Igualdade acima do show

NBA planeja volta em meio a protestos antirracistas. Parte dos atletas teme que partidas tirem o foco da luta

Brunno Carvalho e Patrick Mesquita Do UOL, em São Paulo Jay L. Clendenin/Los Angeles Times via Getty Images

Os ginásios da NBA estavam fechados há meses devido à pandemia do ainda desconhecido novo coronavírus, que tirou a vida de milhares de pessoas em todo o mundo. Enquanto muitas pessoas temiam a Covid-19 e estavam isoladas em casa, os atletas da principal liga de basquete do mundo foram às ruas. A morte de George Floyd, um cidadão afro-americano vítima da violência policial, tirou os astros de suas residências e os levou a marchar ao lado do povo nas ruas para exigir justiça social.

Cientes de suas representatividades e marcados pelas próprias experiências, nomes como Giannis Antetokounmpo, Russell Westbrook, Bradley Beal, John Wall, entre outros, marcharam gritando que "vidas pretas importam".

A onda de manifestações que tomou os Estados Unidos e o mundo rapidamente atingiu a liga. Os atletas passaram a cobrar mais representatividade preta tanto na NBA quanto nas franquias que a compõe.

Em meio a isso, os dirigentes discutiram como retomar os jogos mesmo com a pandemia causada pelo novo coronavírus. A solução foi a montagem de um complexo reservado à liga na Disney, em Orlando, na Flórida (EUA).

A atitude dividiu e gerou um forte debate entre os jogadores. Parte deles entende que o retorno, marcado para o dia 30 de julho, seria uma forma de abafar as manifestações e a luta por igualdade.

A atual geração de astros da liga, principalmente os afro-americanos, poderá ser acusada de muitas coisas daqui a algumas décadas, menos de omissão diante do racismo estrutural existente nos Estados Unidos.

O show promovido pela NBA, com enterradas, dribles desconcertantes e grandes jogos voltará. Mas a liga estará pressionada a ser mais igual e justa do que era quando parou.

A injustiça em qualquer lugar é uma ameaça à justiça em todo lugar"
Martin Luther King Jr.

Jay L. Clendenin/Los Angeles Times via Getty Images

"Somos um grupo de homens e mulheres de diferentes times e indústrias que, normalmente, são pintados como oponentes. Mas colocamos nossos egos e diferenças de lado para garantir que nos manteremos unidos e exigindo honestidade durante esse período incerto.

Como homens e mulheres indígenas, afrodescendentes e caribenhos entretendo o mundo, vamos continuar usando nossas vozes e plataformas por mudanças positivas e verdadeiras.

Estamos, verdadeiramente, em um ponto de inflexão histórico a patir do qual, como uma comunidade coletiva, podemos nos unir - UNIFICAR - e seguirmos juntos. Precisamos de todo nosso povo com a gente e permaneceremos juntos em solidariedade.

Somos uma comunidade oprimida que tem sido sistematicamente alvo por mais de 500 anos. Usados pela nossa propriedade intelectual e talento e, ainda assim, sendo mortos por aqueles que, supostamente, deveriam nos 'proteger e servir'.

JÁ AGUENTAMOS O BASTANTE!

Estamos combatendo os principais problemas: não vamos aceitar que a injustiça racial continue sendo ignorada em nossa comunidade. Não seremos mantidos na escuridão quando se trata de nossa saúde e bem-estar. E não ignoraremos as motivações financeiras que historicamente nos impediram de tomar decisões acertadas.

Isso não é sobre um jogador, atletas ou entretenimento. É sobre nosso grupo de homens e mulheres fortes e unidos por mudança. Temos nossos respectivos campos de atuação, mas não vamos nos calar e jogar para tirar o foco sobre tudo que esse sistema tem sido: uso e abuso.

Somos todos pais, filhas, líderes e muito mais. Então qual é a grande questão? Estamos nessa por UNIÃO e MUDANÇA!".

Texto escrito por um coletivo de jogadores da NBA e da WNBA, liderados por Avery Bradley, dos Los Angeles Lakers, e Kyrie Irving, do Brooklyn Nets.

Ned Dishman/NBAE via Getty Images Ned Dishman/NBAE via Getty Images

O trabalho por mudanças

O texto acima foi escrito por um coletivo de jogadores contrários ao retorno da temporada da NBA. Na visão deles, liderados por Irving e Bradley, os jogadores tirariam o foco das manifestações antirracistas que ocorrem em todo o território dos Estados Unidos.

