Rumo a Paris?

Mundial de futsal começa neste domingo e revê meta de ser olímpico, sonho da comunidade brasileira do esporte

Marcello De Vico Do UOL, em Santos Neil Baynes/Getty Images

O Mundial de futsal começa neste domingo na Lituânia, mais uma vez sob a chancela e organização da Fifa. Superpotência da modalidade, o Brasil disputa o torneio com o objetivo de trazer para casa o 8º título. Para a comunidade nacional do esporte, no entanto, existe outro sonho tão grande quanto esse — e vivo na memória com o fim recente dos Jogos de Tóquio.

Afinal, por que o futsal, praticado em todo o mundo, não é um esporte olímpico?

As respostas passam pela Fifa e, principalmente, pela queda de braço entre a entidade e o Comitê Olímpico Internacional a respeito de poder e influência ligados a grandes eventos.

O xadrez de poder entre esses dois organismos tem como elemento central o aproveitamento olímpico do futebol de campo, com interesses claramente distintos, há décadas, entre Fifa e COI. É somente numa brecha desse entrave que o futsal pode ter alguma chance.

"Há várias razões. Todo mundo comenta, todo mundo fala, mas certeza absoluta ninguém tem de nada", diz Marcos Madeira, atual presidente da Confederação Brasileira de Futsal (CBFs).

Mas, se o vôlei conseguiu emplacar simultaneamente suas versões de quadra e praia no programa olímpico, ambos sob cuidados da Federação Internacional (FIVB), por que o mesmo não pode acontecer com futebol e futsal? O UOL Esporte procurou organismos internacionais, falou com ídolos como Falcão e buscou traçar um diagnóstico sobre as chances olímpicas do bom e velho futebol de salão.

Neil Baynes/Getty Images

Guerra velada entre Fifa e COI

Para o COI incluir uma modalidade nos Jogos é preciso que ela atenda a uma série de critérios, como ser regido por uma federação internacional, seguir as regras do Código Mundial Anti-Doping, respeitar a Carta Olímpica e ser praticado na maioria dos países do planeta. Até aí, o futsal cumpre os pré-requisitos.

Ok, o que falta então? Duas coisas para começo de conversa: primeiro, a Fifa querer; segundo, que a entidade e o COI passem por cima da disputa de interesses que existe entre elas. É indispensável que o futsal conte com o apoio incondicional dos dois organismos, o que, neste momento, não parece ser o cenário.

Um exemplo de atrito entre as organizações é o limite de 23 anos de idade estipulado pela Fifa para os jogadores nas Olimpíadas, uma imposição política para não ofuscar a importância da Copa do Mundo, o maior produto da entidade.

Hoje, o futebol masculino olímpico reúne jogadores sub-23, além de mais três acima dos 24 anos. Mas, dentro da Fifa, o desejo é que os times nas Olimpíadas sejam representados pelo sub-20 ou até sub-17; já o COI luta para colocar pelo menos mais três atletas com mais de 24 na disputa.

"Existe muita vaidade. Existe uma briga entre a Fifa e o COI. A Fifa quer acabar com o futebol nas Olimpíadas, e no mínimo acabar com o profissional, deixar só sub-17. O COI não permite em hipótese alguma, até porque a galinha dos ovos das Olimpíadas é o futebol. Existe uma guerra que ninguém fala, mas é uma guerra vedada. Existe esse antagonismo entre eles", diz Marcos Madeira, presidente da presidente da CBFs (Confederação Brasileira de Futsal).

Victor Decolongon - FIFA/FIFA via Getty Images Victor Decolongon - FIFA/FIFA via Getty Images

Falcão: "acho muito difícil"

A Fifa valoriza suas Copas ao manter a elite do jogo fora das Olimpíadas. Não 'dividir' o futsal com o COI também é uma forma de não fortalecer outra modalidade, mantendo assim o futebol como o produto esportivo mais poderoso do mundo.

