Cidadão do mundo

Mineiro explica opção por vida no exterior e por que ainda analisa mentalmente o gol histórico pelo São Paulo

Alexandre Araújo e Vanderlei Lima Do UOL, no Rio de Janeiro e em São Paulo Reprodução/Instagram

Muita gente não sabe, mas Mineiro, herói do São Paulo no Mundial de Clubes de 2005, é nascido em Porto Alegre, distante das paisagens das Minas Gerais - o apelido vem mais de sua personalidade tranquila, típica da "mineirice".

Pois é, fronteira alguma definiu Carlos Luciano da Silva durante sua carreira como jogador, nem mesmo agora na vida com as chuteiras penduradas. Cidadão do mundo, o ex-volante discreto e eficiente vive hoje em Melbourne, na Austrália - e ainda carrega intimamente a emoção da glória tricolor de 16 anos atrás.

"Posso ser sincero que até hoje a ficha não caiu", contou Mineiro em entrevista ao UOL Esporte, sobre o famoso gol contra o Liverpool e a vitória no Japão.

Com carreira de ordem cronológica "atípica", como o próprio ex-jogador mesmo classifica, Mineiro vive longe do país de origem há 14 anos e atualmente trabalha com o futebol feminino. Hoje muitos quilômetros longe do Morumbi, o volante aposentado reflete na entrevista abaixo sobre sua importância para o São Paulo, analisa sua participação na Copa de 2006 e fala da opção pela vida fora do Brasil.

Entre Alemanha, Inglaterra e Austrália, o ex-atleta de 46 anos construiu uma perspectiva diferente sobre o próprio país, de questões sociais como o racismo como a cultura de futebol. Na época dos gramados, Mineiro costumava "falar" mais através dos pés. Agora é hora de ouvir o que este ídolo são-paulino tem a dizer.

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Um gol para eternidade

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Vida na Austrália

Alemanha, Inglaterra e, mais recentemente, Austrália. Em janeiro do ano passado, o passaporte de Mineiro ganhou um novo carimbo permanente. Hoje em Melbourne, o ex-volante participa de clínicas de futebol.

"Desde 2012, 2013, tivemos convites para vir fazer uma clínica de futebol junto às comunidades, imigrantes, em escolas e igrejas, com outros ex-atletas. Vínhamos, ficávamos dez dias e voltávamos. Destas idas e vindas, surgiu o convite para vir e se estabilizar, montar uma academia de futebol para que os australianos possam ter mais interesse. O esporte aqui é muito bem-sucedido, só que não está entre os mais populares. A ideia é que seja mais expandido. Além de criar oportunidades, seja uma ferramenta de socialização para o australiano."

Apesar da atual experiência, Mineiro não encara a carreira à beira do gramado como um objetivo profissional neste momento.

"Além desses projetos, estou treinando um clube de futebol feminino, no que seria equivalente acho que à terceira divisão no Brasil. Em 2010, 2011, fiz a licença C, na Alemanha, mas a ideia era só poder estar no meio, nunca almejei ser treinador, estar envolvido em algo mais sério, onde tenha de abrir mão de algumas outras prioridades, que, para mim, é a família. Quando se é treinador em alto rendimento, você tem, praticamente, a carreira de um atleta novamente."

Tenho quatro filhos, três estão comigo aqui, o mais velho está no Brasil. Nunca almejei ser treinador, estar envolvido em uma coisa mais séria, onde tenha que abrir mão de algumas outras prioridades, que no caso para mim é a família.

Mineiro, ex-jogador da seleção, sobre a vida atual na Austrália

AFP PHOTO DDP/AXEL SCHMIDT

Julgamento social é maior no Brasil

Em janeiro de 2007, Mineiro embarcou para a primeira experiência no exterior. À época, havia assinado um contrato de um ano e meio com o Hertha Berlim, da Alemanha. Em novembro de 2008, foi anunciado pelo Chelsea, da Inglaterra, que era então treinado pelo brasileiro Luiz Felipe Scolari.

