De repente 30

Neymar faz 30 anos como o craque de uma geração, mas longe de ser o melhor do mundo

Eder Traskini e João Henrique Marques Do UOL, em Santos e Paris (França) Caio Guatelli/Caio Guatelli/Folhapress

Na última segunda-feira (31), Neymar abriu a semana em que completaria 30 anos jogando Crab Game, uma competição na qual os participantes se enfrentam em jogos inspirados em brincadeiras infantis em um cenário de desenho animado. Neymar empurrou um dos amigos de uma plataforma flutuando no espaço e conseguiu se manter vivo até o final da rodada. Mal teve tempo de celebrar a vitória no estouro do cronômetro. Logo em seguida, seu avatar de cartoon já estava em outro local, sendo perseguido novamente pelos rivais.

Naquele mesmo dia, horas depois, o PSG, que o contratou por 222 milhões de euros em 2017 (o equivalente a R$ 692 milhões há cinco anos e R$ 1,1 bilhão em valores atualizados), seria eliminado nos pênaltis na Copa da França. No dia seguinte, a seleção brasileira golearia o Paraguai em Belo Horizonte pelas eliminatórias da Copa do Mundo.

Sem jogar desde que torceu o tornozelo em novembro do ano passado, o melhor jogador de futebol brasileiro em atividade completa hoje 30 anos. E dá pra dizer que ele está vivendo a vida que sempre quis ter: cercado de amigos (mesmo virtualmente) e com muita diversão. "Só risadas", escreveu Neymar na descrição da live do projeto "Facebook Gaming", no qual a gigante de tecnologia lhe paga para jogar com seus parças.

Quando Neymar explodiu no Santos em 2010, esperava-se que em pouco tempo ele se tornaria o líder de uma geração que levaria a seleção brasileira ao hexacampeonato. Durante os anos seguintes, o jogador alimentou o sonho de ser eleito o melhor do mundo. Nem o título mundial, nem o prêmio individual vieram. Aos 30, Neymar parece estar mais longe do topo do futebol do que já esteve antes. Não que isso seja necessariamente um problema.

Caio Guatelli/Caio Guatelli/Folhapress
Courtesy of Netflix/Courtesy of Netflix

Eu não ligo para o que os outros vão pensar de mim, do meu jeito, de como eu jogo. 'Ah, o Neymar vai pra balada, blá blá blá. Qual foi meu desempenho em campo? Tá puto? Irmão, fica com seu tá puto. É a minha vida, eu não vou fazer isso porque você não quer."

Neymar, no documentário O Caos Perfeito (Netflix).

Reprodução/Instagram
Neymar em festa de Ano Novo

Vida em alto nível

Neymar fez a live na casa em que mora em Paris. Além da sala dedicada ao universo gamer, o imóvel tem uma piscina interna e um jardim gigantesco. No Brasil, fica entre Guarujá, na casa da família, e Mangaratiba, onde ele é dono de uma mansão que tem até heliporto.

Entre Brasil e França, ele usa um jatinho. Entre as casas no Brasil, e outros endereços que costuma frequentar, um helicóptero. Os dois são das empresas da família.

Luxos assim são comuns na vida de estrelas do futebol do calibre de Neymar. Festas de arromba e baladas de luxo, também. E elas são frequentes na vida do camisa 10 do PSG. O ponto é que, ao contrário da maioria das estrelas do esporte, ele não liga para a repercussão que essas festas geram. E parece não que os 30 anos não devem mudar a postura.

A galera fica um pouco revoltada de eu ser o Neymar assim. Focado em campo e um cara que curte a vida. Acho que isso ninguém conseguiu fazer bem. E eu... Eu faço".

Neymar, no documentário O Caos Perfeito (Netflix)

Anadolu Agency/Getty Images Neymar comemora gol na Copa da Rússia, em 2018

Neymar comemora gol na Copa da Rússia, em 2018

Há declínio no rendimento?

O ponto, porém, é que, pela primeira vez, o lado campo de Neymar é cada vez mais incerto. Ele chega aos 30 com 13 anos de carreira, 401 gols marcados em jogos oficiais, 215 assistências e 31 títulos. São números impressionantes, principalmente pela seleção brasileira, na qual é o segundo maior artilheiro da história, com 70 gols em 116 jogos.