A manifestação fez com que a NBA se mexesse. Em uma reunião com a Associação de Jogadores (NBPA), a liga se comprometeu em apoiar a luta por equidade racial com ações práticas e de mudanças. Um dos pedidos dos jogadores era a contratação de mais técnicos e dirigentes negros pela liga.

"A liga e os jogadores estão unicamente posicionados para ter um impacto direto no racismo estrutural em nosso país, e estamos compromissados em promover ações coletivas para construir uma sociedade justa e com equidade. Estamos ansiosos para discutir sobre nossa iniciativa, articulada por toda a liga, e agradecer a Michele (Roberts, diretora-executiva da NBPA), Chris (Paul, jogador do Oklahoma City Thunder e presidente da associação de jogadores) e os outros jogadores por sua liderança na criação de mudanças definitivas e significativas", disse o comissário da NBA, Adam Silver.

As primeiras mudanças, mesmo que simbólicas, serão sentidas já no retorno da NBA em Orlando. As laterais das quadras serão pintadas com a frase "Black Lives Matter" (Vidas Pretas Importam). Além disso, a liga estuda permitir que os jogadores troquem seus nomes nas camisas por palavras de justiça social.

Na reunião em que as medidas foram decididas, a NBA se comprometeu a criar uma fundação especial para fomentar mais oportunidades econômicas e educacionais voltadas para a comunidade afro-americana, que representa 12,3% da população dos Estados Unidos.

Os problemas de um racismo estrutural e a brutalidade policial em nosso país precisam acabar. É nosso dever usar nossa plataforma coletiva para trazer luz à essas questões e trabalhar por mudanças efetivas. Como jogadores, assumimos um papel de liderança quando usamos nossas vozes e implementamos soluções práticas, mas ainda há muito trabalho à frente em Orlando e a longo prazo

Chris Paul, jogador da NBA e presidente da Associação de Jogadores

Reprodução/Instagram Reprodução/Instagram

Muitos braços, pouco poder de decisão

Os jogadores negros correspondem hoje a aproximadamente 75% da NBA. Apesar de serem maioria entre atletas, os pretos têm pouca representatividade nos cargos de comando —seja no ramo empresarial ou no comando dos departamentos esportivo e das comissões técnicas.

Apenas 26.6% (8 de 30) dos técnicos são negros, e um deles é interino: Jacque Vaughn, que vai dirigir o Brooklyn Nets na "bolha" criada pela liga em Orlando. Em termos de cargos para tomada de decisões sobre o basquete, o número cai para 16,6% (5 de 30). No mundo de negócios, aí nem precisamos recorrer a percentuais, já que apenas uma pessoa preta é dona de uma franquia: Michael Jordan, do Charlotte Hornets.

Entre os homens que chefiam o departamento esportivo, quem se destaca é Masai Ujiri, homem forte do Toronto Raptors e tratado na metrópole canadense como uma autêntica superestrela. Não é para menos: o nigeriano é justamente o grande responsável pela montagem do atual campeão da NBA.

Após uma carreira sem grandes feitos como jogador de basquete, Ujiri tornou-se scout do Orlando Magic em 2002, trabalhando de graça, e aos poucos subiu degraus na longa escadaria da liga. Em 2013, ele conquistou o prêmio de Executivo do Ano pelo Denver Nuggets antes de voltar aos Raptors para uma segunda passagem triunfante.


Marcas da segregação

O racismo sistêmico nos Estados Unidos teve fortes reflexos nas primeiras décadas da hoje principal liga de basquete do mundo. Muito mais fortes do que aqueles sentidos ainda hoje. Criada em 1946, a Basketball Association of America, que só após a fusão com a National Basketball se tornou a NBA, contava com 11 times e 150 jogadores na primeira temporada. Nenhum atleta era preto. Foi assim por mais três edições.

Na época, os Estados Unidos vivam uma forte segregação racial. Em muitas regiões, a população negra não era permitida a frequentar as mesmas escolas, espaços públicos ou sequer ter os mesmos empregos que os brancos.

Os primeiros afro-americanos apareceram na liga em 1950. Enquanto parte dos EUA despertava para a luta por direitos para o povo preto, o basquete profissional reagiu lentamente —mas lentamente, mesmo— para inserir os atletas negros em seus times, sem enfrentar a segregação. No draft daquele ano, o Boston Celtics escolheu Chuck Cooper. Mas foi Earl Francis Lloyd o primeiro a entrar em quadra, pelo Washington Capitols, em 31 de outubro.

