo para a população indígena. A equipe será chamada provisoriamente de Washington Football Team.

    Dilip Vishwanat/Getty Images/AFP

    Por que a NFL volta com público?

    Não é só nas questões raciais que a NFL pode determinar um novo caminho para os EUA. O futebol americano será o primeiro esporte do país a permitir partidas com público. Mesmo com os EUA sendo o local com o maior número de casos e de mortes em todo o planeta pela pandemia da covid-19

    O Arrowhead Stadium, onde jogarão Kansas City Chiefs e Houston Texans, por exemplo, receberá até 15 mil torcedores, 20% da capacidade do estádio. Outras franquias já afirmaram que farão o mesmo. Não há uma posição geral da NFL, que deixa a cargo das franquias e das autoridades locais a definição sobre público.

    Algumas equipes já informaram que atuarão o ano inteiro sem torcida no estádio. É o caso do Las Vegas Raiders. O time, em sua primeira temporada na cidade de Nevada, não receberá público no novíssimo Allegiant Stadium, com capacidade para 65 mil pessoas e construído por US$ 2 bilhões. New York Jets e New York Giants também já avisaram que terão portões fechados.

    Segundo projeção da revista Forbes, publicada em junho, as equipes perderiam US$ 5,5 bilhões (cerca de R$ 29,4 bilhões) em receita com a realização de uma temporada inteira sem torcida. O valor inclui a venda de ingressos e o dinheiro que gira com a ida do torcedor ao estádio, como estacionamento, comidas, bebidas e compras no geral.

    Will Vragovic/Getty Images/AFP Will Vragovic/Getty Images/AFP

    Cairo Santos ganha nova chance na NFL

    O Brasil estará mais uma vez representado na temporada 2020 da NFL pelo kicker Cairo Santos. O jogador foi confirmado como titular do Chicago Bears para estreia da franquia contra o Detroit Lions no domingo. Será mais um recomeço para o atleta, que treinou com a franquia, mas acabou no time de treinos no último fim de semana.

    O brasileiro estava sem contrato desde outubro de 2019, quando foi dispensado pelo Tennessee Titans após a semana 5 da temporada passada. Agora, ganhou a chance de atuar já que o titular da posição nos Bears, Eddy Piñero, foi colocado na lista de lesionados e deve perder as três primeiras partidas da temporada.

    "Acho que eu ainda tenho lenha para queimar na NFL e continuo tendo confiança que, se uma oportunidade vier, eu tenho capacidade de impressionar", afirmou Cairo em entrevista exclusiva ao UOL Esporte.

    Depois de uma passagem consistente pelo Kansas City Chiefs entre 2014 e 2017, Cairo luta para se firmar novamente na liga. O kicker sofreu com lesões e não disputou nenhuma temporada completa desde que foi cortado em setembro de 2017. No período, passou pelo próprio Chicago Bears, pelo New York Jets (em que não chegou a entrar em campo), por Los Angeles Rams, Tampa Bay Buccaneers e, por fim, Tennessee Titans.

    "Desde a minha passagem pelo (Tampa Bay) Buccaneers e (Tennessee) Titans, no ano passado, me sinto muito bem fisicamente e continuo treinando com a mesma intensidade que sempre treinei nas pré temporadas", disse.

    Divulgação/NFL

    Durval Queiroz, mais conhecido como Duzão, segue vinculado ao Miami Dolphins, mas será utilizado no practice squad pela segunda temporada seguida. O brasileiro mudou de posição, passou a atuar na linha ofensiva, mas ainda não conseguiu seu espaço no elenco principal da franquia.

    Reprodução

    Rodrigo Blankenship nasceu nos EUA, mas é filho de mãe brasileira. Apesar de morar no país desde o nascimento, o kicker mantém contato com a parte brasileira da família. O jogador ganhou a batalha pela titularidade no Indianapolis Colts após grande desempenho na pré-temporada.

    Divulgação/Tampa Bay Buccaneers

    O reinício de Brady

    Depois de 20 anos e seis títulos da NFL como jogador do New England Patriots, o quarterback Tom Brady inicia uma nova trajetória na liga com a camisa do Tampa Bay Buccaneers. Rodeado de grandes talentos ofensivos, o veterano de 43 anos quer mostrar que pode bater de frente com a nova geração de atletas da posição.

    A expectativa é a mais alta possível. A franquia investiu em companheiros de alto nível para Brady, como o tight end Rob Gronkowski, velho conhecido dos tempos de Patriots, e o running back Leonard Fournette.

    O camisa 12 foi escolhido como capitão da equipe e tem demonstrado nos treinamentos que não sentiu a mudança de ares. Nos Patriots, Brady vivia relação conflituosa com o técnico Bill Belichick apesar dos seis títulos conquistados juntos.

    O Tampa Bay Buccaneers é uma das franquias mais carentes de ídolos e conquistas da NFL. O único título foi conquistado em 2002 e a equipe não disputa os playoffs desde 2007. A missão de Brady é ainda mais emblemática pois o Super Bowl 55 será disputado justamente no estádio da equipe —e nunca uma franquia foi campeão na sua própria casa.

    O homem que vale R$ 2,6 bilhões

    Dono do maior contrato da história da NFL, responsável por acabar com seca de 50 anos sem títulos do Kansas City Chiefs, MVP na sua primeira temporada como titular e escolhido como melhor jogador do Super Bowl 54. Não faltam fatos para comprovar que Patrick Mahomes é a nova cara do futebol americano.

    Dono de um estilo único de jogo, que alia precisão e passes tirados da cartola, o camisa 15 dos Chiefs inicia mais uma temporada com a missão de não decepcionar os fãs que esperam sempre algo diferente quando ele está em campo.

    Ao colocar a franquia novamente no patamar das favoritas ao título, Mahomes foi recompensado com uma renovação histórica de contrato. A franquia ofereceu um novo acordo até 2031 que poderá pagar até 503 milhões de dólares (cerca de 2,6 bilhões

    REUTERS/Shannon Stapleton REUTERS/Shannon Stapleton

    NFL na ESPN e, também, na FOX

    O fã de NFL terá novidades na transmissão para a YV brasileira. A ESPN segue como a principal emissora da liga no Brasil, mas não será exclusiva. A Disney decidiu compartilhar as partidas com o Fox Sports, canal recém adquirido pelo grupo norte-americano. Toda rodada terá pelo menos um jogo no canal coirmão.

    Além disso, haverá mudanças na equipe de transmissão, já que Everaldo Marques, principal narrador da NFL nos últimos anos, deixou a ESPN para trabalhar no Grupo Globo logo após o Super Bowl 54 e abriu espaço para os outros narradores da casa.

    + Especiais

    Divulgação/NFL

    Duzão no Miami Dolphins: conheça o engenheiro agrônomo que hoje está perto de jogar na NFL.

    Ler mais
    Lucas Lima/UOL

    Thiago Braz: "Foram oito anos afastado da minha mãe. Quando ela me procurou, eu a rejeitei".

    Ler mais
    Fernando Moraes/UOL

    Sonho e realidade: Gibizinho, um aluno perto da Olimpíada e outro morto em uma chacina.

    Ler mais
    Esporte Clube Pinheiros/Divulgação

    Vítima de racismo, Ângelo Assumpção vê portas fechadas em clubes de ginástica do Brasil.

    Ler mais
    Topo