Mas, comparado a outros craques, esses números são inferiores. Quando completou 30 anos, Messi já tinha marcado 565 gols por Barcelona e seleção argentina. Cristiano Ronaldo havia feito 463 gols. Pelé, também aos 30 anos, contabilizava 635 gols em jogos oficiais de clubes e seleções —contando amistosos, o Rei tinha 1054 gols por Santos e seleção brasileira.

Tivesse mantido o número alto de gols do início de carreira, Neymar poderia até estar próximo de Messi e CR7. Mas, nos últimos anos, o rendimento do camisa 10 do PSG vem caindo. Em suas últimas três temporadas (2019-2021), Neymar marcou 56 gols. Nos triênios anteriores, o atacante fez 97 gols (2016-2018), 118 gols (2013-2015) e 127 gols (2010-2012), isso por clubes e seleção brasileira em jogos oficiais.

Essa diferença não é exatamente uma queda de produção, mas de presença. Desde que chegou ao PSG, em 2017, ele ficou de fora em mais de 50 % dos jogos por lesão. Na seleção brasileira, no atual ciclo para a Copa do Mundo de 2022, ele ficou de fora de 16 dos 42 jogos da equipe de Tite —a Copa América de 2019, em que ele enfrentou uma acusação de estupro que acabou arquivada, faz parte dessas ausências.

O lado bom é que, em campo, ele ainda correspondia. Desde 2017, quando chegou ao PSG, ele mantém uma média de 0,63 gol por jogo. Mas em 2021, em 46 jogos foram apenas 17 gols, média de 0,37 — a menor desde 2009, sua primeira temporada como profissional.

Com compilação de estatísticas de Rodolfo Rodrigues

Ler mais

O que eles ganharam antes dos 30

  • Neymar

    Até hoje, Neymar venceu a Liga dos campeões em 2015, na qual foi o artilheiro. Também deu à seleção o título olímpico da Rio-2016, único que faltava ao Brasil. E é o segundo maior artilheiro da história da camisa amarela.

    Imagem: Lucas Lima/UOL
  • Kaká

    Aos 30 anos, Kaká já era melhor do mundo (2007), campeão da Liga dos Campeões (2006) e tinha uma Copa do Mundo (2002).

    Imagem: John Walton - PA Images via Getty Images
  • Ronaldinho

    Quando completou 30 anos, Ronaldinho já tinha dois títulos de melhor do mundo (2004 e 2005), um título da Copa do Mundo (2002) e uma Liga dos Campeões (2006).

    Imagem: Adam Davy - EMPICS/PA Images via Getty Images
  • Rivaldo

    Rivaldo talvez seja o mais próximo de Neymar: foi eleito o melhor do mundo aos 27 anos (1999), mas ganhou a Copa de 2002 aos 30 anos e a Champions (2003), aos 31.

    Imagem: Reprodução
  • Ronaldo

    O Fenômeno ganhou a Copa do Mundo de 1994 aos 17 anos e a de 2002 aos 25. Aos 30 anos, já era três vezes melhor do mundo (1996, 1997 e 2002).

    Imagem: Juca Varella / Folhapress
  • Romário

    Primeiro brasileiro melhor do mundo pela Fifa, Romário foi campeão da Copa do Mundo (1994) e eleito melhor do mundo (1994) aos 28 anos.

    Imagem: Neal Simpson/EMPICS via Getty Images
NurPhoto/NurPhoto via Getty Images

Ele volta para o Brasil? Aparentemente, não

Mesmo assim, a importância do camisa 10 para o Paris Saint-Germain ainda é grande. Por não falar francês, ele não é o capitão (a falta de diálogo com os árbitros em jogos do time é a explicação). Mas em espanhol, idioma da maior parte do time, o brasileiro exerce papel importante para armar a equipe.

No PSG, tem a fama de "jogador de grupo", abre as portas de casa para festas com o elenco e carrega sempre um discurso otimista antes de jogos decisivos. Na seleção brasileira, o camisa 10 também tem moral de sobra por querer estar em campo sempre, e ajudar os jovens convocados por Tite.