Mais tarde retornaria à Alemanha para defender o Schalke 04 e, posteriormente, o TuS Koblenz, da quarta divisão, antes da aposentadoria em 2012. A identificação com o país foi tamanha que o brasileiro permaneceu em terras alemãs por quase uma década. Na Europa, diz não se recordar de casos evidentes de racismo.

"Na Inglaterra, não lembro de caso algum. Na Alemanha era uma das coisas que me deixava preocupado. Presenciei uma vez algo bem inusitado, mas não sei se foi diretamente, até porque eu não entendia muito alemão. Alguém estava xingando um jovem, não entendi muito o que ele falou. Ele começou a fazer alguns gestos que, na interpretação, podia ilustrar que era algo de racismo", comentou.

O alemão, o europeu, na verdade, não se preocupa muito, de um modo geral, em relação à raça, vamos dizer que em termos sociais, ou outras coisas assim. Eles não ficam medindo as pessoas com o que está vestindo, o que que está usando... Percebi muito mais no Brasil essa diferenciação. A pessoa te medindo pelo que você está vestindo, que carro você está, que relógio está usando, do que propriamente na Europa. Nesse contexto geral, acho que é muito mais latente no Brasil, infelizmente, do que na Europa."

Hoje na Oceania, o brasileiro também diz experimentar outros parâmetros de convívio social, com o senso de respeito bem claro.

"Aqui na Austrália, o pessoal também não é muito de ficar medindo o que que você está usando, que carro você tem. Às vezes, você vai ao mercado e o pessoal está de pijama, descalço, é interessante essa diferenciação, essa cultura. O pessoal vive a sua vida e, no que pode ajudar, um ajuda o outro", acrescentou sobre o tema.

Reuters Reuters

Revendo o lance de 2005

Aloísio Chulapa recebe no meio, domina e, de três dedos, encontra Mineiro no meio da defesa do Liverpool. Com frieza, o então camisa 7 bate no canto direito de Pepe Reina. Este lance está gravado na memória de qualquer torcedor do São Paulo, e, claro, daqueles que participaram da conquista. O ex-volante admite que vez ou outra revê a jogada e encontra novos detalhes.

"De vez em quando estou um pouco mais saudosista e dou uma olhada, revejo alguns lances e alguns detalhes que, às vezes, passam despercebidos. Algum comentário que, às vezes, algum colega faz e você vai lá no vídeo de novo olhar, e não tinha prestado atenção. Com certeza, isso vai sempre fazer parte assim da minha vida, da vida dos meus familiares, da vida de todo são-paulino."

O herói do título mundial de 2005, porém, não participou da comemoração logo após o apito final. No Japão, preferiu usar a tecnologia para conversar com familiares que estavam no Brasil, e a bagunça com o elenco ficou para o dia seguinte.

"Se eu não me engano, foi o Lugano que foi ao quarto. Depois que voltamos para o hotel, teve uma recepção, uma festa, o pessoal comemorando lá embaixo... Estava extremamente cansado. Depois da janta, subi para o meu quarto. Tinha comprado um notebook no Japão, e estava, na verdade, conversando com a minha família. A gente se alegrando por aquele momento, e o pessoal chamando lá embaixo: 'Chama o Mineiro! Cadê o autor do gol?'. Mas naquele momento, estava tendo uma certa privacidade junto com a minha família."

Foi o auge da minha carreira como atleta. Poder fazer parte de um clube como o São Paulo e marcar história, ser lembrado com carinho depois de tantos anos (...) À medida que o tempo passa é que vamos aprendendo a valorizar esses momentos.

Mineiro, sobre a participação no título mundial do São Paulo em 2005

Reprodução

Por que "deu certo" tão tarde?