Na época, a NBA adotou de forma extraoficial um sistema para limitar a até três o número de jogadores negros por time. Além disso, eles não eram incentivados a anotar cestas —para dirigentes, não pegaria bem se os brancos não fossem os cestinhas do time. O trabalho consistia em apenas defender, pegar a bola e entregar aos atletas privilegiados. Peguem o caso de Cleo Hill, por exemplo. Ele liderou o ataque do St. Louis Hawks durante a pré-temporada, mas, quando o campeonato começou para valer, o time mal o utilizava.

O sistema de recrutamento seguiu discriminatório até os anos 60, com a maioria dos jogadores vindos de times industriais e universidades brancas.

Fora de quadra, a sensação poderia ser até pior, especialmente nas viagens pelo interior dos Estados Unidos. O impacto para jogadores pretos criados em grandes cidades na Costa Leste era doloroso. Além de banheiros segregados durante as viagens, os negros eram discriminados em diversos ambientes nos Estados Unidos. Restaurantes, estações de trem, hotéis, lojas e muito mais.

Fui a primeira escolha do recrutamento em 1960. Tínhamos três jogadores pretos na equipe. Quando eles faziam uma lista de quartos nas viagens, colocavam um asterisco em nossos nomes

Oscar Robertson, Uma das maiores lendas da NBA, campeão pelo Milwaukee Bucks em 1971 e ouro pela seleção norte-americana nas Olimpíadas de Roma-1960

Nos anos 50, 60, havia essa percepção de que eles tinham um sistema de cotas. Se você tivesse mais de três pretos na equipe, então tinha de trocar alguém. Mas, quando o Boston Celtics passou a ser campeão com um quinteto de afro-americanos, aí a diversidade foi acelerada

Wayne Embry, Jogador na época e dirigente dos clubes da liga por longa data

Tinha um grande amigo que foi cortado de uma equipe por causa da cota. Outro amigo ficou destruído psicologicamente. E eles eram melhores do que eu. Quando voltavam para casa, precisavam explicar a outros negros o que aconteceu. Que não eram piores, mas que simplesmente a conta não fechava.

John Thompson, ex-jogador do Boston e um treinador legendário do basquete universitário

Quando alguém me perguntava: 'Como você consegue jogar em Boston?", eu sempre ficava maravilhado e respondia: "Bem, como é que eu consigo jogar na América? Eu enfrento problemas em todos os lugares". O que era pior era em Los Angeles com a polícia. Lá já sacaram a arma contra mim.

Satch Sanders, ala multicampeão pelo Boston Celtics nos anos 60

Charles Hoff/NY Daily News Archive via Getty Images

O jogador mais vitorioso da NBA também enfrentou o racismo

Foram 11 títulos em 13 anos. Ninguém foi mais vencedor na NBA do que Bill Russell, que dá nome ao troféu entregue anualmente pela liga ao destaque da temporada. A lenda do Boston Celtics teve números assombrosos, mas foi um dos atletas que mais sofreu com o racismo durante a carreira profissional. Ele é um grande exemplo do que foi o preconceito racial no basquete profissional norte-americano.

Na época em que Russell jogava, os Celtics nem de perto eram o time mais popular de Boston. Era normal ver assentos vazios no ginásio, mesmo com tantas glórias. De acordo com o ex-jogador, a franquia fez uma pesquisa para saber o que poderia ser feito para melhorar a presença do público. Mais da metade das respostas apontaram o alto número de jogadores pretos no time como principal motivo para não irem aos jogos.

O técnico Red Auerbach, nesse sentido, foi contra a corrente predominante na liga. Com sinal verde dado pelo proprietário Walter Brown, ele fez de tudo para levar Russell a Boston e construir uma dinastia. Mas o sucesso individual do pivô e o da equipe não foram o bastante para que aquela legendária figura fosse acolhida, nem mesmo na cidade onde morava.

Os atos contra Russell sempre foram fortes naquela época.

Em 1961, um restaurante em Lexington se recusou a atender Russell e seus companheiros negros dos Celtics antes de um amistoso. Os jogadores, então, se negaram a entrar em quadra.

Mas o episódio mais chocante, mesmo, aconteceu em Boston, quando um vândalo invadiu a casa do astro, deixou mensagens racistas nas paredes e defecou sobre sua cama.

Russell nunca escondeu suas críticas à cidade, a qual chegou a definir como um "mercado de pulgas do racismo". Sua relação com os companheiros de time e torcida também quase sempre foi "fria". Algo que exemplifica isso é o fato dele não ter permitido a presença do público local quando sua camisa foi aposentada pelos Celtics.