Também há uma questão de calendário. Incluir o futsal nos Jogos também diminuiria a importância da Copa do Mundo da modalidade, disputada sempre no mesmo ano das Olimpíadas, como acontece em 2021. Essa, aliás, é a principal teoria do ídolo Falcão para o "casamento" ainda não ter acontecido:

Futsal nas Olimpíadas é uma briga que a gente tem há muito tempo, e a explicação que tem é que eles são esportes Fifa, e eles entendem que, estando nas Olimpíadas, cairia muito o interesse no Mundial. Então eles acham que é uma concorrência, ainda mais o futsal, que geralmente é no mesmo ano da Olimpíada. O futsal na Olimpíada seria, por exemplo, dois meses antes do Mundial. Eles acham que perderia o interesse no Mundial. É uma briga que a gente tem, mas acho muito difícil".

"A Fifa, quando levou o futsal, quis o quê? Quando um time está forte, o outro clube vai lá, pega os jogadores e nem vai utilizá-los. Só pra enfraquecer. E sabem que o futsal é um esporte de massa, uma potência, um dos mais praticados no nosso país... E a Fifa pegou [entidade assumiu o esporte, que até então era controlado pela Fifusa, em 1989] pra não deixar ninguém pegar. 'Eu tomando conta, ninguém vai atrapalhar'", opina Marcos Madeira, da CBFs.

Continuando com a exclusividade do futsal, são mais produtos para a Fifa vender em seu pacote. Por exemplo: se um grupo de comunicação compra os direitos de transmissão da Copa do Mundo de futebol masculino, pode levar também a Copa feminina, a Copa de Futsal, a Copa de Beach Soccer, os torneios mundiais de categorias de base... Ou seja: eventos da entidade rolando o tempo inteiro, e a máquina de dinheiro girando.

Política, vaidade, briga de cachorro grande... A gente luta, mas não adianta. Quem somos nós para ir lá brigar com a Fifa? Não temos ninguém dentro da Fifa, e do jeito que está não sabemos o que vai acontecer. Passa a ser uma coisa internacional, foge da nossa alçada.

Marcos Madeira, presidente da Confederação Brasileira de Futsal

FIFA via Getty Images FIFA via Getty Images

O papel do futsal feminino

A disputa Fifa x COI é o maior, mas não é o único motivo apontado pelas fontes ouvidas pelo UOL Esporte para o futsal ainda não caminhar em direção às Olimpíadas. Uma das hipóteses levantadas é que o futsal feminino, apesar de já praticado em muitos países, ainda carece de maior representatividade, uma vez que o próprio Mundial da categoria ainda não é organizado pela Fifa.

Diretora do futsal feminino da CBFs, Tatiana Mendes afirma: "A arbitragem é Fifa, e a entidade sempre manda um representante. Mas ainda não é homologado, organizado pela Fifa. Apenas tem a autorização da Fifa para acontecer".

A dúvida que surge, então, é: por que a Fifa ainda não organiza o Mundial feminino? "Explicar por que o futsal feminino não tem um torneio oficial Fifa, na minha humilde opinião, é explicar o inexplicável", diz Tatiana. "Como pensar em ser olímpico se nem conseguimos ainda organizar um mundial feminino oficial?", acrescenta.

Entre outros pré-requisitos para um esporte virar olímpico, temos ainda o seguinte item: mínimo impacto do esporte sob a infraestrutura da competição e a complexidade dos custos operacionais. O texto remete a outra justificativa levantada pelo presidente da CBFs.

"Existe outro entrave. Para o futsal entrar numa Olimpíada, são no mínimo 450 a 500 atletas, dirigentes... E o custo é muito grande. Quantos prédios você tem de fazer a mais? Pelo que se fala, o COI não permite que se aumentem despesas. Os esportes que estão entrando são individuais e dão muito menos gastos."

Via e-mail, o UOL Esporte questionou a Fifa sobre um eventual interesse em colocar o futsal nas Olimpíadas, mas não obteve resposta até a conclusão deste material. Também procurado, o Comitê Olímpico Brasileiro indicou falar com o COI, que, por sua vez, recomendou à reportagem consultar as regras da Carta Olímpica e seu estatuto, que explicam como funciona a composição do Programa Olímpico.

Jan Kruger - FIFA/FIFA via Getty Images Jan Kruger - FIFA/FIFA via Getty Images

Futsal fez sucesso no Pan-2007

Uma amostra do que poderia vir a ser o futsal como esporte olímpico aconteceu em 2007, com o Pan-Americano disputado no Rio de Janeiro. O futebol de salão marcou presença e foi um sucesso absoluto (inclusive com vitória brasileira), mas só fez parte do evento por questões políticas.

