O ano de 2014 era o auge da carreira de Miranda. Aos 29 anos, formava, ao lado do uruguaio Godin, a melhor defesa da Europa no Atlético de Madrid. Em maio, esteve a minutos, talvez segundos, de levantar a taça histórica da Liga dos Campeões, mas viu o Real Madrid empatar nos acréscimos e virar o placar na prorrogação. Apesar da dura derrota, esperava estar na lista de Felipão para a Copa, realizada no Brasil. O treinador, entretanto, optou por outros atletas como David Luiz e Henrique.

"É uma pessoa que escolhe, né? A seleção brasileira é muito grande, respeitada, mas na convocação é uma pessoa que escolhe, não é enquete, não vai quem que o público acha o melhor", afirma. "Ele achou que, no momento, o melhor para seleção brasileira era chamar aqueles outros nomes, eu procurei sempre respeitar porque era uma opinião, era a opinião dele. Infelizmente não deu certo, mas poderia ter dado, então é difícil falar. Eu estava atravessando um momento de excelência, eu me considerava naquela lista. Fiquei chateado sim. O que me deixava tranquilo era saber que eu estava em alto nível, que era um dos melhores na posição e poderia ter ajudado a seleção".

A ausência na convocação de Luiz Felipe Scolari acabou livrando Miranda de ser parte da goleada por 7 a 1 sofrida diante da Alemanha nas semifinais, no Mineirão. O fato de ter sido "salvo" de um dos maiores vexames da história do futebol não serve, entretanto, como fonte de alívio ou consolo.

"Meu pensamento é de que eu deveria estar lá, sabe? Eu penso que se eu estivesse na seleção naquela época, com certeza, aumentaria o nível sim. Não sei, se eu estivesse lá, se ia sofrer os mesmos gols que sofreu, mas, com certeza, eu ia contribuir e ajudar muito. Eu fiquei muito triste de não ter sido convocado. Se a história poderia ser diferente ou não, isso nunca ninguém vai saber, inclusive eu, mas, com certeza, eu fiquei triste de não estar lá, e não feliz de não ter sido convocado tendo acontecido o que aconteceu. Não é consolo".

Miranda começou a carreira com destaque no Coritiba, e foi cedo para a Europa, mas não conseguiu se firmar no Sochaux, da França. São Paulo e Inter monitoravam seu desempenho e, em 2006, passaram a disputar quem iria repatriá-lo. O clube paulista levou a melhor, e os gaúchos ficaram revoltados: alegavam que tinham acertado todos os termos com o zagueiro, que hoje conta uma versão diferente.

"Foi uma negociação envolvendo muitos empresários, e chegava em mim pouca coisa. Realmente estava bem evoluído com o Internacional, mas os empresários que estavam envolvidos, na época, esconderam de mim a maior parte da negociação. E quando eu descobri, vi que não estava correto tudo", lembra. "Justamente nesse período, o São Paulo também estava interessado, eu estava em conversação com o São Paulo. O Inter, em tese, estava oferecendo uma coisa, mas chegou para mim outra. Quando eu fiquei sabendo disso, fiquei um pouco triste, porque os empresários estavam escondendo muitas coisas de mim. Preferi acertar com o São Paulo porque consegui falar diretamente com a diretoria".

Extremamente incomum no futebol brasileiro, a negociação sem empresário acabou sendo o principal trunfo que garantiu a chegada de Miranda ao Morumbi. "Eu mesmo que conversei com São Paulo, então isso facilitou muito a negociação. Me senti enganado indo para o Inter. Não era pelo Inter, mas sim pelos empresários, pelas pessoas que estavam envolvidas. Com o São Paulo foi uma coisa bem direta".

A morte de João Alberto Silveira Freitas na véspera do dia da Consciência Negra foi o motor do debate sobre o racismo estrutural no país nas últimas semanas. De férias no Brasil, Miranda não fugiu da discussão e disse reconhecer o racismo como um problema mundial e que atinge o futebol.

"Eu acho que você tem que ensinar as crianças desde pequenas, quando sai de casa, até mesmo na escola, a lidar melhor com essa situação. Eu vejo até mesmo nesse episódio que que aconteceu, uma sequência de fatos que levaram a esse fim trágico. Existem vários tipos de racismo, não só de cor de pele, de raça. Vem de familiares ensinar a maneira correta, dos pais para os seus filhos, como lidar com essa situação. Ensinar que somos todos iguais, independentemente da cor da pele, da nacionalidade, da raça".