Para constar, somente em 2013 que a cidade prestou uma homenagem, digamos, concreta ao legendário pivô, quando enfim construiu uma estátua em sua homenagem à frente de sua Câmara Municipal.

Eu não queria ser hostil, mas ao mesmo tempo não queria a reputação de ser apenas um negro rindo e brincando. Não quero que as pessoas me estereotipem nunca"
Bill Russell

O legado de Russell

Apesar de sofrer com o preconceito racial, Russell nunca deixou de acreditar em igualdade, e o resultado foi um legado histórico. Em 1963, o assassinato de Medgar Evers, um dos principais defensores dos direitos civis do país, inspirou o ainda jovem pivô a tomar atitudes mais explícitas para enfrentar o racismo.

No auge de sua carreira, Russell foi ao Mississipi, um dos lugares mais segregados dos Estados Unidos, para comandar acampamentos de basquete integrados entre pretos e brancos. Mesmo ciente de que poderia até ser vítima de um atentado. Nada mais grave aconteceu, mas ele naturalmente foi questionado se era possível ver crianças negras e brancas jogando juntas.

"Eu não vejo qualquer problema para isso acontecer. Meus filhos jogam com crianças brancas, e ninguém se machucou até agora", afirmou.

Quando foi indicado ao Hall da Fama do Basquete, Russell se recusou a participar da cerimônia e não aceitou ganhar o anel entregue a quem recebe a honra. O ídolo dos Celtics só aceitou o anel do Hall da Fama em 2019.

Trump, você projetou sua narrativa de que se ajoelhar é desrespeitoso e antiamericano, mas o gesto nunca foi sobre isso. Você é uma pessoa que divide. É um covarde. É preciso verdadeira coragem para lutar pelo certo e arriscar sua vida no meio de uma pandemia

Bill Russell, Em ataque ao presidente americano, acusando o candidato à reeleição pelo Partido Republicano de desvirtuar os atos antirracistas nos EUA, em junho

Dick Raphael/NBAE via Getty Images Dick Raphael/NBAE via Getty Images
Hulton Archive/Getty Images

Jogar ou não? A morte Luther King Jr.

A NBA enfrentou um impasse sobre entrar em quadra ou não durante um conflito racial em 1968, quando o pastor e ativista Martin Luther King Jr. foi assassinado.

A final da Conferência Leste estava marcada para começar um dia após a morte de um dos maiores nomes da luta por direitos civis nos Estados Unidos. O jogo seria entre o Boston Celtics de Bill Russell e o Philadelphia 76ers, de Wilt Chamberlain, em um clássico da época.

Em 68, os principais nomes da NBA já eram negros e estavam em choque com o assassinato de Luther King Jr. Russell e Chamberlain chegaram a pedir o adiamento da partida, enquanto as ruas de diversas cidades americanas ardiam em chamas, em revolta popular. Ao mesmo tempo, o ala-pivô Bailey Howell, dos Celtics, branco, questionava o porquê dessa ideia: "Qual título King tinha? Por que deveríamos cancelar o jogo?"

Nos bastidores da liga, o movimento não ganhou força, por questões contratuais. Os astros entraram em quadra em um misto de luto, desconforto e raiva.

"Eu não acho que o jogo deveria ter sido disputado [um dia depois], mas essa é a NBA", disse o ala-armador Oscar Robertson, um dos maiores craques da liga, contemporâneo de Russell, ao site The Undefeated. "Não havia nenhuma consideração pelo Dr. King. Ele era meio que um inimigo para muitos na América. Mas ele foi um salvador para muitos de nós."

Jogar na NBA não apaga o racismo até hoje

Os atos racistas contra jogadores da NBA persistem até os dias de hoje. Mesmo que em menor escala e sem a segregação oficial do passado, atletas ainda sentem os insultos infundados de quem vê diferença com base na cor da pele. Ou coisa muito pior.

Garrett Ellwood/NBAE via Getty Images

Eletrocutado

Em 2018, o ala Sterling Brown desfalcou o Milwaukee Bucks por alguns jogos. O motivo inicialmente não fora revelado. Dias depois, descobriu-se que o jogador, então um novato, foi preso ao supostamente resistir a uma abordagem policial na cidade. Os agentes chegaram a eletrocutar o atleta. Alguns meses depois, um vídeo revelou que não houve qualquer atitude ríspida por parte do atleta, que foi mais um preto vítima de violência policial nos Estados Unidos.