"O futsal entrou no Pan porque eu atendi ao pedido de meu amigo Carlos", afirmou o ex-presidente da Organização Desportiva Pan-Americana, Mário Vázquez Ranã, apontando para o então presidente do COB e Co-Rio, Carlos Arthur Nuzman.

Mas o cenário não mudou em nada a possibilidade de o futsal virar esporte olímpico, e o entrave entre Fifa e COI já era explícito nas próprias palavras dos dirigentes da época. "O futsal não é um esporte. É uma ramificação do futebol. A Fifa tem que fazer campanha para ele ganhar status olímpico. Aí pode virar uma modalidade permanente do Pan", disse o já falecido Raña.

Nuzman, na época, disse não haver muito o que fazer para a modalidade ingressar nas Olimpíadas. "Os jogadores fizeram a sua parte, com elegância, sem tumulto e confusão. Falta os dirigentes perceberem o quão importante é se unir. Campanha olímpica repartida é balela, é equivocado fazer por baixo, sem que quem estiver em cima não se reunir", disse o ex-dirigente, preso em 2017 acusado de participar de um esquema de compra de votos para a escolha do Rio como sede olímpica.

UOL

Há uma chance

Por Marcel Rizzo, blogueiro do UOL

O futsal em uma Olimpíada dependeria da saída do futebol, ao menos o masculino, da programação. O que não interessa nem à Fifa e nem ao COI, não hoje, mas pode interessar no futuro.

Se por um lado a Fifa impõe barreira de idade no futebol masculino (sub-23, com exceção de três mais velhos) para evitar que os Jogos Olímpicos concorram com a Copa do Mundo, por outro ter a modalidade em uma Olimpíada interessa a parceiros da federação internacional, alguns os mesmos do COI, como Coca-Cola e Visa.

Só que a possibilidade bem real de a Copa ser disputada a cada dois anos, depois da edição de 2026, faz com que o futebol masculino na Olimpíada fique em xeque, já que a Copa e os Jogos serão realizados no mesmo ano. Aí poderia entrar o futsal.

Se a Fifa simplesmente sacasse o futebol masculino da programação olímpica, teria que levar junto o feminino, o que não interessa à entidade, que vê na Olimpíada um torneio importante no desenvolvimento do jogo das mulheres. Uma possibilidade, então, seria trocar o futebol de campo masculino pelo futsal, mantendo o feminino de campo. Será viável?

Dmitriy Golubovich/Anadolu Agency via Getty Images

E o futebol de areia?

De menor apelo que o futsal, mas também entre os esportes que contam com a simpatia do público para virar olímpico, o beach soccer trilha caminho semelhante, por se tratar de uma ramificação do futebol de campo controlada pela Fifa.

A maior chance de o futebol de areia ter virado olímpico, ao menos em uma edição específica, foi nos Jogos do Rio, em 2016 — algo que acabou não acontecendo.

"Se não entrou numa Olimpíada no Rio de Janeiro, vai entrar em Paris? O Nuzman não deixava o beach soccer entrar de maneira nenhuma! E a grande verdade é que ele acabou atrapalhando e atrasando e muito o esporte, especialmente aqui no Brasil. Imagina se o beach soccer hoje fosse um esporte olímpico? Só que ele estagnou, não andou pra frente como todo mundo imaginava", analisa Júnior Negão, ex-jogador e uma das maiores referências da história na modalidade.

Jorginho, outro ícone do futebol de areia, vai na mesma linha do ex-companheiro: "A gente sabe que certas coisas são complicadas nos bastidores, envolvem muito mais do que paixão. Você vai chegar nos grandes, ou nos que se denominam grandes, que têm o poder hoje em dia, que podem alegar que já têm o futebol de campo, que não querem colocar mais uma modalidade do futebol, e vão dar essas desculpas... Mas acho que nossa grande chance foi no Rio. O Rio foi o pico do futebol de areia, onde fez o público se apaixonar, e acho que ali tínhamos uma chance".

"Não é querer desanimar ninguém, ainda mais eu, que fiz parte desde o início, e o que mais queria era a modalidade que ajudei a criar, a desenvolver, nas Olimpíadas. Mas espero, mesmo velhinho, ver o beach soccer nas Olimpíadas", diz Jorginho.

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