Tudo isso pesou para que seu novo contrato tenha validade até junho de 2025, com uma cláusula que permite ao brasileiro optar pela prorrogação até 2026. O acordo foi assinado no ano passado, justamente a sua pior temporada na Europa.

No entorno do jogador, esse é tratado como o último grande contrato da carreira. Neymar terá 34 anos quando terminar o vínculo com o PSG. O encerramento também coincide com a disputa da Copa do Mundo de 2026. E aí entra um detalhe que muita gente no Brasil não quer nem imaginar.

Quando os últimos grandes jogadores do futebol brasileiro terminaram suas carreiras na Europa, como Ney deve fazer em 2026, o destino foi o Brasil. Romário jogou em Flamengo, Vasco e Fluminense. Ronaldo, no Corinthians. Rivaldo e Kaká, no São Paulo. Ronaldinho Gaúcho, no Flamengo e no Atlético-MG.

O caminho de Neymar deve ser outro. O UOL apurou que, hoje, os planos de final de carreira do jogador não envolvem esse retorno. Seguir na Europa ou atuar nos Estados Unidos são cenários considerados mais prováveis.

Guilherme Dionízio/AE Neymar em 2011, antes de decidir ir para o Barcelona

Neymar em 2011, antes de decidir ir para o Barcelona

A influência de Neymar, o pai

O quanto essa estratégia faz parte do que Neymar quer ou de um plano maior, traçado pela equipe da NR Sports, a empresa que gerencia tudo a respeito de Neymar, é incerto. O detalhe, aí, é a influência de Neymar dos Santos, o pai, em toda movimentação de carreira de Neymar Junior, o filho.

Quem assistiu ao documentário da Netflix sabe bem disso.

Em um trecho de "O caos perfeito", o pai justifica o protagonismo na carreira do filho por julgá-lo ingênuo. "Minuto a minuto, não posso desistir dele, pois vai ser corrompido por alguma coisa, manipulado por alguma coisa, pela inocência que ele é", disse o empresário.

A declaração ocorreu em conversa com a equipe da NR Sports. Nela, ainda mencionou que, se todo o trabalho da empresa for por água abaixo em algum momento, existe uma pessoa que pode ser considerada culpada: "Só o Neymar (Júnior) pode estragar tudo isso".

MAURÍCIO DE SOUZA
Neymar entre a mãe, Nadine, o pai, Neymar dos Santos, e a irmã, Rafaella

O documentário é centrado nessa relação. Como disse o colunista do UOL, Diego Garcia, as aparições de Neymar pai mostram "muito do que já sabíamos: sua personalidade controladora, com Neymar desde criança tendo todos os passos calculados e programados pelo pai. Um ex-jogador frustrado, mas um empresário astuto e feroz, que viu no filho genial não só a chance de fazer fortuna e realizar os próprios sonhos, mas também sustentar a família."

"Mesmo o futebol não tendo me dado sucesso e dinheiro, percebi que meu filho seguia o mesmo caminho [do futebol]", falou em uma ocasião. "Vi a oportunidade de trazer benefícios para minha família, foi nosso primeiro milhão", completou, em outra, ao analisar a recusa de Neymar, ainda aos 14 anos, em jogar no Real Madrid.

No caso, a família ganhou R$ 1 milhão para Neymar continuar no Santos.

A incógnita ali em cima, porém, também é mostrada no documentário: uma das novidades dos três episódios é o distanciamento do jogador e seu pai. Em certo episódio, por exemplo, o filho reclama da forma agressiva como o progenitor trata as pessoas, como empregados e até seus amigos. Diz que não faria o mesmo e condena o jeito do empresário. "Eu não falaria assim", diz.

Lucas Lima/UOL
Neymar na conquista da medalha de ouro da Rio-2016

O Brasil tem ranço de Neymar?