Kent Smith/NBAE via Getty Images

Uma perna fraturada

Em 2015, Thabo Sefolosha foi detido em uma boate em Nova York. Na ação policial, ele acabou com a perna fraturada e precisou passar por uma cirurgia, desfalcando o Atlanta Hawks. O atleta suíço foi acusado de obstrução de Justiça. Um acordo foi oferecido para que ele prestasse serviço comunitário, mas o atleta rejeitou e processou o Estado. Meses depois, Sefolosha foi declarado inocente. Hoje no Houston, se recusou a disputar o restante da temporada.

Insultado em quadra

Em 2019, quando ainda defendia o Oklahoma City Thunder, Russell Westbrook se envolveu em uma discussão acalorada com um torcedor no ginásio do Utah Jazz, em Salt Lake City. O jogador, um dos mais populares da liga e hoje no Houston Rockets, afirmou ter sido insultado de forma racista pelo homem que estava nas arquibancadas. O Jazz conduziu uma investigação interna, agiu rapidamente e baniu esse torcedor de seu ginásio para sempre.

Noah Graham/NBAE via Getty Images

Ofendido pelo magnata

Em 2014, o então dono do Los Angeles Clippers, Donald Sterling, foi banido da liga por toda a vida e condenado a pagar multa por comentários racistas. Na época, foi revelada uma gravação telefônica com sua namorada, em que ele ofendia os negros. "Me machuca muito que você queira exibir sua ligação com negros. Precisa? Você pode dormir com eles, o que quiser. A única coisa que peço é não promover isso e não levá-los em meus jogos", disse.

Brock Williams-Smith/NBAE via Getty Images Brock Williams-Smith/NBAE via Getty Images

O silêncio de Jordan chegou ao fim?

Aclamado como o maior jogador da história, Michael Jordan até hoje enfrenta críticas por não se posicionar politicamente de modo assertivo, diante de casos como os citados acima, por exemplo.

Um episódio marcante da abordagem silenciosa de Jordan em questões sociais foi explorado no quinto episódio da série "Arremesso Final", da Netflix. Na ocasião, o astro ficou em xeque com a opinião pública durante uma disputa eleitoral na Carolina do Norte, onde o astro do Chicago Bulls cresceu.

Jordan foi cobrado por uma manifestação favorável a Harvey Gantt, que tentava ser o primeiro senador negro de um estado famigerado pelo racismo. O adversário dele na ocasião era Jesse Helms, um político conservador do Partido Republicano, que se colocava favorável à segregação nas escolas e contrário à criação do feriado em homenagem a Martin Luther King Jr. O lendário camisa 23 se manteve isento na oportunidade.

"Minha mãe pediu que eu apoiasse Harvey Gantt. E eu disse: 'Mãe, não vou defender alguém que eu não conheço, mas contribuirei com a campanha dele'. Coisa que eu fiz", se defendeu o ex-jogador e hoje proprietário do Charlotte Hornets, no documentário. Seu comentário à época, de que "republicanos também compram tênis", em referência ao seu acordo multimilionário com a Nike, foi amplamente comentado.

Já no episódio da morte de George Floyd, Jordan ficou em silêncio por alguns dias, quando as ruas americanas já ardiam. Até que veio a público para prometer, em nome da Jordan Brand —basicamente um "selo" da Nike ligado ao ex-atleta—- a doação de US$ 100 milhões (ou R$ 508 milhões) nos próximos dez anos para combater a desigualdade racial. A ideia é investir o dinheiro em instituições dedicadas à justiça social e ao maior acesso à educação.

Para os mais críticos a Jordan, o anúncio de contribuição financeira não era o suficiente, principalmente pelo poder, alcance e influência do ex-jogador. O coletivo de jogadores que pede mudanças na liga questiona as razões pelas quais os executivos das franquias não falam sobre o tema e deixam todo o posicionamento a cargo dos atletas. Vale destacar que o ídolo é o único preto dono de uma equipe da NBA.

Bill Baptist/NBAE via Getty Images Bill Baptist/NBAE via Getty Images

A voz de LeBron...

A atual geração da NBA tem demonstrado um forte engajamento. E nenhum nome é tão forte quanto o de LeBron James, seja por suas habilidades em quadra ou pela imagem que construiu fora de quadra. O astro do Los Angeles Lakers, além de sempre se posicionar sobre racismo, política e sexismo em suas redes sociais, também participa ativamente de ações que visam a igualdade racial e social:

Escola em Akron

Em 2018, LeBron inaugurou a "I Promisse School", em Akron (Ohio), sua terra natal. A escola pretende atender mil alunos até 2022 do ensino básico ao médio. Além das aulas o colégio dá suporte acadêmico, profissional e emocional a alunos.