Em um esporte em que as transações envolvem jogadores cada vez mais jovens, a linha do tempo de Mineiro chama a atenção. Após a formação na base do Inter, acabou dispensado quando estava quase se profissionalizando. Ainda tentou passos no Grêmio, mas sem avanço. Passou pelo Dom Bosco até chegar ao Rio Branco-SP e iniciar uma trajetória por Guarani, Ponte Preta e São Caetano.

Em 2005, aos 29 anos, Mineiro enfim chegou ao São Paulo, onde conquistou o Paulista, Libertadores e Mundial logo na primeira temporada, além do Brasileiro de 2006. Só então partiu para o exterior.

"[Dispensas na base] Foram coisas que me ajudaram a amadurecer, a crescer e administrar também as dificuldades emocionais muito cedo. O meu foco sempre foi a minha família. Isso sempre foi o que me motivou a não desistir, mesmo que algumas portas se fechassem. E a minha carreira é algo bem atípica. Cheguei com 29 anos ao São Paulo, saí do Brasil com 31 anos para a Europa. São muitas coisas meio que contraditórias de uma carreira normal de um atleta profissional."

Reprodução/Instagram

Copa de 2006: Mineiro poderia ser melhor aproveitado?

Mineiro realizou outro sonho de muitos jogadores: disputar uma Copa do Mundo. E, novamente, a linha do tempo atípica apareceu. O volante foi chamado por Parreira em uma emergência, após Edmilson apresentar um problema no joelho. No entanto, acabou não atuando no torneio.

Anos depois, o treinador brasileiro admitiu que talvez o jogador pudesse ter sido melhor aproveitado naquela Copa - o Brasil foi eliminado nas quartas de final, após derrota por 1 a 0 para a França.

"No meu ponto de vista, cada treinador tem sua ideologia, aquilo que ele entende que é o melhor para o que está montando. Então, dentro de todo aquele elenco, falar que um ou outro não foi bem aproveitado, às vezes, é uma incógnita. Não se sabe até que se coloque em campo para saber qual seria o resultado. Para mim, foi uma oportunidade imensa de estar aprendendo, vivendo aquele momento. Fico feliz por ter sido lembrado. Infelizmente, foi através de uma contusão de um amigo de trabalho, mas, por fazer parte daquele grupo, valeu muito a pena."

Jamie McDonald/Getty Images

O 7 a 1 no avião

O 7 a 1 da Alemanha na semifinal da Copa de 2014 deixou os brasileiros incrédulos. Se quem assistia ao jogo demorou a acreditar no que via, imagina para quem estava acompanhando apenas pelos informes do comandante de um avião. Foi desta maneira inusitada que Mineiro "ouviu" a partida e achou até que tudo não passava de brincadeira.

Na época, o ex-jogador estava no Brasil devido a um projeto social alemão do qual participava, no Recife. No fatídico dia, deixava o Nordeste rumo a Porto Alegre, por conta de compromissos pessoais. Calhou, porém, do voo acontecer justamente enquanto a bola rolava.

"Durante o voo, que foi bem no horário do jogo, eu estava sentado, e o comandante com o pessoal de bordo estavam falando sobre. Daqui a pouco, o cara passa e fala assim :'1 a 0 para a Alemanha'. Foi até o fundo do avião fazer alguma coisa, daqui a pouco voltou: '2 a 0'. Foi ao fundo de novo: '3 a 0'. A gente estava achando que ele estava brincando. Começou a falar o resultado para gente dentro do avião, e o pessoal falando: 'está de sacanagem, não está falando sério, é pegadinha'. Depois, quando desci no aeroporto, aquela repercussão", lembrou.

Nem os alemães com quem conversei acreditaram, na verdade. Foi algo que marcou a história, infelizmente, de uma maneira vexatória. Alguns alemães até tentaram fazer algumas brincadeiras, alguns pediram desculpa. Depois que eu voltei para a Alemanha, foi bem tranquilo, não teve muita zoação com relação a isso.

Mineiro, ex-jogador da seleção brasileira, sobre a derrota histórica de 2014

Antônio Gaudério/Folhapress Antônio Gaudério/Folhapress

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