Influência do pai ou não, o fato é que o retorno ao futebol brasileiro traria para perto de um lugar em que Neymar não tem certeza de como é visto. Ele sabe que é querido no Brasil, mas está longe de ser unanimidade. A imagem de Neymar foi arranhada no país por problemas vividos fora de campo. E quem sabe como viver no país, enfrentando paparazzis 24 horas por dia atrás de notícias de sua vida social e entrando duas vezes por semana em estádios lotados com torcedores analisando sua performance faria?

Pelo que faz em campo, Neymar uniu o Brasil várias vezes. Na Copa das Confederações de 2013, foi o grande nome do time de Felipão que venceu o torneio e recuperou a mágica da seleção. Em 2014, fez todos chorarem quando levou uma joelhada na coluna do colombiano Zuñiga e saiu de maca da Copa do Mundo —que terminou no chocante 7 a 1. Antes da Copa do Mundo em 2018, voltou a unir o Brasil na torcida por sua recuperação para jogar na Rússia.

E, mesmo depois das polêmicas causadas pela sua performance no torneio (em que, é bom lembrar, ele jogou longe de sua melhor forma), dois anos depois seus fãs criaram o fenômeno do #neyday. O gigantesco movimento de apoio aconteceu na disputa da fase final da Liga dos Campeões, em 2020, pelo PSG —não por acaso, o time chegou à final do torneio.

O problema é que a crítica no Brasil o irrita. Quando defende a seleção brasileira, o jogador sempre adota um discurso de patriotismo. Algumas vezes, já chorou ao falar sobre a pressão sofrida no país. "Espero que todo mundo que gosta de futebol goste de mim", disse Neymar durante entrevista na Copa América do Brasil, no passado.

A escolha de palavras mostra essa incerteza sobre como ele é visto por aqui.

FIFA/FIFA via Getty Images

Há vida depois dos 30?

Ninguém nega que o último ano foi difícil para Neymar. Além da queda técnica, ainda existiu uma queda de status internacional — ele terminou em 16º lugar a disputa de Melhor do Mundo pela Fifa, por exemplo. Mas o camisa 10 chega otimista para 2022. O atacante foca no retorno para o trecho de maior importância da temporada europeia com a intenção de ser protagonista no Paris Saint-Germain ao lado de Lionel Messi e Kylian Mbappé.

E é justamente o argentino, ao lado de Cristiano Ronaldo, que fazem Neymar acreditar que há vida depois dos 30 anos. Cristiano Ronaldo, por exemplo, após essa idade marcou 340 gols, tendo uma média impressionante para um jogador veterano. Messi, depois dos 30, já marcou 193 gols. Pelé fez "apenas" 127 depois dos 30.

É claro que isso depende muito do físico. E é justamente isso que falhou em Neymar nos últimos anos.

E é por isso que até o aniversário de 30 anos do jogador será diferente. Se em anos anteriores a data foi marcada por festas gigantescas que contavam até com patrocinador próprio, agora a escolha foi por uma celebração em casa, só com amigos mais próximos, familiares e jogadores do PSG. O objetivo é manter o cronograma de recuperação física para voltar a jogar na próxima semana —a meta é entrar em campo no dia 11 de fevereiro, contra o Rennes.

O sucesso do time com o brasileiro em campo certamente o faria recuperar o patamar desejado. Mesmo sem uma Bola de Ouro, o brasileiro acredita que já está posicionado como um dos maiores nomes do esporte, mas é o êxito na Copa do Mundo, já aos 30, que pode deixá-lo em um patamar que corresponda ao seu talento com a bola no pé.

+ Especiais

Lucas Lima/UOL

"Neymar, se joga"

Responsável pela carreira do maior craque do país mostra lado coruja: "Vou mimar meu filho. Tenho meu direito".

Ler mais
UOL

Quase-parças

Histórias dos amigos de infância de Neymar revelam um jovem tímido, competitivo, chorão e cheio de regalias.

Ler mais
Zhizhao Wu/Getty Images

De 10 para 10

Ex-camisa 10 da seleção, Rivaldo vê seleção em bom caminho e torce para Neymar ser melhor do mundo.

Ler mais
Divulgação/SC Fifa World Cup 2022

Embaixador

Em entrevista exclusiva, Samuel Eto'o elogia Vinicius Jr e coloca Neymar entre os três melhores do mundo.

Ler mais
Topo