Incentivo ao voto

Recentemente, LeBron James criou a "More Than a Vote" ("Mais que um voto"). A campanha, que já conta com a participação de Patrick Mahomes, astro da NFL, visa incentivar os afro-americanos a votarem contra a supressão de eleitores nos EUA.

Mostra de Ali

LeBron doou US$ 2,5 milhões para o Museu Nacional de História e Cultura Afro-Americana dos EUA para apoiar a exposição "Muhammad Ali: uma força para a mudança". A apresentação mostra como o boxeador transcendeu o mundo do esporte e ajudou na luta por igualdade racial.

Em defesa das crianças

A fundação de LeBron é dona da maior contribuição para Children's Defense Fund, organização sem fins lucrativos com propósito de dar voz aos direitos das crianças e garantir que elas sejam tratadas de forma justa.

Mas não só LeBron. A voz da nova geração

Astros milionários ou não, os jogadores da atual geração da NBA estão envolvidos em diversas causas. Muitos deles estiveram diretamente nas manifestações que tomaram as ruas dos Estados Unidos (e do mundo) nas semanas seguintes ao assassinato de George Floyd. Alguns jogadores, como o australiano Patty Mills, do San Antonio Spurs, e Jrue Holiday, do New Orleans Pelicans, também anunciaram que o salário que eles receberem pelas partidas na "bolha" em Orlando será doado para organizações não-governamentais. No caso de Holiday, a quantia pode passar dos US$ 5 milhões (mais de R$ 25 milhões).

Bill Baptist/NBAE via Getty Images

Giannis Antetokounmpo

Atual MVP (jogador mais valioso) da liga e favorito a repeteco na atual temporada, o grego Giannis Antetokounmpo, do Milwaukee Bucks, foi às ruas ao lado de alguns companheiros de time e discursou para os manifestantes que pediam igualdade racial. "Quero que meu filho cresça aqui em Milwaukee e não tenha medo de andar na rua. Não quero que meu filho tenha ódio no coração", disse. Antetokounmpo tem ascendência nigeriana, e sua família só foi reconhecida com a cidadania grega quando ele já estava a caminho do estrelato na NBA. O passaporte do jogador só foi emitido quando ele tinha 18 anos de idade. 

Reprodução/Instagram

Steph Curry e Klay Thompson

A dupla do Golden State Warriors, tricampeã da liga, compareceu a uma manifestação em Oakland organizada pelo companheiro de time Juan Toscano-Anderson. Eles participaram tranquilamente do protesto. Natural de Oakland (antiga sede dos Warriors, que se transferiram para São Francisco no ano passado), Toscano-Anderson é um atleta dos Warriors recebendo pouco mais que o salário mínimo da liga, sem contrato garantido para o próximo campeonato. Ele tem ascendência mexicana e até defende a seleção do país vizinho ao sul. Já Curry e Thompson nasceram em "berço de ouro", filhos de atletas de longa carreira na NBA.

Reprodução/Instagram

Russell Westbrook e DeMar DeRozan

Russel Westbrook, se juntou a DeMar DeRozan, do San Antonio Spurs, em uma manifestação em Compton, na Califórnia. ?Protejam suas famílias. Em momentos assim, temos que ficar juntos?, disse Westbrook aos manifestantes. Westbrook cogitou a possibilidade de não jogar mais nesta temporada, enquanto DeRozan se tornou um símbolo, antes, no debate sobre a saúde mental dos atletas --e, por consequência, da sociedade como um todo. Compton está situada no condado de Los Angeles e é considerada uma espécie de capital da cultura hip-hop na Costa Oeste dos Estados Unidos. Já esteve entre as mais violentas do país também.

Vidas pretas importam. Diga os nomes deles. Vote. Não consigo respirar. Justiça. Paz. Igualdade. Liberdade. Já deu. Poder para as pessoas. Justiça agora. Diga o nome dela. Sí, Se Puede ("Sim, podemos"). Libertação. Olhe para nós. Respeite-nos. Antirracista. Eu sou um homem. Fale.

Algumas das frases que a NBA permitiu aos atletas usarem em seus uniformes na retomada da temporada, após negociação com o sindicato dos jogadores

Joe Murphy/NBAE via Getty Images Joe Murphy/NBAE via Getty Images
Topo