Para o zagueiro, episódios de racismo que ainda permeiam o futebol não devem mais acontecer e não é aceitável que jogos continuem normalmente após ofensas raciais.

"Nós, como jogadores, temos que servir de exemplo. Às vezes, acontece no futebol, e não pode acontecer. Um fato desse gênero tem que ser punido rigorosamente, tem que fazer com que isso, cada vez mais, seja banido do esporte. No futebol acontece uma coisa desse gênero e, no outro jogo, parece que está tudo normal. Não está normal, tem que haver uma punição mais severa, os responsáveis têm que pagar por isso, têm que sofrer para que não possam repetir".

Os problemas com empresários relatados por Miranda na chegada ao São Paulo, em 2006, marcaram sua carreira. Ao ponto do jogador, em quase 20 anos de futebol não ter vínculo permanente com nenhum empresário. "Os empresários ajudavam na negociação, eles recebiam por isso, e, a partir dalí, eu seguia a minha vida, e ele seguiam a vida deles", explica o zagueiro.

Miranda até reconhece alguns empresários que o ajudaram, e cita um em especial: o português Jorge Mendes, agente de Cristiano Ronaldo e que o auxiliou na Europa, mas defende a opção de manejar a carreira sem um empresário fixo.

"Nesse período todo, teve pessoas, alguns parceiros que me ajudaram. O Jorge Mendes praticamente fez todas as minhas negociações para voltar para a Europa nesse período todo, mas procurei sempre seguir sem empresário nenhum".

O paranaense Miranda guarda um lugar especial no coração para o Coritiba. Iniciou a carreira no clube, ao lado de jovens promessas como Adriano, que viria a ser lateral do Barcelona, do goleiro Fernando Prass, atualmente no Ceará, e Rafinha.

"É o time que me revelou, eu tenho um carinho enorme, fico triste em ver o Coritiba passando por essa fase, brigando para não cair, porque é um time que tem que estar na primeira divisão, por toda a estrutura que tem. Mantenho contato com os jogadores que atuaram comigo naquela época e ainda continuam morando em Curitiba. Além de ser um clube que eu tenho carinho um clube que eu vivencio mais por estar morando aqui".

Apesar de ter surgido no Coxa, Miranda teve pouca oportunidade de atuar pelo clube como profissional, e permaneceu lá por apenas uma temporada. "Joguei pouco no profissional, foi praticamente um ano só. Fiz toda minha estrutura de base aqui. É o clube que me formou, não só como atleta, mas como pessoa, porque era um clube me dava uma estrutura muito boa. Me formar como cidadão mesmo, e eu consegui aproveitar e desfrutar desse tempo que eu estive no Coritiba. Um clube que tem um carinho, uma torcida muito grande. Quero ver o Coritiba de novo entre os grandes do futebol brasileiro, jogando por alguma coisa, não só por se manter na série A. Espero também, se possível, no retorno receber uma oferta".

Durante a entrevista ao UOL, Miranda deixou claro que o desejo de voltar ao Brasil tem relação com o que ainda pode render em campo. Ele diz acreditar que ainda tem condições de atuar em alto nível e ajudar um clube a brigar por títulos. O mesmo vale para a seleção brasileira: o zagueiro não é convocado desde 2018, mas diz que ainda está à disposição de Tite.

"Se o alto nível que eu estiver for nível para jogar na seleção brasileira e eu for convocado, vou demonstrar isso. Se não for, eu fico com a cabeça tranquila, porque tive um longo período na seleção e consegui mostrar minhas qualidades. Tudo que eu podia fazer pela seleção eu fiz, mas se precisar fazer ainda mais, com certeza, farei e fico à disposição".

Em outros países, jogadores às vezes definem a própria aposentadoria da seleção, e declaram que não desejam mais ser convocados. Mas no caso, de Miranda, ele diz que ver a decisão como "dar as costas ao Brasil".

"Eu sou um patriota, amo meu país, e vestir a camisa da seleção é uma honra, sempre foi uma honra. Não fui convocado nas últimas vezes, mas se o professor Tite achar que eu estou no nível ainda de seleção, que posso ajudar, e me chamar, em momento nenhum eu vou recusar até porque sou patriota e amo meu país. E outra: é seleção brasileira, né?".